A terra inteira e o céu infinito, ou A tale for the time being, foi escrito por Ruth Ozeki e lançado em 2013, traduzido no Brasil em 2014 pela Casa da Palavra, por Débora Landsberg e Daniela P. B. Dias.
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Em meio a uma busca pelos livros de Haruki Murakami, eis que surge esta opção, com uma capa que me lembrou A Grande Onde de Kanagawa e me levou a arriscar a leitura – que não decepcionou.
O Pacote
Um pacote é encontrado na praia de uma ilha remota no Canadá, carregado pelo mar, protegendo uma lancheira da Hello Kitty com um relógio, cartas e um exemplar do livro À la recherche du temps perdu, de Marcel Proust, que ao ser aberto, revela-se como o diário de Nao.
Nao é Naoko Yasutani, uma adolescente japonesa criada na Califórnia, que decide registrar a história de sua bisavó, Jiko Yasutani, uma ex-anarquista-feminista-romancista, que se tornou uma monja zen budista após a morte de seu primeiro filho durante a Segunda Guerra Mundial (mais o detalhe de ter 104 anos).
No entanto, Nao também oferece em suas páginas a sua própria história com os familiares mais próximos, com relatos do lado menos conhecido e nada confortável da cultura japonesa, em especial sobre os relacionamentos no ambiente escolar.
No geral, é uma história deprimente, porém, também motivante, graças às pílulas de sabedoria lançadas pelas palavras da velha Jiko. Afora o início, enquanto Nao está se apresentando e saindo do foco proposto, a história flui e te induz a continuar, sem cansaço.
E vale a pena ler as notas, para entender o significado das expresssões japonesas que a adolescente usa com frequência.
Nas primeiras páginas, dá a impressão de que a garota é alguma pervertida descrevendo suas fantasias, mas ela mesma adverte que não, e os comentários iniciais são apenas devaneios naturais de uma mente jovem e agitada.
No decorrer de sua narrativa, as histórias ganham vida e densidade, caminhando por temas como xenofobia (ainda que ela seja japonesa, seu sotaque e hábitos americanos são motivos de constantes ataques), suicídio, honra, família, tradição e tempo.
E o tempo em si é um elemento de extrema relevância, uma vez que Nao, cuja pronúncia é a mesma de “now”, busca fortemente o momento exato do “agora”, que a todo instante torna-se passado e ao mesmo tempo é futuro.
Além do fato de o diário ser uma espécie de conversa com um leitor ainda não encontrado, mas esperado. A linguagem é direta e Nao não faz rodeios quando o assunto é de delicadeza maior, com perceptível respeito nos momentos em que fala sobre sua querida Jiko.
Nao e Ruth
O pacote em que estava o diário é encontrado por Ruth, escritora residente da ilha, que decide que fará a leitura tentando seguir o ritmo da escrita, um pouco por dia, conforme os acontecimentos vão sendo descritos.
O envolvimento é tanto que Ruth é tomada por uma intensa necessidade de acompanhar e proteger Nao, ainda que não possua ao menos a confirmação da sua existência. Ao mesmo tempo, recebe auxílio do marido, um ambientalista excêntrico com um olhar incomum sobre o mundo ao seu redor, e os demais moradores da ilha, que, como em qualquer comunidade pequena, possuem o velho hábito de se inserir nos assuntos alheios.
As histórias de Nao e Ruth, que se alternam para o leitor, além de serem informativos sobre cultura japonesa, ainda trazem pinceladas de ecologia através das diversas explanações feitas pelo marido de Ruth, filosofias no modo de agir e pensar de Jiko, e física quântica, unindo e misturando as duas narrativas.
Ruth Ozeki, a autora do livro, emprestou seu nome e profissão a uma das personagens principais, e assim como Nao, é japonesa de sangue e canadense de criação, e como Jiko, é monja zen budista.
A terra inteira e o céu infinito é seu terceiro romance e rendeu diversos prêmios como Man Booker Prize (2013), Asian/Pacific American Award for Literature (2014) e International IMPAC Dublin Award (2015), citando apenas alguns.