Continuando nossa parceria com a Pipoca & Nanquim, editora que não tem uma obra ruim no catálogo, trouxemos um mangá diferente dos nossos reviews anteriores.
Hoje, vamos falar sobre uma ilha que é o paraíso na terra, um parque para adultos onde a diversão é a libertinagem. Assim, o review será sobre ‘O Estranho Conto da Ilha Panorama’, que chegou na editora em abril, mas continua bem quente.
Origens
Primeiro de tudo, esse mangá é uma adaptação do livro do escritor Edogawa Ranpo — pseudônimo de Ryutaro Hirai em homenagem a Edgar Allan Poe. Falamos um pouco de Poe aqui no Suco com os mangás de Junji Ito e os contos de H.P Lovecraft.
Ou seja, está na cara que Edogawa Ranpo é mais um membro do clube do grotesco e do suspense — em especial o policial.
O autor japonês publicou O Estranho Conto da Ilha Panorama em 1926, inspirado pela visão de onde trabalhava.
Então, apenas em 2007 Suehiro Maruo, autor e desenhista, transformou o livro em um mangá. Ele, por sua vez, também faz parte do clubinho do grotesco e do erótico — duas coisas que não faltam nessa obra.
Combinando a história de um com os desenhos e os diálogos de outro, este mangá é a perfeita mistura de fascínio e suspense.
Enredo
Logo nas primeiras páginas de história conhecemos Hirosuke Hitomi, um escritor meio fracassado que está tentando vender seu novo livro. A obra de Hirosuke, recheada de fetiches e referências a Edgar Allan Poe, é sobre uma ilha paradisíaca, com construções homéricas, grandiosas e fabulosas. No entanto, um pouco repreendido por seu editor, o escritor não consegue publicar o livro.
Alguns meses depois, Hirosuke descobre que seu amigo de infância, Genzaburo Komoda, morreu com uma crise de asma. Olhando a foto do amigo, Hirosuke percebeu que, mesmo depois de anos, os dois ainda eram extremamente parecidos, como gêmeos idênticos.
Com isso, levado pela frustação com sua vida e pela vontade de criar seu paraíso, ele decide trocar de vida com Genzaburo.
Nem mesmo a distância e a morte conseguiram detê-lo, botando em prática o plano de encontrar o corpo enterrado e forjar sua ressuscitação.
Pontos Fortes
Bom, quero ressaltar que os pontos fortes aqui não são necessariamente os pontos positivos de O Estranho Conto da Ilha Panorama. Quero dizer que são, essencialmente, os pontos que identifiquei com maior peso na obra.
Ilha Panorama: Nudismo Liberado
Sendo assim, o primeiro é o erótico. O mangá tem muita nudez, muita sensualidade e luxúria. Indo direto ao ponto, tem cenas de sexo explícito — sim, no plural.
Diferente da aberração dos ecchi, aqui o corpo e o toque íntimo não são unicamente pelo fanservice.
O fetiche e a libertinagem andam juntos com os desejos megalomaníacos de Hirosuke. Mostram a falta de pessoalidade, a falta de sentimentos e a sede de controle do protagonista.
Na verdade, não só dele, mas dos personagens como um todo. Estando na Ilha Panorama, as pessoas podem esquecer do pudor e da moderação, são totalmente livres para beber, fumar e transar a céu aberto.
Além disso, Suehiro Maruo dá um show de anatomia com seus desenhos belíssimos.
No entanto, como eu falei, o erótico não é unicamente por ver mulheres peladas, mas tem uma pequena parcela nisso. Sim, eu entendo que a obra foi escrita há quase 100 anos e adaptada há 16 anos. E sim, eu entendo que eram outros tempos, outras pautas e outro jeito de pensar.
Mesmo assim, o fato de 99% das pessoas nuas serem mulheres é um pouco incômodo. Não seria tão escancarado se, em algumas cenas, absolutamente todas as mulheres estarem se banhando nuas, mas absolutamente todos os homens estarem com seus trajes de banho ou suas partes estrategicamente escondidas.
Mesmo que a gente entenda o contexto em que uma obra foi escrita, ainda assim podemos debater sobre seus fatores problemáticos.
Portanto, o problema não é a nudez feminina, é o desiquilíbrio entre a exposição e o uso erótico e cheio de fetiches do corpo feminino e do masculino.
Grotesco
Outra questão bem marcante desse mangá é a repulsa causada pelo grotesco.
O Estranho Conto da Ilha Panorama tem uma porção de cenas desconfortáveis. Em especial, quando Hirosuke decide desenterrar o amigo e depois mais para o meio do mangá, com uma determinada morte.
São cenas detalhadas, que não poupam desenhos cruelmente bem-feitos. Além disso, elas acontecem num crescendo de suspense que quando finalmente acontecem você já está no pico do desconforto.
De qualquer forma, quem acompanhou nossos reviews das coletâneas de Junji Ito já devem estar um pouco vacinados contra esse tipo de gore.
Porém, fica o aviso de gatilho. Contém conteúdo sobre suicídio e necrofilia. Bem desagradável.
A Arte de O Estranho Conto da Ilha Panorama
Agora, podemos falar sobre coisas um pouco mais levinhas. Em quesito de desenho, esse mangá é uma verdadeira obra de arte. Suehiro não economizou talento pra produzir essa história.
Afinal, adaptar as descrições da Ilha Panorama não é tarefa pra amador. São cenários monumentais, fantásticos, diferentes de tudo que já vimos ao mesmo tempo que são junções de vários lugares lendários.
Então, o que deixa mais incrível o trabalho do desenhista, além de conseguir visualizar e passar para o papel a composição da ilha, é a riqueza de detalhes dele. Tanto em planos fechados, planos abertos, quanto panorâmicas extensas, parece que cada traço foi milimetricamente pensado.
Algumas vezes eu fiquei simplesmente admirando o desenho, em especial os da Ilha Panorama. É incrível o impacto que Suehiro conseguiu transmitir da beleza e energia mítica do lugar. Em uma palavra, hipnotizante.
Muito Simbolismo
O último ponto forte que eu trago aqui é a quantidade de simbolismo que essa obra tem.
Seja os cenários, os personagens, alguma expressão, algum diálogo, pode ter certeza de que boa parte disso tudo tem inspiração em alguma obra icônica.
De qualquer forma, as paisagens e os lugares ganham mais protagonismo nisso tudo. Afinal, são eles que deram vida à Ilha Panorama, a estrela dessa história. Desde esculturas, referências bíblicas, lendas japonesas e literatura, pode procurar que você vai achar uma referência.
Além disso, depois que a história em si acaba, o mangá traz mais de dez páginas de conteúdo adicional. Para ficar ainda melhor, a Pipoca & Nanquim fez o favor de indicar a página e o elemento para explicar qual foi a referência que inspirou ele. Também, tanto Suehiro quanto Edogawa ganharam uma breve biografia.
Por fim, dentro do enredo da história em si você consegue identificar alguns significados importantes, por exemplo como a história começa e acaba de forma cíclica.
Veredito
Finalmente, vamos ao que interessa. A história possui vários pontos positivos, como o suspense eminente, que te deixa colado na cadeira esperando uma tragédia a cada página.
Assim como a preocupação em dar significados mais profundos aos acontecimentos e lugares, o uso da sensualidade e, claro, os cenários magníficos. De qualquer forma, o final foi impactante, mas um pouco brusco.
Ainda, vamos levar em consideração que é uma publicação da Pipoca & Nanquim, ou seja, super caprichada, completinha e maravilhosa. Inclusive, eles se deram o trabalho de colocar um asterisco pra explicar que uma onomatopeia era o som de uma cigarra. Impagável, né?
Portanto, não precisa pensar duas vezes antes de colocar esse mangá na sua coleção. É uma história super intrigante — eu literalmente não consegui parar de ler. A arte do mangaká com certeza vai te conquistar, seja com as paisagens, seja com a nudez — sem fingir que isso não desperta nossa curiosidade.
Então, prepare o coração e descubra O Estranho Conto da Ilha Panorama.