Então, eu ouvi falar de The Callisto Protocol pela primeira vez há alguns meses, por volta do começo de 2022. Como sou um grande fã do gênero horror nos vídeo-jogos, o título me interessou.

Na realidade, esse interesse se deu por dois grandes motivos. O primeiro: o jogo parecia ter gráficos incríveis. O segundo: a atmosfera do jogo não apenas lembrava muito o clássico Dead Space (sobre o qual escrevi aqui), mas também havia o nome de Glen Schofield nos créditos dos trailers. Nome este que também estava presente lá em 2008 nos ranques da Visceral Games, então EA Redwood Shores.

Callisto Protocol
É um jogo que não acha que é um jogo, é uma “Nova Experiência”

Infelizmente, esse nome é uma benção e uma maldição, pois o jogo pouco faz para escapar da sombra de seu predecessor espiritual. De fato, viver sob a sombra de Dead Space parece ser o mandato principal da narrativa de The Callisto Protocol.

SPOILERS DE THE CALLISTO PROTOCOL E DEAD SPACE ABAIXO

The Callisto Protocol acompanha a jornada do piloto espacial Jacob Lee (interpretado por Josh Duhamel), cuja nave é atacada logo nos primeiros 15 minutos. Os responsáveis pelo ataque é o suposto grupo terrorista The Outer Way, liderado pela suposta terrorista Dani Nakamura (interpretada por Karen Fukuhara).

Então, a nave é derrubada na lua Calisto, uma das luas de Júpiter, onde está instalado um presídio de segurança máxima. Então, o carcereiro chefe, o Capitão Leon Ferris (interpretado por Sam Witwer) prende Jacob e Dani sob ordens do diretor Warden Cole (interpretado por James C. Mathis III).

Callisto Protocol
É inegável que a captura facial é impecável.

Você pode ter percebido que acabei de jogar um monte de nomes famosos neste texto. É um elenco pesadíssimo, cheio de talentos especialmente vindos de séries de TV como The Boys, Battlestar Galactica, Riverdale. Também do cinema, especialmente com o ator principal vindo da série Transformers. Eu fiz isso por um simples motivo: nenhum deles consegue segurar a narrativa sozinho, narrativa esta que tenta nos lembrar a todo o tempo que “a gente também fez o Dead Space, viu, galera!”

Qualquer Semelhança Não é Coincidência

Essa comparação constante com a série Dead Space é evidente desde os primeiros minutos. Você vê, a abertura já exibe uma cena que repete constantemente ao decorrer do jogo. Um ataque terrorista que atingiu a colônia na lua Europa, supostamente perpetrado pelo grupo The Outer Way.

Nosso protagonista, Jacob, inicia a trama com um sonho bem vívido em Europa. Inclusive, este evento surgindo com bastante frequência durante o jogo para causar jumpscares no jogador. Essa é uma cortesia do colega de nave Max Barrow, que morre imediatamente e depois só serve pra esses jumpscares.

Se você se lembra de Dead Space, se lembrará que o protagonista daquele jogo, Isaac Clarke, também vê alucinações com sua namorada Nicole Brennan. Até que, enfim, revela que Nicole estava morta o tempo todo e Isaac estava apenas tentando esconder de si mesmo o sentimento de culpa pela morte da namorada. Tal sentimento é até mesmo explorado com maestria em Dead Space 2, culminando na melhor luta de chefe da trilogia, contra uma imagem de Nicole criada pelo Marker.

Ao final de The Callisto Protocol, de maneira similar, revela-se por que Jacob continua alucinando sobre o ataque em Europa repetidamente. Na verdade, ele fez a última entrega em Europa e sabia que seu carregamento estava cheio do vírus criador de mutantes da vez. Então, ele se sente culpado por ter causado a morte da irmã de Dani, que morava em Europa.

Callisto Protocol
Prepare-se pra ver esse caboclo pular na tua cara múltiplas vezes durante o jogo.

Falta de Profundidade

É legal da parte de Callisto Protocol tentar me lembrar de Dead Space. No entanto, o problema é que quando eu lembro de Dead Space, penso em como Nicole é uma personagem interessante, e como acompanhamos por meio de diários escritos e por voz a sua passagem pela USG Ishimura.

Também, aprendemos por que Nicole está na nave, vemos o decorrer da infecção e o que ela faz como oficial médica. No remake, temos até mais contexto dela tentando combater os Unitologistas. Portanto, Nicole é um pilar central da narrativa dos dois primeiros jogos da série, então ela é bem desenvolvida em conjunto com a nave e o mundo em que o jogo se passa. Contudo, o que podemos falar sobre Dani Nakamura?

Por que ela é mostrada em noticiários intergalácticos como se fosse a líder de um grupo terrorista notório? Ninguém sabe. Por que ela e sua família viviam em Europa? Sabe-se lá. Quem era a irmã dela e porque Jacob deveria se importar? Hmmmm… não sabemos, mas a irmã dela é criancinha, e a gente se sente inerentemente mal sobre machucar criancinhas, então é isso aí.

Essa preguiça na construção de mundo não para com os jumpscares e a personagem de Dani em específico, não. Ela se estende por todo o universo ficcional criado pelo jogo.

Contrastes

Em Dead Space, por exemplo, nós aprendemos tudo sobre a USG Ishimura, o propósito da nave como mineradora, uma nave que explode planetas em pedaços para minerar recursos. Essa nave foi ao sistema Aegis VII porque os grandes conglomerados que controlam o setor de exploração espacial terrestre são, em sua maioria, seguidores da Unitologia. Além disso, há tanto o interesse financeiro de exploração de recursos quanto o interesse religioso de encontrar um Marcador e “tornar a humanidade inteira de novo”.

É possível entender tudo no mundo do Dead Space análogo a sistemas que conhecemos aqui no mundo real, e por isto o jogo é tão interessante. Este não é o caso em The Callisto Protocol.

Algumas Falhas

Veja o cenário principal. O jogo se passa no presídio de segurança máxima Black Iron (que, novamente, me lembra de um jogo superior, o excelente The Chronicles of Riddick: Escape From Butcher Bay) na lua Calisto. Então, por que temos um presídio em Calisto? Aliás, como funciona esse colonialismo terrestre, já que existe uma colônia humana em Europa? Quem é o The Outer Way e o que esse grupo representa com seus “ataques terroristas”, a ponto de serem notícia intergaláctica?

Destas perguntas que seriam centrais para um mundo convincente, apenas uma é respondida. Veja só: o presídio foi construído em cima de uma outra colônia, estabelecida sabe-se lá quando por sabe-se lá que humanos. Essa colônia foi destruída quando eles descobriram um parasita que transformou todos os colonos em monstros. Exceto que, dentre as centenas de pessoas que viraram mutantes, um deles manteve sua consciência humana e se tornou o “Paciente Zero”. Ou seja, um ser humano que aparentemente exibia força e inteligência acima da média humana (ó as ideia eugenista vindo aí).

Callisto Protocol
O tal do Paciente Zero

Esse Paciente Zero foi morto por forças de segurança eventualmente (Que forças? Forças de que grupo? Nunca saberemos). Então, o presídio foi construído em cima da colônia por um grupo de seres que “comandam o destino da humanidade há milênios” estilo Illuminati.

Assim, eles providenciavam presos para fazer experiências com os parasitas para tentar recriar o Paciente Zero. Essa revelação é risível por si só, mas a tentativa de equalizar este grupo secreto de controladores do universo aos Unitologistas é ainda pior. Afinal, os Unitologistas tinham uma caracterização como super-ricos bem evidente, e o grupo de The Callisto Protocol, sem esta caracterização, soa apenas como teoria da conspiração, algo que não pega bem em pleno ano de 2022.

Falta de Background

Darei mais alguns exemplos para demonstrar o quanto este problema é pernicioso através de aspectos pequenos e grandes da narrativa de The Callisto Protocol. Logo no início do jogo, você encontra um prisioneiro chamado Elias, e vocês formam uma aliança ajudando um ao outro a escapar, pois ele conhece o presídio e você é um piloto.

Então, num determinado momento, ele te diz pra pegar um elevador e subir até a torre onde fica o capitão para escapar. No entanto, o elevador só vai pra baixo, para as celas inferiores. Ele então te diz pra “tomar cuidado, pois eles mantém os verdadeiros malucos lá embaixo”.

Em outro momento, somos obrigados a remover o implante da nuca de um guarda morto com uma faca. Nisso, Elias te diz pelo comunicador que esta é a única maneira, que “este lugar costuma transformar a gente”, frase esta que está até no trailer do jogo. Seriam exemplos de um personagem construindo o cenário e a atmosfera do jogo.

Porém, são coisas que não fazem efeito nenhum considerando que nunca vemos o presídio antes dele ser infestado de mutantes. Todo o tempo em que estamos em Black Iron, todos os seus habitantes já foram transformados em mutantes e o pau tá quebrando. Logo, não dá pra saber como eram os prisioneiros “verdadeiros malucos” e como o lugar “te muda” antes do incidente incitante.

Callisto Protocol
Como todo mundo virou mutante, faz diferença se eles são os mais malucos ou os mais sãos?

Falta de Sentido

A sala mais icônica do jogo para demonstrar essa falta de cuidado fica no capítulo 3. Você abre uma porta depois da ala médica do presídio e encontra os corpos mutilados de pelo menos uns quinze guardas, todos desmembrados de formas diferentes. É óbvia a intenção de gerar uma cena de repulsa e nojo explícita para os jogadores que buscam este tipo de horror. No entanto, um jogador mais observante vai perceber que não há nenhuma forma deste momento fazer sentido.

A narrativa nos diz que os mutantes perdem completamente a capacidade intelectual e crítica. Sendo assim, eles não poderiam estar matando apenas os guardas, mutilando seus corpos e pendurando-os como num freezer para estocagem. A quantidade de guardas também dá a entender que estas mortes têm acontecido há um bom tempo, mas a epidemia está acontecendo há mais um menos uns 40 minutos de jogo. A única explicação seria que os prisioneiros já eram capazes de estripar dezenas de guardas sempre… e aí, assim… não é um presídio muito eficiente, é?

Uhhh, que nojeira… mas o momento desaba assim que você pensa por 5 minutos sobre ele.

Decepcionante

Mesmo assim, nenhum desses exemplos é pior do que todo o personagem do Capitão Leon Ferris. Também fica bem óbvio que a tentativa da desenvolvedora Striking Distance era construir uma relação de rivalidade entre Jacob e Ferris. Porém, mesmo que os atores em questão façam o melhor com as linhas que lhes são dadas, o roteiro não consegue construir essa relação de maneira nenhuma.

Após a nave de Jacob cair em Calisto e seu parceiro de voo morrer, Ferris surge e leva Jacob e Dani como prisioneiros sob ordens do diretor Cole. Neste momento entre eles, o diálogo consiste em Jacob reclamar sobre como ele não é um prisioneiro, e Ferris dizendo que só está seguindo ordens e decorando o número de série de Jacob.

No mesmo capítulo, Ferris é atacado por mutantes e aparentemente morto, seu corpo nunca é encontrado. A partir daí, você passa por QUATRO CAPÍTULOS INTEIROS, por volta de metade do jogo, sem nem ouvir falar em Ferris. Até que no momento em que você e Elias estão para sair do presídio, Ferris surge numa forma claramente infectada, porém inteligente e capaz de se comunicar. Ferris desaparece novamente depois disto até o final do jogo, quando ele ressurge como a “forma Alfa”, o novo “Paciente Zero”.

Junto a isso, o diretor Cole apresenta essa batalha final como se fosse o encontro definitivo entre Jacob e Ferris, os grandes rivais, “O Sobrevivente – Vir Solitarius” contra “O Paciente Zero – Sujeito Alfa”. É um momento patético, mal construído, que não gera nenhuma emoção senão risadas pela sua ineptitude.

É uma boss fight com uma motivação tão sem sentido que se torna completamente vazia.

Conclusão

Eu gostaria de concluir dizendo que, mesmo com todas as críticas que reservei a respeito de The Callisto Protocol, ainda tenho uma grande quantidade de boa vontade para com o jogo. Diverti-me um tanto com o seu combate simplista e é um jogo que se beneficia por não ser muito longo.

No entanto, a tentativa constante de trazê-lo mais próximo de Dead Space não beneficia em nada, apenas deixa evidente o quanto Dead Space é uma obra superior. Tudo isso se dá não por falta de valor de produção ou estética, mas apenas por esta falta de cuidado com como o cenário e ambientação do jogo são construídos. Nenhuma obra de arte direcionada por narrativa consegue se manter em pé sem este aspecto.