A cantora Ado é sem dúvida um dos maiores sucessos vocais dos últimos anos, dentro e fora do Japão. No arquipélago, sua atividade no nicho utaite já se destacava bem, mas tudo explodiu quando ela virou um hit e um escândalo nacional! No exterior, uma performance inigualável de Unravel certamente a ajudaria a ganhar projeção em vários fãs de anime mundo afora.
Como nenhum conhecimento é garantido, saber nunca é demais e sempre existe a chance de alguém estar prestes a conhecê-la.
Então, vamos apresentar um pouco sobre quem é Ado! Como ela se destaca entre os utaite? Por que ela virou um grito de protesto juvenil e um pavor para pais e demais carolas japoneses?
Isso tudo você confere aqui, neste humilde artigo.
Dos utaite para o mundo
No último dia 10 de janeiro, o primeiro vídeo cover da Ado no NicoNico Douga completou oito anos. Sua versão de “Kimi no Taion” conta com 300 mil visualizações, o que para um site visto apenas no Japão, praticamente, é muita coisa.
São oito anos de internet, mas segundo a própria Ado, ela começou a cantar desde os 12 anos. Então são dez anos de talento cultivado na grande comunidade de utaite, que vingou cantores e cantoras, produtores e uma rica cultura da internet japonesa.
No Brasil, recebemos a visita da Nano e, mais recentemente, tivemos o prazer de conversar com a KAF, ambas advindas da mesma comunidade de utaite da qual Ado cresceu admirando e fez parte.
Como é bem repetido nos tabloides, nada se sabe sobre a Ado. Ou melhor, “nada”. Sim, não se sabe sobre sua identidade. O que se vê da Ado nos seus shows é uma silhueta de seu corpo, do mesmo jeito que é feito nos shows da Kaika, ater ego da KAF.
Em paralelo a isso, ou mesmo por causa disso, a Ado gosta bastante de conversar e detalhar acontecimentos de sua vida, gerando um senso de proximidade com sua fanbase. Já comentei nesse sentido outras vezes, mas muita das vezes basta uma máscara, uma “segunda pele” para se apresentar ao mundo, que as pressões sociais são aliviáveis e as possibilidades de se expressar se alargam.
Ainda mais levando em conta uma sociedade extremamente regrada como a japonesa, onde as interações entre várias camadas (pai-filho, professor-aluno, patrão-empregado, etc etc) obedecem, cada uma delas, a uma série de regras não escritas e que se supõe que todas as saibam de antemão. Receita fácil para a ansiedade generalizada.
Também, é por isso que a Ado se torna uma personalidade tão identificável para vários jovens dentro e fora do Japão. Compartilhando histórias como de sua má experiência trabalhando com comércio, ou quando ela passou a mergulhar na comunidade utaite para se refugiar do estresse do dia a dia.
Não bastassem as músicas, que sozinhas já a alavancariam para seu lugar de destaque merecido no atual cenário musical, a Ado passa uma boa parte de seu tempo compartilhando histórias do dia a dia com o público. Muitas e muitas histórias em seu canal paralelo, Adonsense, um trocadalho de Ado com ad-sense (comercial).
A voz de uma geração inconformada
O comportamento trai a expectativa de alguém que é suspostamente introvertida. A expressão usada no Japão é inkyara, um personagem introvertido, que evita ser notado.
É preciso lembrar, sempre que possível, que nenhuma timidez é natural: ela é adquirida. Salvo uma situação especial ou outra, a timidez é também um medo de ser exposto ao erro. Um erro acompanhado de constrangimentos, onde a reclusão é o destino final desse trauma.
O que nos leva a Ussewa, o maior hit da Ado. Ussewa fez com que a cantora fosse considerada “a voz da Geração Z”, repleta de ansiedades e saturadas de regras e expectativas sociais, que a isso responde com sonoro e grosseiro “Cala a boca!” (ussewa, em japonês).
A tonalidade agressiva dessa ordem de silêncio merece um comentário mais detalhado: o japonês é uma língua onde a formalidade é medida com fita métrica. Quanto mais longa sua frase, seu agradecimento, suas desculpas, mais formal e correta ela é. O inverso é verdadeiro.
Quanto mais curta sua resposta, quanto mais monossilábica ela for, mais rude ela soará. Soltar um “sankyuu” como forma de agradecimento para um desconhecido pode pegar muito mal. Na dúvida, fique com o bom e velho “arigatou gozaimasu”. Pense por um segundo como se no português o “Valeu!” fosse reservado aos amigos íntimos e para todo o resto fosse obrigatório o “Muito obrigado!”, letrinha por letrinha. É assim a realidade vivida do japonês falado no dia a dia.
Quem vê muito anime talvez já saiba a essa altura que “urusai” ou “damare” são as formas mais comuns de se mandar alguém calar a boca. Formas bem rudes. Porém, dá pra ser mais agressivo que isso.
Dá pra diminuir esse “urusai” para um “usse”, como se a pessoa na sua frente não valesse nem o esforço de você abrir a boca pra manda ela calar a boca. Não é preciso dizer que várias crianças cantando “Ussewa” a torto e a direito causou um pânico moral em pais e adultos preocupado com influências ruins para os mais novos.
Nisso a Ado, sem querer querendo, conseguiu fazer com que pânico moral voltasse a ser coisa de velho, uma vez que nos últimos anos (e contando) passou a ser moda jovem.
Se começamos este texto falando de 300 mil visualizações no NicoNico Douga, o sucesso de Ussewa joga esse marco no chinelo. São 360 milhões de visualizações no YouTube e contando.
Estranhamente, o protagonismo da Ado contrasta com sua escolha de nome. A decisão veio por acaso, o som da palavra “ado” parecia bom. A palavra apareceu para a cantora por acaso, no meio de uma aula na escola, onde o professor falava sobre teatro japones.
O kyoguen é uma forma de comédia, interpretada por um personagem principel (shite), acompanhado de um suporte (ado). Num exercício típico de modéstia, Ado gostou dessa conotação, porque ela quer ser um suporte para as pessoas que ouvem seu canto. E mais que isso, ela quer dar brilho a produtores e produtoras de sua admiração, com o suporte (ado) de sua voz. Como é o caso de Sheena Ringo, ícone da música japonesa que já compôs uma música para a Ado.
Humildades à parte, o protagonismo da voz da Ado é inegável. De talento ímpar, performances de tirar o fôlego e uma personalidade leve e bem humorada, a cantora ganhou um título por merecer. Se não é a voz de uma geração, é ao menos a voz de uma década, inaugurando os anos 2020 com um top hit mundial.
Não à toa estará ela na sua segunda turnê mundial, desta vez com passagem pelo Brasil! Em agosto teremos a oportunidade de ouvir este talento ao vivo no Espaço Unimed, em São Paulo!