Já trouxemos várias coletâneas de Junji Ito nos nossos reviews, mas meus amigos, nenhuma como essa. Talvez ela tenha me impressionado tanto quando Dismorfos, mas superou as restantes. Hoje falaremos de O Beco, um mangá da Pipoca & Nanquim com 11 histórias bem perturbadoras.
Bom, tanto o autor quanto a editora já são famosos aqui no Suco, mas vale o comentário.
Essas coletâneas de Junji Ito são um compilado de histórias publicadas anos atrás — neste caso, entre 1991 e 1993 na revista Halloween: Histórias Bizarras para Noites Insones.
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Assim, O Beco saiu em 2011 no Japão e em 2023 aqui no Brasil, com a Pipoca & Nanquim. Inclusive, um detalhe muito legal dos mangás brasileiros é que a editora deixou o nome em português com a sua correspondência em japonês ao lado.
Além disso, essa coletânea também vem com quatro cards colecionáveis das histórias do mangá e o tradicional marcador de páginas.
Pra encerrar essa introdução, O Beco já mostra seu impacto sem nem precisar abrir o mangá. Das sobrecapas das coletâneas do autor, acredito que essa seja uma das mais macabras.
Essas silhuetas cadavéricas do beco parecem nos acompanhar com os olhos — ou com o buraco onde eles deviam estar. Porém, quando você tira a sobrecapa e olha para a contracapa… Está uma ilustração digna do Exorcista ou dos melhores vídeos de susto do ínicio dos anos 2000.
Então, finalmente, vamos ao que interessa!
O Beco
Diferentemente de Morada do Desertor, que deixou a história do título pro final, O Beco chegou botando a cara.
Aqui, Ishida, um jovem estudante, se instala em uma hospedaria, no quarto que era da filha da dona do lugar. O quarto fica próximo a um beco totalmente isolado com paredes altas e até mesmo arame farpado.
Então, quando a noite chega Ishida escuta barulho de crianças brincando naquele beco sem saída. A antiga dona do quarto explica que ele deve ter ouvido ecos de outros becos da região, mas Ishida não parece acreditar totalmente naquilo.
Até que, num encontro acidental, Ishida conhece o homem que se hospedou no quarto anteriormente. Ele revela que nas paredes do beco há silhuetas de três crianças fantasmagóricas ficavam imóveis durante o dia. Porém, quando o sol se põe essas silhuetas desgrudam das paredes e brincam risonhas.
Ishida não acreditou naquelas palavras até cair no beco e descobrir mais outras silhuetas além das três crianças. Assim, o sol já estava pondo, mas alguém não queria deixar ele escapar.
Sinceramente, acho que crianças tem uma aura assustadora, pois nada mais angustiante do que ouvir os espectros de crianças brincando ao seu lado. Além disso, o jeito que Junji Ito desenhou essas silhuetas e as frases na parede do beco são mais uma prova do porquê dele ser o mestre do horror.
Enfim, essa história também foi adaptada para anime em Junji Ito: Histórias Macabras do Japão, da Netflix. Cá entre nós, preferi o mangá.
Modelo Fotográfica
Sou suspeita pra falar dessa história, pois a personagem dela perturba meus sonhos.
Em Modelo Fotográfica, Iwasaki é um estudante de cinema que acorda com um pressentimento ruim. Tentando fugir dessa sensação, ele acaba encontrando uma revista na qual vê a foto da mulher mais perturbadora que já viu.
Passam dias e dias, mas a imagem daquela pessoa deformada e anormal não saem da sua cabeça. Então, quando ele e seu grupo buscam atrizes para o filme que estão gravando, uma das candidatas é a modelo da revista.
Tentando “ajudar” Iwasaki, seu amigo chama Fuchi, essa mulher desfigurada para gravar. No entanto, no caminho para as gravações, eles percebem que o corpo, a presença e a risada de Fuchi estão longe de serem humanas.
Assim, as gravações se tornam um verdadeiro filme de terror quando eles se encontram no meio da floresta sozinhos com aquela criatura.
Admito, eu morro de medo da Fuchi. O olhar dela, as proporções do corpo, a velocidade que ela tem, meu deus, que mulher horrível. Ainda, essa história tem um clima de suspense que só cresce a cada página e você não sabe se vai dar certo ou muito errado. Quando eu terminei, estava literalmente de queixo caído.
Queda
Falando em cair, Queda propõe um drama romântico com mistério sobrenatural. Quando chega em casa, um rapaz vê que sua namorada tentou suicídio. Então, leva ela para o hospital e na mesma noite ela e mais dezenas de jovens desaparecem sem deixar qualquer vestígio.
A garota consegue ser resgatada, mas com sequelas inexplicáveis. Aparentemente do nada ela começa a levitar e prevê que corpos cairão do céu.
Não vou escrever muito mais dessa história, pois é basicamente isso mesmo. De toda a coletânea, Queda foi a que me deixou mais morna. Infelizmente, não achei que o final ficou à altura do enredo. Muitas perguntas sem resposta e eu, como pessoa curiosa, fico ansiosa por explicações que não aconteceram.
Quarto Coletivo
Eriko se envolve numa batida de carro e vai parar no hospital, dividindo o quarto com a pessoa que estava no outro carro e outras quatro garotas. Como se não bastasse ser internada com essa outra mulher que a inferniza o tempo inteiro, as quatro garotas passam a noite conversando e andando juntas pelos corredores.
Então, cansada de ouvir as provocações, incomodada com o comportamento anormal das quatro garotas e sentindo suas bochechas pinicarem loucamente, Eriko muda de quarto.
Para sua sorte, ela escapou de ser possuída pela entidade que possuiu o corpo das garotas. Agora, ela tenta evitar que as “cobras” que saem da boca delas não entrem em seu corpo.
Acreditem, a explicação é bem mais chata do que a história. No começo achei meio parada, mas com o passar das páginas a coisa vai ficando esquisita. Bem desconfortável, com o melhor do desenho grotesco de Junji Ito.
Hospedaria
Agora, chegamos em uma das minhas histórias preferidas de O Beco. Dessas que eu fiquei vendo os quadrinhos de novo e de novo e quando a história acabou tive que tomar um ar antes de continuar.
Inspirado por um sonho, o pai de uma família decide transformar sua casa em uma hospedaria com águas termais. No entanto, essa obsessão fica doentia à medida que ele cava o chão do quarto incessantemente à procura de uma fonte de água quente, fazendo com que sua esposa e filha fujam da cidade.
Anos depois, um rapaz curioso com essa história vai atrás dessa hospedaria para conhecê-la. Chegando lá, encontra o dono completamente acabado, o lugar fedendo e quase caindo aos pedaços, mas ainda funcionando. Ele cruza com alguns hóspedes, comprovando os boatos de que apenas pessoas bizarras iam lá. Nenhum dos hóspedes era normal ou parecia necessariamente humano.
Porém, o que deveria ser uma fonte termal agradável parecia uma piscina de sangue, com uma água tão quente quanto as profundezas do inferno.
Resumindo, essa história é sensacional, incrível e sem defeitos. O suspense, o plot twist, o desconforto, os hóspedes totalmente perturbadores, tudo é encantador. Eu li de novo e leria mais quantas vezes fossem necessárias.
Permissão
Esse capítulo traz mais um romance trágico, mas tenho certeza que não é pelo motivo que imaginam.
Aqui, um rapaz apaixonado por sua namorada pede a permissão do pai dela para se casar. Porém, muito rigoroso, o homem nega sem nem pestanejar. Desesperançoso, o casal termina o relacionamento e passam um mês sem se falarem.
Nesse tempo, o antigo cunhado retorna e pede que o rapaz tente mais uma vez pedir a mão da garota em casamento. No entanto, ele não sabia que ficaria anos preso em um capricho mórbido e melancólico daquela família.
Permissão tem o tipo de final que a gente não espera. Imaginei um milhão de teorias, todas estavam erradas. Me surpreendi positivamente com a história.
Fumódromo
Outra história de O Beco que me deixou com mil perguntas.
Um grupo de adolescentes combina de fumarem na casa de Nakaya, um colegial que possui um cigarro supostamente muito bom. Receoso, Kondo aceita fazer companhia para seu amigo, mas é o único que percebe sinais horríveis vindos do cigarro.
De acordo com Nakaya, esse tabaco é colhido ao lado do crematório, o que dá às plantas um adubo de qualidade. No entanto, o que Kondo viu faz ele acreditar que há algo muito pior do que apenas adubo de qualidade naquele tabaco.
Estranha, desconfortável e cheia de suspense. Não sei se entendi direito, mas também não sei se era pra entender. No fim, gostei, mas queria mais explicações.
Mofo
Mais uma história que teve adaptação no anime da Netflix, em Mofo um homem retorna à sua casa após um ano trabalhando no exterior. No entanto, encontra ela completamente suja, bagunçada e mofada, como se os inquilinos tivessem simplesmente desaparecido.
Mesmo incomodado, o homem continua dentro de casa, tentando se livrar daquele mofo que só crescia cada vez mais. Buscando a fonte desse problema, seu irmão fala a verdade sobre as pessoas que moraram ali durante esse ano. No fim, o mofo ia muito além da comida e das paredes daquela casa.
Em uma palavra, nojenta. Essa história é nojenta e repugnante. Imagina absolutamente todas as superfícies da sua casa estar coberta de mofo. Enfim, Junji Ito sabe muito bem brincar com a nossa cabeça.
Cidade sem Ruas
Cansada de ter a privacidade invadida na casa dos seus pais, Saiko decide procurar sua tia, que vive em uma cidade afastada. Porém, o único jeito de chegar lá é andando, pois não existem mais ônibus lá e os taxistas se recusam a irem até a cidade.
Então, Saiko finalmente chega nesse lugar onde passou sua infância, mas não o reconhece. Agora, as ruas da cidade foram fechadas com grandes e mal-feitas construções. Mesmo que as demolissem, elas estavam de pé novamente no dia seguinte.
Por isso, para se locomover lá dentro os moradores precisam entrar na casa das pessoas, como se elas fossem as vias da cidade.
Em busca da sua tia, Saiko vê e escuta coisas horríveis sobre aquele lugar, mas nada a surpreendeu mais do que ver como sua tia estava vivendo. Agora, tudo que ela quer é voltar para a casa dos pais.
Bom, essa história fala muito sobre privacidade e o quanto “nos abrimos” para as pessoas e o quanto as pessoas “arrombam” nosso espaço pessoal. É bem angustiante de ler, mas me prendeu bastante.
Lembranças
Mais uma história de mulheres e sua obsessão pela beleza e medo da feiura.
Rie é uma bela garota, um rosto perfeito, praticamente uma modelo. Porém, ela tem uma vaga lembrança de, durante sua infância, ver no espelho um rosto horroroso, quase abominável. Como ela não tem nenhuma memória entre seus 7 e 14 anos, pergunta aos seus pais se a lembrança dela era real.
Então, sem conseguirem mais esconder a verdade sobre o que aconteceu, Rie descobre de quem era o verdadeiro rosto que ela lembrava.
Um enredo bem simples, comparado às outras histórias de O Beco. De qualquer forma, o autor parece gostar de explorar esse tema, da busca e fascínio pela beleza perfeita. O final me deixou curiosa e com uma sensação ruim de que aquilo não tinha terminado.
Caminhão do Sorvete
Finalmente, a última história dessa coletânea.
Recém chegados na vizinhança, um pai e filho logo percebem que o caminhão de sorvete faz sucesso entre as crianças. Num primeiro momento, o homem proíbe que seu filho tome sorvete, mas com medo de perder a guarda dele para a ex-mulher acaba cedendo.
À princípio ele fica curioso sobre o passeio que o caminhão faz com as crianças, se perguntando como eles disponibilizam tanto sorvete para elas. Porém, as coisas começam a ficar sombrias quando ele percebe que sua casa e seu próprio filho estavam mudando.
Uma coisa é certa, ele não deveria ter deixado seu filho comer aquele sorvete.
Essa é outra que aparece em Histórias Macabras do Japão. O mangá consegue ser tão tenso quanto o anime e o desenho do caminhão é extremamente incômodo. No geral, fechou o mangá em grande estilo.
Considerações Finais
Como falei logo no começo desse review, O Beco é uma das coletâneas que mais me impressionou e cativou até agora. As histórias são incômodas, nojentas e muito perturbadoras.
Umas são menos marcantes e outras ficaram na minha cabeça horas depois de ler o mangá, mas todas deixam um gosto amargo na boca.
Como comentei sobre a publicação, eu amei as ilustrações da sobrecapa e capa, mostram bem a linha que ela vai seguir. Também fiquei feliz que nenhuma das histórias era repetida, então são narrativas inéditas por aqui.
Enfim, O Beco é um dos maiores exemplos do terror de Junji Ito, que nem sempre fantasmas são a coisa mais assustadora do mundo. Às vezes, uma hospedaria com águas do submundo ou uma modelo cadavérica são suficiente pra tirar nosso sono.