Contos Esmagadores | Review

Finalmente, pra finalizar os Reviews das coletâneas de Junji Ito recém-lançadas pela Pipoca & Nanquim, hoje vamos falar de ‘Contos Esmagadores’. Originalmente publicada em 2013 no Japão, essa coletânea chegou na editora brasileira em março de 2023.

Assim, com 14 contos que transitam entre o nojento e perturbador até o sombrio e fúnebre, o mangá ostenta 446 páginas de história. Todas elas são curtinhas e algumas trazem o queridinho de Junji Ito, o amaldiçoado garoto Souichi.

Além disso, a coletânea traz quatro cards colecionáveis com personagens que aparecem nesta publicação: Misaki (Não Quero ser Fantasma); Binzo (O Mistério da Casa dos Horrores e A Frente Avançada de Souichi); Goro (Glicerídeo); e Kazuya Tani (A Escuridão que Suga Sangue).

Então, sem mais enrolação, vamos ver quais Contos Esmagadores nos esperam!

A Escuridão que Suga Sangue

O primeiro, aquele que abre o mangá, conta a história de Nami, uma colegial que desenvolve anorexia e bulimia. Focada em achar o “corpo perfeito”, ela começa a sonhar com uma chuva de sangue e uma mão fantasmagórica tentando alcançá-la. O mais estranho de tudo é que ela acorda coberta de sangue. Então, Nami conhece Kazuya, um rapaz que decide ficar tão magro quanto a garota, como protesto ao distúrbio alimentar dela. No entanto, Kazuya tem um hobby estranho: ele cria centenas de morcegos hematófagos que vivem para ajudá-lo.

Sinceramente, eu estava esperando muitas coisas, mas não esperava o que aconteceu nessa história. O plot twist e a forma como ele aconteceu me surpreenderam e se você é fã de coisas relacionadas a vampiros vai gostar também.

Fantasmas do Horário Nobre

Keisuke é um garoto que não ri. Não importa o que façam, o que ele assiste ou com quem ele está, ele não ri. Então, seu amigo inconformado o leva a um show de comédia pra ver se arrancava uma risada de Keisuke. No entanto, uma dupla horrorosa, de dar vergonha alheia subiu ao palco para tentar fazer a plateia rir. Depois de uns minutos, todos estavam caindo na gargalhada, mas Keisuke sabia a verdade. Todas aquelas risadas vinham direto do submundo.

Novamente, Junji Ito pega algo comum (nesse caso, morrer de rir) e transforma em algo mirabolante e genial. O final mata todas as nossas esperanças, mas é disso que a gente gosta.

Estrondo

Neste conto que mistura romance, suspense e casos de família, dois amigos vão fazer uma trilha e acabam perdidos, pois a bússola parou de funcionar. Então, eles ouvem um estrondo que precede uma enorme enxurrada, arrastando casas e pessoas impiedosamente. No entanto, assim que a água passa, o solo já está seco novamente, como se não passasse de uma miragem.

Honestamente, minha parte preferida deste conto foi o final, pois deixa um suspense tanto inacabado quanto explícito no ar. Fora isso, achei meio fraquinho.

Glicerídeo

Certo, neste aqui Junji Ito se puxou. Ele juntou tudo de mais asqueroso, nojento e desagradável e transformou neste conto. Uma família mora logo acima do restaurante do pai e assim a casa vive cheia de gordura e fuligem. Por isso, os filhos sofrem muitos problemas pessoais, tornando a convivência familiar bem desagradável. No entanto, o filho mais velho desconta isso da pior maneira possível: além de bater na irmã, ele bebe litros de óleo por dia. Aos poucos, ele se transforma numa criatura asquerosa e ensebada, obrigando seu pai a tomar medidas irreversíveis.

Sinceramente, ‘Contos Esmagadores’ definiu o que é seboso, asqueroso, pegajoso e nauseante com esse conto. Totalmente desconfortável, enjoativo e anormal. Ou seja, perfeito.

Os Fincados

Mais uma proposta interessante. Neste conto algumas pessoas começam a aparecer em lugares inusitados, travadas em posições estranhas. Mesmo quando retiradas de lá, elas voltam a aparecer. O motivo disso tudo revela verdades obscuras que elas lutam para esconder.

Enfim, não é o conto mais marcante do Junji Ito ou da própria coletânea, mas as especulações até descobrir a verdade nos prende.

A Campainha de um Condenado

Dois irmãos vivem juntos, depois de vivenciarem um acidente terrível com a família. No entanto, todas as noites a campainha toca, anunciando a chegada de uma alma condenada. Todas as noites essa alma pede desculpas e todas as noites os irmãos tentam se livrar dela. Porém, somente a morte pode tirá-los dessa situação.

Esse conto começa com um ritmo bom e uma boa pegada de suspense, mas senti que esfriou um pouco no meio, se tornando repetitivo. Além disso, o final é um pouquinho tenso, mas nada que se destaque.

O Mistério da Casa dos Horrores e A Frente Avançada de Souichi

Esses dois capítulos de ‘Contos Esmagadores’ são da mesma história, por isso coloquei juntos. Bom, uma casa dos horrores suspeita chega nas cidades pequenas, prometendo ser a experiência mais horripilante que as pessoas vão presenciar. Então, envolvendo desaparecimentos e denúncias de maus tratos, dois garotinhos vão visitar a dita casa dos horrores. No entanto, o que eles veem e descobrem terão que pagar com suas vidas.

Em seguida, onde a casa dos horrores passa, as pessoas notam que as crianças desenvolvem hábitos estranhos. Ficam com pregos na boca, martelam bonecos de palha e se tornam muito mal criadas e corrompidas. Reconheceu um garotinho com essas mesmas características? Pois é, ele mesmo.

Como mais uma história de Souchi, esses dois contos (que na verdade são um) entregam mortes, maldições, anomalias e comédia. Além disso, vemos uma personagem que apareceu em Dismorfos e uma versão adulta de Souchi. Também, o jeito que essa história acabou foi impagável, combinando perfeitamente com o personagem. Uma das melhores dessa coletânea.

O Animal de Estimação de Souichi

Este conto em que acompanhamos mais uma maldição do menino Souichi foi adaptado para anime pela Netflix em ‘Histórias Macabras do Japão’. Bom, a irmã mais velha de Souichi encontra um gatinho de rua e decide adotá-lo depois que o bichinho a segue até em casa. No entanto, diferente do restante da família, Souichi não se dá muito bem com o bichano e, repreendido e julgado pelos irmãos, lança uma maldição em todos eles. A partir daí, o gatinho meigo passa a ser um verdadeiro animal infernal.

Como mais uma história deste garotinho perturbado e assombrado, o conto é divertido e sinistro na medida certa. Mesmo assim, vale o lembrete: não cuspa pregos no seu gato e nem peça para ele caçar insetos no inferno.

No Vale dos Espelhos Casados

Como não podia faltar nas melhores coletâneas, este conto é o “Romeu e Julieta” de ‘Contos Esmagadores’. Nele, um misterioso e abandonado vale recebe alguns visitantes que tentam desvendar o mistério das partículas brilhantes daquele lugar. Assim, presenciam o passado de duas vilas rivais que tentavam repelir o ódio uma da outra com incontáveis espelhos. No entanto, o resultado foi o trágico fim de um casal apaixonado.

Sinceramente, apesar de rápida eu achei uma das histórias mais bonitas dessa coletânea. Assim como o clichê maravilhoso de um casal que não pode ficar junto, o simbolismo dos espelhos usados como defesa e arma é algo que só podia sair da mente de Junji Ito. No fim, o que mandamos para o mundo é o que volta para nós.

Não Quero Ser Fantasma

Agora, temos um conto polêmico, nojento e cheio de suspense. Um dia, voltando do trabalho pela estrada da floresta, Shigeru encontra uma moça chamada Misaki toda ensanguentada e fora de si. Torcendo para que ela não fosse um fantasma, a deixou no hospital e respondeu algumas perguntas para a polícia, devido a estranheza da situação. Então, dias depois a moça apareceu na casa de Shigeru agradecendo a ajuda, resultando no início de um caso às escondidas da esposa do rapaz. No entanto, a situação fica sinistra quando Shigeru encontra Misaki ensanguentada logo após ela revelar que está com ele pois se satisfaz com os vários fantasmas que o acompanham.

Essa história começa estranha, no meio fica esquisita e no fim acaba bizarra. Ou seja, tudo o que a gente gosta para passar raiva, nojo, medo e fascínio. Para ser perfeita, só faltou mais imagens dos fantasmas, de resto é bem boa, inclusive o traço maravilhoso de Junji Ito.

Acervo dos Devaneios

Adaptado para anime com o nome de ‘Visão na Biblioteca’ em ‘Histórias Macabras do Japão’, ‘Acervo dos Devaneios’ é bem interessante. Um homem herda o acervo de livros imenso do seu pai, criando um enorme afeto e cuidado com ele. No entanto, com o passar do tempo esse cuidado vira obsessão, evoluindo para uma paranóia. Isso faz com que o homem pense que os livros estão sumindo e retornando como se fossem pessoas reais.

Eu adorei a proposta dos livros se tornarem pessoas, me fazendo pensar “Se ‘Contos Esmagadores’ se transformasse em um ser humano, como ele seria?”. Com certeza nada agradável. Bom, ainda bem que ele se mantém macabro e cruel apenas nessas páginas inocentes.

A Canção das Trevas

Sabe aquela música que fica na cabeça por dias e dias e nunca vai embora? Então, o mestre Junji Ito pegou essa ideia e levou ao extremo, com o jeitinho mórbido e psicótico que só ele tem. Na história, uma mulher escuta uma artista de rua tocando uma música esquisita, cheia de raiva e palavras agressivas. Estranhando a situação, a mulher segue seu caminho, mas desde então não consegue mais tirar a música da cabeça. Tem dificuldade para dormir, se concentrar e até mesmo conversar com as outras pessoas. Sem saber o que fazer, ela vai no show da artista que tocou essa música, mas presencia uma cena grotesca. No fim, a origem dessa canção amaldiçoada é muito mais perturbadora do que imaginava.

Bom, eu gostei de explorar o extremo dessas músicas que não saem da cabeça e ficam nos atormentando. De qualquer forma, considerando que esse conto foi uma das inspirações para a ilustração da sobrecapa, minhas expectativas eram mais altas.

Os Esmagados

Agora, pra fechar com chave de ouro, temos ‘Os Esmagados’, o capítulo final de ‘Contos Esmagadores’. Um rapaz vai até a América do Sul, onde se perde em uma floresta exótica (é claro, afinal não existe outra possibilidade de história vindo da América do Sul né, gringos…). Nesta floresta, ele encontra uma tribo nativa que o oferece um mel especial, retirado de uma árvore, para comer. Apesar deste mel ser o alimento mais maravilhoso do mundo, quem o consome deve tomar cuidado! De acordo com os nativos, ele deve ser comido “sem que eles percebam”.  Caso contrário, as consequências serão esmagadoras.

Peço perdão pelo trocadilho, mas é basicamente isso mesmo. Apesar da vibe Willy Wonka de se perder numa floresta latina, encontrar uma tribo e achar alimentos espetaculares, é uma boa mistura de suspense e gore.

‘Contos Esmagadores’ é bom mesmo?

Então, para finalizar, vamos considerar as últimas coletâneas lançadas pela Pipoca & Nanquim. Dismorfos é uma obra de arte, tanto em história quanto publicação da editora, e Mortos de Amor é um chuchu, fica gostoso com o tempero que você coloca. Nesse gradiente, ‘Contos Esmagadores’ está no meio termo entre eles. Afinal, não é a perfeição de Dismorfos, mas os contos são mais interessantes que Mortos de Amor.

• • • Leia também: Dismorfos: Seleção de Contos Favoritos de Junji Ito | Review
    • Leia também: Mortos de Amor | Review

De qualquer forma, se você leu os nossos outros Reviews, já sabe o que eu vou falar. É Junji Ito gente, sempre vai valer a pena. O autor se inspirou nos especialistas em horror e terror psicológico, ele sabe o que faz até nos contos mais aguados.

Em relação à edição física, tudo de acordo com o padrão Pipoca & Nanquim, que faz todo mangá ser um presente pra qualquer prateleira otaku. Mesmo assim, pra não mentir, acho que esbarrei em um minúsculo erro de revisão, mas uma coisa até insignificante.

Enfim, vai lá pegar seu remedinho para enjoo, pois ‘Contos Esmagadores’ vai te embrulhar o estômago e te deslumbrar ao mesmo tempo!

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