Por que as dificuldades enfrentadas pelas mulheres nos eSports não são diferentes das encaradas na vida corporativa?

“Por que torneio feminino?”. “Não há força física envolvida, não faz nenhum sentido!”. É inevitável: muita gente pensa assim quando fica sabendo da existência de ligas disputadas exclusivamente por mulheres nos eSports. Não dá para culpar: pensando friamente, há lógica nesse raciocínio. Mas, ainda assim, as ligas femininas existem e são, infelizmente, extremamente necessárias para esse público e explico por quê.

Deixando claro: pouquíssimos campeonatos principais são restritos aos homens. A grande maioria é, na teoria, misto – mas não é o que vemos na prática. É possível contar nos dedos a quantidade de mulheres que já competiram com homens nos torneios principais. E não importa o jogo: Starcraft, League of Legends, CS:GO, Dota 2 – mulheres raramente participam.

Sasha “Scarlett” Hostyn, uma das poucas representantes femininas no Starcraft 2, vence a IEM PYEONGCHANG 2018

Mas, se aos olhos dos gamers homens e mulheres são iguais, por que isso acontece? É uma questão de oportunidade que começa muito antes dos torneios. Jogos sempre foram vistos como “coisa de menino”, e isso se refletiu (e ainda reflete) na educação de muitas meninas.

Falo por mim – enquanto meus amigos passavam quantas horas quisessem na lan house jogando Counter-Strike, meus pais só me deixavam ir se outra menina me acompanhasse, e sempre com horário restrito. Mesmo assim, até me considero sortuda, pois conheço muitas mulheres que na adolescência nem em casa podiam jogar videogame.

Tudo isso colabora para que, desde cedo, esse meio seja bem mais natural para os homens do que para as mulheres. Em pleno 2019, mulheres envolvidas na comunidade gamer (e nerd como um todo) ainda são vistas como “alienígenas” – e muitos homens fazem questão de deixar claro: não somos bem-vindas.

Apesar disso, algumas meninas e organizações batem no peito e encaram o desafio – e cada vez que isso acontece, o papel dos torneios femininos se torna mais claro. No Brasil, tivemos um caso recente: em março de 2018, o time feminino da Vivo Keyd de CS:GO foi convidado pela ESL Brasil para participar da qualificatória da LA League, um dos principais torneios latino-americanos da temporada.

As meninas não eram novatas, tinham acabado de voltar de campeonatos internacionais, e muitas jogadoras estavam no cenário havia anos. Mesmo assim, a escolha recebeu vários comentários negativos – vários citando que com certeza existia alguma equipe masculina que merecia mais o convite.

O time russo Vaevictis, o primeiro feminino a jogar uma liga principal de League of Legends, encarou discriminação e atitude antidesportiva dos próprios colegas de profissão na sua estreia nesse cenário.

A impressão é a de que uma mulher nos games só é merecedora se for a melhor, se conseguir massacrar todos os outros times. Mas como fazer isso, se não temos o mesmo espaço para começar?

Os torneios femininos são vistos com menos prestígio e, consequentemente, oferecem premiações menores. Por um lado, isso é até compreensível: a intenção é que se trate apenas da porta de entrada para as meninas, e não o único meio onde elas possam participar de disputas. No entanto, infelizmente a realidade é outra. Em geral, eles ainda são o único lugar que a maioria das meninas encontra para competir.

No momento, temos duas opções: insistir na luta para que as mulheres cheguem aos torneios principais ou brigar pela valorização dos torneios exclusivamente femininos. Meu desejo é pela primeira, com todos disputando lado a lado. Contudo, sempre que as mulheres dão a cara a tapa e aparecem nas ligas principais, percebo como ainda estamos longe disso.

A luta diária das mulheres por respeito existe em todas áreas; infelizmente, não é diferente nos eSports. Se já é visível que a presença das meninas não é mais um “ponto fora da curva” nos jogos, é importante repetir comportamentos saudáveis, esteja você atrás ou não de um monitor.

Texto por Kika

Kika Martini é graduada em Engenharia Elétrica pelo Instituto Mauá de Tecnologia e realizou cursos sobre Cinema e Televisão, com foco em apresentação de programas. Há 2 anos na NZN como apresentadora do VOXEL, Kika é responsável por produzir conteúdo para a vertical, que é especializada em games e aborda assuntos referentes a consoles, jogos, eventos e eSports.