O que acontece quando uma jovem aspirante a mangaka, que escreveu alguns seinen de romance e BL aqui e ali, e por acaso foi jogadora de baseball (ou, para ser mais exata, softball) na escola e é psicóloga do esporte, resolve unir seus interesses em um mangá seinen? Se essa jovem for Asa Higuchi, acontece Ookiku Furikabutte, um mangá posteriormente adaptado em uma das mais clássicas séries de anime sobre baseball de todos os tempos.

Lançado inicialmente em 2004 na revista seinen Afternoon, o excêntrico mangá de baseball com uma fórmula extremamente doce e sentimental deu tão certo que acabou sendo adaptado em uma série de anime de 25 episódios em 2007, ganhando uma segunda temporada de 13 episódios em 2010, e continua a ser lançado mensalmente até hoje.

Mais um mangá de baseball?

Quem tem interesse em anime e mangá de baseball deve conhecer a versatilidade dos temas nessas séries. Para falar apenas em séries de baseball adaptadas em animes populares, temos desde shounenzões longuíssimos, como Major (atualmente com 83 volumes) e Diamond no Ace (com 47 volumes lançados ao longo de nove anos), passando por séries com personagens mais adultos e teor mais psicológico, como One Outs (o famoso “sucessor espiritual” de Kaiji e Akagi), até verdadeiros novelões como Touch – todos muito populares por motivos muito justos. Mas afinal, qual foi a fórmula mágica do sucesso para Asa Higuchi se destacar em meio a essas séries?

Ookiku Furikabutte é à primeira vista muito simples, muito singelo. Ren Mihashi é um garoto recém-ingressado no ensino médio, que jogava baseball no ensino fundamental, mas era o verdadeiro “pato” da equipe e, apesar de ser o arremessador principal, seus lançamentos tortos e mal-calculados nunca conseguiram levar a equipe da sua escola a uma vitória. Ele passa a sofrer bullying, e acaba por ingressar no ensino médio em uma outra escola, procurando recomeçar uma vida longe do baseball. Infelizmente para ele, o pessoal do clube de baseball acaba descobrindo o seu histórico e convidando-o para fazer parte do clube. É muito temeroso – como sempre – que Mihashi passa a fazer parte do clube de baseball do colégio Nishiura, que ao longo dos 38 episódios e 24 volumes (até agora) da série passa por uma série de competições tendo como objetivo vencer o famoso campeonato de baseball escolar japonês, o Koushien – literalmente a meta de todo clube de baseball escolar no Japão.

Ookiku Furikabutte, volume 1 (Capa Divulgação)
Ookiku Furikabutte, volume 1 (Capa Divulgação)

Muito próximo do cotidiano escolar

Só por aí já podemos notar alguns dos pontos de destaque de Ookiku Furikabutte. Similarmente a um Cheer Danshi da vida, Ookiku Furikabutte é uma história muito realista – você realmente sente que está acompanhando garotos adolescentes de verdade, em suas perdas e vitórias, medos e desafios, situações de bullying e agressão e momentos de descontração, todo um universo muito comum a todo mundo que sabe como funciona o ensino médio. Tem estudante se matando de estudar para não ficar de recuperação e ter que parar de jogar (caham, Mihashi), estudante um pouco empolgado demais com suas descobertas sexuais (caham, Tajima), estudante bully que se acha demais e traumatiza os amiguinhos (caham, Haruna), e todo estereótipo de adolescente imaginável. Isso não é sem motivo: a autora chegou a se infiltrar em reuniões de pais de escolas (!) para conhecer de perto a realidade de um clube de baseball de uma escola real, quando da época em que o mangá começou a ser escrito, e esse gostinho de realidade é definitivamente um dos atrativos de Ookiku Furikabutte.

Ao mesmo tempo, o outro ponto forte de Oofuri, como é chamado pelos fãs, é sua ternura e delicadeza. Em todos os sentidos: apesar de baseball não ser exatamente visto como um esporte muito terno ou delicado, a escolha da autora de usar essa estética não apenas destaca a arte de Oofuri – com suas inconfundíveis bochechas sempre coradas que chegam a irritar alguns leitores, olhões e rostos redondos de adolescentes mirrados – como também acentua essa parte mais realista da série. E talvez por isso o background de psicóloga do esporte de Asa Higuchi agregue à série: porque ainda que a série retrate muitas competições, treinamentos e discuta muito a parte técnica do baseball – eu confesso que aprendi quase tudo que sei da parte técnica do baseball com as lições de Oofuri! – ela nunca se resume a isso.

De fato, tudo que acontece depende muito da condição física e psicológica dos jogadores. Às vezes eles perdem e se sentem arruinados por várias temporadas. Às vezes eles jogam contra pessoas que não gostam, e isso os afeta. Às vezes eles se lesionam no momento mais crucial da partida. Como na vida, nem sempre o melhor jogador ou equipe ganha. Eu ficava realmente empolgada acompanhando as partidas de Oofuri, porque era como se a autora rolasse um dado para decidir quem ia vencer – nunca dava para adivinhar o resultado de uma jogada ou partida. A parte mais interessante é exatamente o: “e depois, como é que fica?”. Ainda que obviamente tenha arcos, a história de Oofuri flui muito naturalmente e todos os eventos estão muito conectados; há realmente uma progressão de todos os jogadores, não somente os principais, alguns são trocados no meio da história, e assim por diante. E todos, sem exceção, passam por muitas tribulações na estrada rochosa rumo aos seus objetivos e a uma vitória no Koushien.

Relacionamentos e humor

Falando no destaque para os personagens e eventos, os relacionamentos dos personagens também são essenciais em Oofuri, e, bem, não é a toa que as fujoshis apelidaram a série de “gayseball” – e essa fama acaba afastando muita gente também. Apesar de não ter realmente nenhum BL e ser uma série que qualquer pessoa pode curtir, trata-se de um jogo de clubes masculinos com vários amigos e muito subtexto – entre arremessador e catcher, especialmente, de “vamos nos entender muito bem!” – então o ship é livre e as fujoshis rapidamente pegaram isso. Mas mesmo sem levar isso em conta, há algo de muito divertido nos hábitos e sentimentos dos personagens – a ansiedade social de Mihashi, que treme sempre que vê algum bully da sua antiga escola, ou a tensão entre Abe e seu antigo pitcher Haruna são alguns exemplos de como as relações na série são complexas e divertidas de se acompanhar. O humor e o tom leve da série certamente são outros de seus pontos de destaque, e entre uma e outra competição acirrada não faltam acontecimentos espontâneos e divertidos.

O mangá de Oofuri, atualmente no capítulo 132, ainda está em andamento, e ainda não é certeza se haverão mais temporadas do anime – e nem mesmo dá para adivinhar se eles vão afinal ganhar o Koushien ou não algum dia. Ainda assim, eu não posso deixar de recomendar essa série cujos personagens e sonhos extremamente envolventes me renderam rapidamente, que me fez virar fã de baseball antes que eu pudesse me dar conta, e que mesmo depois de anos sem ler um capítulo posso escrever com propriedade sobre. Porque Oofuri é ridiculamente envolvente, e é impossível não torcer por aqueles jovens garotos com grandes sonhos, dispostos a sacrifícios para se superarem, enfrentando não só os competidores de outras escolas como também seus fantasmas pessoais.

Assim, se o que você quer é um bom anime/mangá – fofíssimo – de baseball, ou ainda conhecer mais sobre um esporte novo através do olhar de jovens estudantes tão complexos quanto determinados, Oofuri é uma excelente pedida para você.