O medo é um dos sentimentos mais poderosos do ser humano, ou melhor, das criaturas vivas. É devido ao medo que conseguimos nos autopreservar, ao mesmo tempo que evitar situações que julguemos perigosas para nossa integridade. Assim, algo que não falta em O Chamado de Cthulhu é o medo.

O horror, gênero literário que está em diversas mídias, é uma forma de transmitir esse medo a partir de obras fictícias ou não. Assim, ele é capaz de causar aquele frio na espinha assistindo um bom filme de fantasma, um documentário de true crime, ou ainda lendo um romance sinistro de ficção científica.

Portanto, muitos são os autores famosos por escrever o gênero de horror, mas poucos conseguiram o que H. P. Lovecraft fez. Ele criou um novo subgênero que descreve o medo do desconhecido, da imensidão do universo, ou de criaturas incompreensíveis a mente humana, esse é o horror cósmico.

Então, quando falamos de falamos de horror, logo a editora Darkside vem à nossa cabeça. Responsável por trazer diversos títulos do gênero, desde livros até histórias em quadrinhos, a Caveira resolveu publicar um novo tesourinho das obras de Lovecraft. Esse é O Chamado de Chtulhu, versão ilustrada de um dos contos mais famosos do autor.

Assista abaixo nosso REELS:

Quem foi H. P. Lovecraft?

Primeiro, se você nunca leu nada a respeito do autor, é importante que saiba algumas coisinhas sobre esse gênio da literatura.

Howard Phillips Lovecraft nasceu em 1890, e cresceu de maneira tímida devido a sua saúde frágil. Amante dos livros, ele se dedicou à poesia uma grande parte da sua vida, até que aos 27 anos ele resolveu arriscar na publicação de um novo tipo de conteúdo: o horror cósmico.

Apesar de hoje usarmos esse nome — “horror cósmico” —, na época o mesmo não existia. Afinal, Lovecraft é o responsável por criar esse subgênero, que consiste em uma série de elementos. A pequinês da humanidade, o medo do desconhecido, um universo maior e mais profundo do que a compreensão humana, um panteão de deuses vindos das estrelas que não podemos descrever em palavras… Além de objetos vindo de outras dimensões que causam uma grande parte de sentimentos irracionais, como histeria e a própria loucura.

Portanto, Lovecraft foi um gênio da sua era, e até hoje é aclamado por suas obras. Inclusive, obras que ganham várias adaptações para diversos tipos de mídias, como histórias em quadrinhos, longas metragens e animações.

Apesar de não faltar adaptações, cada obra diverge da anterior devido a maneira como os autores, diretores e ilustradores conduzem as descrições de Lovecraft.  Ou seja, as criaturas, cores, e fenômenos — muitos desses completamente além da mente humana — são um pote desconhecido para a imaginação. Afinal, uma parte do horror cósmico consiste justamente nessa inabilidade de compreender, ou identificar, o que estamos vivenciando.

o chamado de cthulhu darkside
Foto: @sucodm

Cthulhu Fhtagn 

Mas, afinal, quem é esse tal de “chuchu” e do que se trata esse chamado?

Muito provavelmente você já tenha visto alguma ilustração de Cthulhu por aí. Seja em jogos online ou de tabuleiro, cartas colecionáveis ou até produtos de artistas independentes. O monstro titânico é uma das deidades do universo de Lovecraft, o mais conhecido — eu poderia dizer.

Então, o conto O Chamado de Cthulhu é sobre um jovem que — ao analisar os pertences de um parente que acaba de falecer — encontra uma série de registros sobre um culto a uma criatura desconhecida. Os recortes são uma coleção de diversos depoimentos, desde relatos de sonhos febris de um escultor, até a descrição de um detetive que capturou um estranho culto demoníaco.

O total desconhecimento do protagonista sobre o monstro que aparece num pequeno tablete de argila, leva-o em uma pesquisa pelos passos de seu tio-avô falecido. Assim, ele busca descobrir o real motivo de sua morte, e o porquê de seu tio ter se interessado tanto em uma aparentemente história mal-assombrada para fazer crianças terem pesadelos.

Sobre o conto

Sendo assim, o conto acontece em primeira pessoa, então nós nos sentimos confidentes do protagonista. Ele, por sua vez, escreve as três partes do conto como se estivesse enviando uma carta para um velho amigo. Por isso, a descrição de eventos, assim como a história fantástica, nos deixa apreensivos para descobrir o final — seja ele qual for.

Traduzido por Ramon Mapa, a versão da Darkside do conto é muito próxima do original. Principalmente levando em conta as adaptações necessárias do idioma, assim como as diferenças literárias que o tempo criou, entre a publicação original e de 2023. Afinal, é muito comum encontrarmos versões desse mesmo conto em um português mais robusto, confuso, próximo ao old english, como é o conto original. Entretanto, eu prefiro essa versão mais coloquial, já que auxilia na compreensão da história, e a torna acessível para os mais diversos públicos.

o chamado de cthulhu darkside
Foto: @sucodm

A Arte de François Baranger

Como eu disse antes, as obras de Lovecraft já tem adaptação para diversas mídias. Mesmo assim, há divergência de como as criaturas — ou o universo — se apresenta. Afinal, as descrições do autor abrem um leque de possibilidade para interpretação, tendo em conta que muito do que Lovecraft descreve é impensável ou incompreensível a mente humana.

François Baranger, artista convidado a ilustrar essa publicação, já trabalhou com os concepts de filmes como A Bela e a Fera e Harry Potter. Além disso, já esteve nas equipes de artes de jogos eletrônicos como Heavy Rain e Beyond Two Souls.

Com conceitos amplos, o ilustrador buscou criar uma atmosfera misteriosa e densa em suas artes d’ O Chamado de Cthulhu. Somos constantemente apresentados a ilustrações de cenários gigantescos, onde os seres humanos são apenas formiguinhas em uma paisagem complexa e (assustadoramente) bela.

A interpretação do Deus Antigo, Cthulhu, é magnífica com um jogo de luzes que tenta garantir as características monstruosas e nojentas a criatura. Sua pele de consistência desconhecida, os tentáculos que brotam de sua cabeça em formato de polvo, as asas gigantescas e dracônicas… é um verdadeiro deleite ao leitor, que usa dessas artes para significar melhor o conto ao percorrer da leitura.

Nota do Editor: Por que Ainda Lemos Lovecraft? 

Algo que deve incomodar muito os leitores é quanto a certas descrições feitas por H. P. Lovecraft. Considerado um racista, é fácil perceber sua visão negativa e estereotipada de pessoas pretas, mestiços, judeus, portugueses, entre outros.

É comum que a maior parte das editoras ignore essa característica sombria e criminosa do autor. Dessa forma, achei muito corajoso como a Darkside optou por adicionar essa informação à nota do editor, demonstrando que não fecha os olhos à descrição estereotipada de Lovecraft, mas ao tempo gera espaço para o debate crítico do leitor.

Por ser uma obra que cabe a inúmeras interpretações, eu acredito que é essencial esse tipo de informação para nós — consumidores —, já que a partir dela podemos ter um pensamento crítico e analítico da obra, mas também compreender como o autor escolhe a descrição de sua história baseada em seus próprios preconceitos.

Apesar de muitos historiadores apontarem que Lovecraft tendeu a se arrepender de seus apontamentos racistas ao longo da sua vida, ainda mais após se casar com uma judia, não podemos nunca nos esquecer as raízes do autor, estas sendo essenciais para nós entendermos também o porquê de ainda lermos Lovecraft.

Gênio a frente do seu tempo, pai do horror cósmico, sua infinita imaginação não o torna menos humano, e seus pensamentos racistas impactam diretamente na sua construção como autor. Séculos depois, em uma sociedade mais inclusiva e compreensiva, conseguimos consumir o conteúdo de Lovecraft fazendo análises críticas as escolhas do mesmo, nos dando o prazer de apreciar suas obras, enquanto ainda entendemos seus erros como pessoa.

Mais uma vez eu tenho que apontar a coragem e a transparência da Darkside em não apagar essa característica ou passado do autor, mas trazer a mesma em uma nota editorial, dando ao leitor a oportunidade de construir sua própria opinião.

O Chamado de Cthulhu já está disponível para aquisição no site da Darkside, que também conta com um catálogo de outras obras do autor, e do ilustrador.

O Chamado de Cthulhu
Capa | Darkside | Foto: Suco de Mangá

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REVIEW
O Chamado de Cthulhu
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Doka
Bibliotecária, especialista em conservação de histórias em quadrinhos, pesquisadora na área de educação, princesa da Disney e apaixonada por Sailor Moon a mais de 20 anos.
o-chamado-de-cthulhu-reviewUm horror indizível, inominável assombra a humanidade. Nas trevas, moram aqueles que desejam espalhar a loucura e a destruição. Você está pronto para despertar poderes ancestrais nas profundezas, e ajudar a trazer o fim do mundo? H.P. Lovecraft é um gigante da literatura de terror e da cultura popular. Desde os anos 1920, seus contos e novelas encantam gerações e influenciam inúmeros romances, jogos, quadrinhos, discos e filmes. Seu conto “O Chamado de Cthulhu”, escrito em 1926 e publicado pela primeira vez na revista Weird Tales em 1928, é um clássico absoluto. Agora, o artista francês François Baranger apresenta a versão ilustrada definitiva da história. Esta edição foi publicada originalmente através de financiamento coletivo, que conseguiu arrecadar nove vezes mais do que o autor havia solicitado. Não é difícil entender por quê. A arte de Baranger consegue evocar como poucos o universo sombrio, etéreo e nebuloso descrito por Lovecraft.