Onde está Daisy Mason? é o tipo de livro que você devora. Como livro de estreia, preciso dizer, Cara Hunter se lança com uma narrativa cheia de reviravoltas e uma escrita fluida e madura. Além disso, é um policial clássico que entrega o que promete.
Eu descreveria como surpreendente, mas previsível, prazeroso, mas frustrante. Paradoxal, não é verdade?
Receitinha de Bolo
Como uma leitora voraz de livros policiais, preciso deixar claro que a história não peca nos elementos essenciais — alguns aparentemente clichês — dos livros policiais da atualidade. Assim, um detetive com passado difícil, muitas perguntas e poucas respostas (obviamente), plots twists para dar e vender e, ao que parece, um final frustrante, o que discutiremos depois.
Então, Cara Hunter escreve muito bem, com diálogos maduros, espaços e personagens bem construídos, o que faz com que a leitura seja muito fluida. Além disso, desperta a curiosidade necessária no leitor para que ele avance nas leituras de maneira sedenta. Ela vai nos enredando com as muitas perguntas e poucas respostas, expandindo a teia de possibilidades e desafiando a nossa capacidade de imaginação.
Desse modo, precisamos nos deter, por um momento, à bela criação dos personagens. Nisso, Cara foi brilhante. A identidade de cada um dos personagens é aprofundada na hora e medidas certas, aguçando a nossa curiosidade e nos surpreendendo com as novidades. Personagens bem construídas, principalmente em thrillers, são um alento para o leitor, porque elas justificam os acontecimentos, nos permitindo imergir na história de maneira muito mais profunda, o que torna a leitura muito mais aprazível.
No entanto, apesar de cumprir todos os requisitos ou, pensando a metáfora do subtítulo, conter todos os ingredientes, Onde está Daisy Mason? explora até demais determinados recursos de livros policiais. A autora dá, o tempo todo, voltas de 180º graus que nos levam à lugares totalmente diferentes na narrativa.
Isso não é ruim, mas quando não é feito com frequência demais. A autora exagera na dosagem das descobertas chocantes, causando uma espécie de amaciamento no leitor, que passa a esperá-las. Isso significa que a reviravolta se torna esperada, mas não necessariamente no que vai ser, mas talvez em como será e, ouso dizer, em como os personagens vão reagir.
Tinha a Faca e o Queijo na Mão…
Agora, vamos nos ater ao plot twist. E já aviso: isso aqui vai ser recheado de SPOILER e indignação. Absolutamente nada, NADA, consegue me fazer entender como um autor constrói um desfecho PERFEITO e ESCOLHE jogá-lo fora. Atenção, foi uma escolha.
O julgamento de Sharon, toda a justificativa desenhada a partir da personalidade da personagem e da suposta vítima, assim como a história de vida da suposta criminosa, estavam perfeitamente casados. Foi criada a união perfeita. Sem pontas soltas, um discurso final bem feito, tudo encaixado.
Aí, então, absolutamente do nada e sozinha, Cara Hunter aposta em uma hiper-mega reviravolta final para fechar o livro com chave de ouro: um epílogo mostrando que a criança declarada morta, na verdade, abandona sua família disfuncional para ficar com uma professora que teve 50 centavos de participação no livro. Em um comentário aleatório, chamaram o epílogo de “desconcertante”, e vou tomar a ideia para mim. Foi absolutamente desconcertante.
Como é que pode alguém escolher jogar o desfecho perfeito no lixo, em prol de um plot twist NADA A VER a respeito de uma personagem que mal gera empatia no leitor por qualquer outro motivo que não o fato de ser uma criança. É sério, nada a ver. Até agora eu sinto a indignação corroendo minhas veias. Confesso que, particularmente, eu prefiro fingir que o epílogo não existe e a história de Onde está Daisy Mason? acabou no passado trágico do detetive Fawley.