“E foi isto que estabeleceu: consegue ficar sem comida (não vai definhar). Consegue ficar sem calor (o frio não vai matá-la). Mas uma vida sem arte, sem deslumbramento e sem beleza a deixaria louca. Já ficou louca uma vez.
Ela precisa de histórias.
Histórias são um modo de se preservar. De ser lembrada. E de esquecer.
As histórias vêm à tona em diversos formatos: desenhos, canções, pinturas, poemas, filmes. E livros.
Ela descobriu que os livros são uma maneira de se viver milhares de vidas diferentes – ou de encontrar forças para viver uma muito longa.” 

V. E. Schwab

A Vida Invisível de Addie Larue é um dos maiores sucessos de Victoria Elizabeth Schwab (V. E. Schwab), o que tentarei provar não ser injustificado. 

Então, se eu pudesse resumir esse livro em uma expressão, eu diria que essa história é como uma chama. Ela acalenta, queima e explode. Guarda seus mistérios e é capaz de trazer muito à luz. 

Primeiras impressões

De cara, no momento em que encontrei o livro — de forma bem aleatória, diga-se de passagem — e li a sinopse, eu me apaixonei. No entanto, minha leitura não fluiu na primeira tentativa. Quando vi as 500 páginas que me aguardavam, sabia que seria uma história que demandaria muito da minha mente e do meu coração. 

O que de fato aconteceu, só para registrar.

É por isso que aqui, nesse review, me esforçarei ao máximo para trazer uma análise “sóbria”, se é que é possível, a respeito do livro. Não somente uma avaliação de seus aspectos estruturais, estilísticos e narrativos, mas também uma discussão que se refere às nuances da história em si. 

Apesar do esforço, não será uma tarefa fácil: A Vida Invisível de Addie Larue despertou em mim o melhor que a leitura é capaz de proporcionar. Choque, raiva, afeto, tristeza, felicidade, encantamento e, acima de tudo, uma imersão completa. 

Assim, torna-se igualmente importante lembrar que toda proposta de resenha carrega os sentimentos do autor, em grau maior ou menor. E dito isso, hora ou outra meus sentimentos poderão falar um pouco mais alto do que a minha análise a qual, por hora, chamarei de “sóbria”.

A Vida Invisível de Addie Larue
Divulgação: Galera

Como Descrever o Indescritível?

Em termos simples, não sei se sou capaz de cumprir tal responsabilidade. O que parece ser um sentimento comum aos leitores dessa história, a presente autora corrobora: não é fácil definir esse livro em palavras. 

Quando terminada a história, eu fiquei muitos, MUITOS minutos pensando no que dizer, em como eu me sentia, o que fazer com o tesouro que eu tinha em mãos. Como eu vou resenhar sobre esse livro? Era a pergunta que não me saía da cabeça. Meus “divertidamente” com certeza devem ter surtado, coitados.

De todo modo, essa ficção nos traz uma leitura sensível do que é — e do que pode ser — a vida. Quem somos nós? Somos “simplesmente” quem somos, ou quem e o que deixamos para trás? Essas não são perguntas fáceis de responder, mas a sensibilidade com a qual Schwab as aborda é bela, trágica e chocante.

Cuidado Com o Que Deseja: Tudo Tem um Preço!

Eu não quero pertencer a outra pessoa — diz ela, como uma veemência repentina. As palavras são uma porta escancarada, e agora ela despeja todo o resto. — Não quero pertencer a ninguém além de a mim mesma. Quero ser livre. Livre para viver e encontrar meu próprio caminho, para amar ou ficar sozinha, mas que seja por escolha própria. Estou tão cansada de não ter nenhuma escolha, tão assustada de ver os anos se passando diante dos meus olhos. Não quero morrer do mesmo jeito que vivi, porque isso não é vida. […]

Para aqueles que já assistiram o live-action Aladdin, o que direi agora não lhe será estranho: tome sempre cuidado com as zonas cinzentas do que você deseja.

Esse cuidado Addie não tomou. 

Por isso, toda a narrativa do livro se desenrola não necessariamente pelo desejo em si, mas pelas suas entrelinhas. De fato, Addie se tornou imortal. Mas a que custo? 

Eu gosto de pensar que nossas maiores provas de vida são as pessoas e as obras que deixamos. Elas são uma forma de nos manter ligados ao mundo, de nos tornar imortais pelo tanto de tempo que é possível, se é que sou capaz de me fazer entender. Se ainda não ficou claro, eu diria que é algo semelhante ao “Que seja eterno enquanto dure”.  Aparentemente, o deus da noite — ou Luc — pensava da mesma forma. 

O que nos move e nos derruba

Logo, chego à conclusão de que o que move nossas vidas é sempre o desejo. O desejo de ser alguém, ou ser ninguém. De ir a algum lugar, ou de permanecer. De conseguir algo, ou de se contentar com o que já temos. Sempre nessa balança, os desejos parecem ser a água que gira o moinho de nossas vidas e, assim, fica a reflexão.

Victoria Elisabeth Schwab não nos poupa: os desejos são capazes de mover nossas vidas e de nos trazer o inimaginável. E é justamente por isso que a atenção precisa ser redobrada: cuidado com as zonas cinzentas, elas não existem só nos contos de fadas.

A Vida Invisível de Addie Larue
Divulgação: Galera

Uma Belíssima e Trágica Narrativa

Não se engane. A Vida Invisível de Addie Larue não é um livro feliz. É um livro real dentro da irrealidade, na medida em que pode ser.

E. Schwab se utiliza de uma estratégia muito eficiente no que diz respeito à história com uma passagem de tempo muito longa: a alternância de épocas. A cada capítulo, íamos e voltávamos entre as vidas e lugares que Addie viveu, quase sempre no mesmo dia, sendo expostos às crueldades e alegrias pelas quais a protagonista passou.

Dessa forma, a partir desse recurso temporal, é criada sempre uma atmosfera de suspense e novidade. O que será que vem por aí? E assim a autora se mostra eficazmente engenhosa: capturando a atenção do leitor de forma não exatamente convencional.

Menção Honrosa

Além desse recurso narrativo, não podemos deixar de lado um outro pilar para o sucesso da construção: o estilo de escrita quase poético da autora. Essa beleza trágica do livro se dá a partir de um casamento perfeito entre os acontecimentos e a forma como são ditos. Essa soma, que eu chamaria na realidade de multiplicação, potencializa o poder de ação da história em seu leitor.

Partindo para outra perspectiva, assim como nem só de pão é feito o homem, nem só de beleza é feito um livro. Todas as vidas em uma que Addie viveu evocam muito mais do que encantamento.

A vida imortal que a protagonista desejou — e conseguiu — não começou de forma fácil. Foi cruel, solitária e desesperadora. O mundo é cruel, e Addie descobriu isso da pior forma possível. Novamente, Schwab não nos poupa: Addie não vendeu somente sua alma, se é que há algo pior e mais precioso para se perder, mas, de certo modo, vendeu um outro tipo de imortalidade. Vendeu suas possibilidades, suas chances de marcar as pessoas e o mundo, sem que soubesse. Vendeu seu corpo, sua vida, sua alma, seu coração.

No entanto, mesmo vendendo tudo o que tinha, Addie conseguiu marcar o mundo. De uma forma muito indireta, mas não menos material e verdadeira. Esse tipo de sutileza, trazido durante toda a história, parece ser sopros de vida em meio à resignação e à “tristeza tranquila” que nos toma durante a leitura.

A beleza com que Schwab descreve todas essas sutilezas, todas essas nuances, sobrecarregam a história de uma atmosfera fantasticamente — no sentido literal da palavra — real.

Muito Mais do Que Uma História de Amor (isso se foi realmente amor)

Uma parte essencial da história é o que, por não ter nome melhor, chamarei de triângulo amoroso entre Addie, Luc e Henry. E é nesse momento que eu peço uma licença para um questionamento. Quão verdadeiramente amorosas eram essas relações?

No entanto, antes de analisarmos a realidade dessas emoções, precisamos de uma análise “crua” dos personagens. Não vamos colocar a carroça à frente dos bois.

Primeiro, temos Addie, uma mulher que viveu trezentos anos sendo conhecida por apenas um alguém, Luc. Ela viveu seus maiores medos, as intempestividades da humanidade e a crueldade da natureza na pele. Foram trezentos anos buscando o que sabia que jamais poderia encontrar: amor, reconhecimento e um lar. Como poderia acreditar que os encontraria quando sequer era capaz de ser lembrada?

Em seguida, temos Luc, um deus da noite que se apegou a um dos seres mortais que tanto desprezava. Um deus solitário, inteligente, arrogante, cruel e extremamente volátil, que encontrou uma mulher que não cedia perante seu poder. Um clássico.

E, para finalizar, temos Henry, um homem que, eu diria, havia se perdido de sua própria alma. Provavelmente, a presença inexpressiva e personalidade apática do personagem foram propositais. Muitos o chamariam (e chamam) de “sem sal”, o que não posso negar ser verdade, mas também não posso negar a importância estratégica disso. Não é à toa que, no momento em que descobre um propósito para si, Henry desperta.

Análise do “amor”

Pensando nas relações páreas, essencialmente Addie-Henry e Addie-Luc, ambas são permeadas pela novidade, pelo choque e pela falta. Cada par encontrou no outro o que mais desejava na vida, e isso significou criar relações muito mais egoístas do que amorosas. Não vou negar a parcela egoísta do amor, no sentido de que amamos alguém pelo bem que ela é capaz de nos proporcionar.

No entanto, o egoísmo presente nessas relações tinha muito mais a ver em ter encontrado o quase-impossível. Addie achou em Luc o reconhecimento que tanto buscava. Luc encontrou em Addie um verdadeiro desafio. Henry queria o fantástico, algo que o tirasse dos eixos, e encontrou. Addie, é claro (e de novo), encontrou o reconhecimento. Mas não o reconhecimento de alguém que lhe proporcionou aquela realidade, o reconhecimento de alguém que vivia e morreria, alguém real.

No fim, nenhum deles queria perder o que mais havia buscado e, por fim, encontrado. Esses encontros acabaram gerando relações de dependência em que ninguém estava disposto a abrir mão. 

E é por isso que eu diria que A Vida Invisível de Addie Larue é muito mais do que uma história de amor, até porque não é. Novamente, Schwab nos pega e nos enlaça pela sutileza a respeito de algo nada sutil: as complicações das relações e sentimentos humanos.

Considerações Finais

A Vida Invisível de Addie Larue
Divulgação: Galera

Eu vou precisar me utilizar da mesma expressão usada no início: essa história é como uma chama. Ela acalenta, queima e explode. Guarda seus mistérios e é capaz de trazer muito à luz.

Um livro estilisticamente belo, fantasticamente real e surpreendente. Uma história que dança com nossas emoções, observando suas entrelinhas e nos tirando de certo conforto.

É assim que é A Vida Invisível de Addie Larue.

REVIEW
A Vida Invisível de Addie Larue
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Ive Pitanga
"Tenha coragem e seja gentil". Uma frase simples, que depois de assistir "Cinderela", ganhou meu coração. Todo santo dia e todo dia santo, levanto disposta a enfrentar o mundo, sendo a melhor que posso na medida em que consigo. Uma amante de livros, sorvete, flores e artes com estilo vangoghiano. Uma mulher disposta a viver mil vidas, conhecer mil pessoas e ver mil lugares diferentes: é essa a beleza literária que tanto me encanta.
a-vida-invisivel-de-addie-larue-reviewFrança: 1714. Addie LaRue não queria pertercer a ninguém ou a lugar nenhum. Em um momento de desespero, a jovem faz um pacto: a vida eterna, sob a condição de ser esquecida por quem a conhecer. Um piscar de olhos, e, como um sopro, Addie se vai. Uma virada de costas, e sua existência se dissipa na memória de todos.Após tanto tempo vivendo uma existência deslumbrante, aproveitando a vida de todas as formas, fazendo uso de tantos artifícios quanto fosse possível e viajando pelo tempo e espaço, através dos séculos e continentes, da história e da arte, Addie entende seus limites e descobre — apesar de fadada ao esquecimento — até onde é capaz de ir para deixar sua marca no mundo.Trezentos anos depois, em uma livraria, um acontecimento inesperado: Addie LaRue esbarra com um rapaz.Ele enuncia cinco palavras.Cinco palavras capazes de colocar a vida que conhecia abaixo:Eu me lembro de você. Uma jornada inspirada no mito faustiano sobre busca e perda, eternidade e finitude e, acima de tudo, uma questão: até onde se vai para alcançar a liberdade?