Silvestre, de Wagner Willian, é uma HQ lançada no fim de 2019 pela Darkside Books e traz o autor potiguar mais colorido e sombrio do que nunca; uma obra ímpar, simples e ao mesmo tempo profunda – vamos entender um pouquinho na sequência.
A leitura começa com um belo prefácio de Felipe Castilho (Ordem Vermelha: Filhos da Dregração) e notamos logo de cara o tom da trama que seguirá: o selvagem e o silvestre.
Em meio aos galhos retorcidos entre brumas das mais densas florestas, perambula O Caçador. Velho, ele não mais consegue ter grande sucesso em suas caçadas, dando início a um diálogo íntimo entre Leitor x Humanidade x Natureza. Qual a possibilidade de um idoso sobreviver caçando se não há mais a constituição de um jovem guerreiro? Assando uma torta?
Uma Torta Sabática para os seres da floresta
Se não tenho mais condições de caçar, vou cozinhar… certo? Quase! E se eu fizer uma torta tão deliciosa que seu cheiro irá impregnar por toda floresta e atrairá os mais diversos seres e entidades para minha singela cabana? Ora, deu certo – e muito!
Dividido em três atos e mais um epílogo, Silvestre mostra sua introdução com indagações, devaneios mitológicos e uma reflexão das fragilidades da carne humana – na questão física mesmo. É talvez, das mais belas pinturas de Willian em toda a HQ, acompanhando uma diagramação em prosa e contando com um letreiramento instigante e característico.
Já a partir do segundo ato, o jeito graphic novel entra em ação, com balões e toda aquela coisa toda. É neste momento que a trama se desenrola – mesmo que não faça tanto sentido numa primeira leitura. Já fica a dica: não precisa procurar (apesar de ser interessante) por vídeos “Entendendo Silvestre” ou respostas em blogs; o entendimento é exclusivamente pessoal. Claro que um conhecimento sobre culturas pagãs e divindades possa ser interessante. Mas quem é que conhece a “bruxa da floresta da Croácia”? Não é este o ponto…
Saindo de uma leitura linear, o desenvolvimento se dá através dos diálogos deslocados das entidades da floresta. Cada um deles traz um entendimento peculiar e que fará parte do quebra-cabeça dentro de suas cabeça – e faltará muitas peças, pode ter certeza.
Natureza Poética
Temos uma breve vivência de cada uma das criaturas em quase duzentas páginas. O Curupira, a Baba Yaga, o Diabo, o Ghoul, e até a Mula-sem-cabeça em uma das aparições mais icônicas na obra, são indexados de forma exemplar, respeitando a mitologia de cada um. Entretanto, ressalto a harmonia e intimidade que eles têm com eles mesmos. É bem curioso!
Voltando a “não-linearidade”, toda essa fragmentação traz a impressão de estarmos diante de um livro de versos, seja diálogos das criaturas ou os devaneios do Velho Caçador, dando margem para você voltar naquela página sem pestanejar – e poder entender melhor a sequência da leitura. De fato, uma graphic novel ímpar e feito à seu jeito.
Exemplos e referências que posso indicar e que me remeteram durante a leitura? Bem, Lars Von Trier (O Anticristo) e Robert Eggers (A Bruxa).
Em Busca do Íntimo // Aspecto do Caçador
O que o autor busca com sua obra? É difícil ter esta resposta, pois como já dito, a interpretação é intrínseca e pessoal do ser. Apesar disso, ainda podemos buscar no âmago do Velho Caçador a tal da “Natureza Humana” e a luta do ser contra a Besta Interior.
Difundido em livros de ocultismo ou mesmo sendo temas de RPGs, como Vampiro, o cerne da narrativa é sobre como lidamos com nossos anseios – inclusive com a morte. Será que somos capazes de qualquer coisa? Como passamos ser da Presa para o Predador?
Todas estas questão são jogadas em meio a mesa; em meio a uma simples refeição de uma deliciosa torta. Será que vai ter pedaço pra todo mundo? Se faltar, ficarão bravos? Qual o verdadeiro ingrediente?
Uma sonora briga de galhadas
Flertando como uma obra experimental, Silvestre traz além de seu requinte artístico não padronizado – que já vale a experiência- , uma narrativa simples em seu ensejo de trazer a figura do Caçador à tona, mas rico em expressar a transfiguração do ser em cada um dos aspectos da natureza selvagem. Silvestre é uma sonora briga de galhadas entre os quadrinhos nacionais dos últimos anos.