Nome mais que consolidado na sétima arte hollywoodiana, Spike Lee passou uma longa hora e um pouco mais com um público atento e ávido pela presença do diretor, que é inspiração de uma juventude negra ciosa de si e de sua história. Atentos como quem olha para um farol, entusiastas do trabalho de Spike Lee, alunos e profissionais da área de cinema marcaram presença maciça no último dia do Rio Innovation Week 2022. Fotos por BELGA.

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Enquanto houve sim conversas sobre sua carreira e seu processo criativo, Spike Lee aproveitou a oportunidade do evento e de sua visita por pontos marcantes do Rio de Janeiro para ressaltar e reavaliar a relevância do negro na história. Citando o livro “Black People Invented Everything”, de Sujan Dass, como referência, Spike Lee exaltou os negros como precursores da arquitetura, pintura e demais marcos civilizatórios elencados pela autora do livro. Nisso ele rejeitou uma visão histórica do negro limitada à escravidão nas américas. Ainda no assunto, Spike Lee fez menção à sua visita no Cais do Valongo, famoso ponto histórico na região portuária do Rio de Janeiro e que durante décadas foi o maior ponto de movimentação do tráfico negreiro brasileiro, que foi um dos mais numerosos e duradouros da história humana, tendo sido o Brasil o último país a abolir a escravidão no continente americano.

A visita veio à tona para lembrar o público brasileiro do peso traumático da experiência histórica da escravidão. Ancestralidade foi um assunto-chave e recorrente na fala de Spike Lee. O diretor achou bastante edificante poder se reconectar a seus ancestrais, saber de onde ele veio, de onde seu povo veio e quais as marcas trazidas pelo tempo e quais as marcas seu povo deixou no tempo. Foi ressaltada até como a arte vira uma ferramenta para lidar com os traumas, pela música, pela literatura e pelo cinema.

spike lee rio innovation week 2022
Foto: @sucodm / @fotobelga

Falando um pouco mais sobre cinema e sobre como Spike Lee se interessou pelo assunto e como sua mãe lhe influenciou imensamente com as visitas ao cinema, o mediador do bate-papo, professor da iniciativa Cinema Nosso, chamou à atenção o trabalho feito com jovens negros interessados em cinema, usando o material do diretor visitante como influência direta. A menção veio em cima do comentário de Spike Lee sobre a falta de participações mais diretas e mais abrangentes de negros nas produções cinematográficas brasileiras, restritas em sua maioria às associações com cenários violentos. Mostrou-se ainda indignado com os comerciais e propagandas sobre o Brasil que via no exterior, ora com loiras, ora com mulatas. As declarações nuas e cruas sobre a realidade racial arrancavam palmas e palavras de ordem da plateia, visivelmente emocionadas pela presença catártica de um ícone da arte afro-americana; o mesmo ícone que produziu o infelizmente atualíssimo Do The Right Thing (Faça a Coisa Certa), que mais de trinta anos após seu lançamento, continua sendo um retrato fidedigno da violência que ceifa e traumatiza a população negra.

O tom geral da conversa se manteve neste nível. O encontro de Spike Lee no último dia do Rio Innovation Week marcou o final dos quatro dias de evento com uma mensagem acolhedora e encorajante para jovens negros tomarem a rédea de suas vidas e serem donos e donas de suas histórias e de seus sonhos.

Ao término do painel, buscamos algumas palavras de pessoas que saíam do local para tentarmos captar impressões gerais do bate papo com Spike Lee. O diretor de cinema Geraldo Borowski frisou a importância histórica da carreira do cineasta para o cinema e para as pessoas, com sua abordagem da história dos movimentos negros até a questão da espiritualidade, questão essa que reforça a narrativa de seus filmes. Particularmente interessante para Borowski foi o testemunho de Spike Lee sobre seu trabalho com Michael Jackson para a produção de seu curta metragem aqui no Brasil.

spike lee rio innovation week 2022
Foto: @sucodm / @fotobelga

Cacau dos Santos foi, assim como este que vos escreve, uma das ouvintes que ficaram do lado de fora. O evento obedeceu um esquema rígido de entrada e todo mundo que chegou depois ficou de fora. Mas o encontro com a grande fã de Spike Lee foi rico em mostrar como seu trabalho impacta a vida de jovens mundo afora. De sorriso radiante e alegre, Cacau comentou extensivamente para nós como o cinema de Spike Lee foi uma janela de inspiração e de auto estima para e tantos outros. Tal ânimo vem de um sonho de trabalhar com cinema e ser um exemplo daquilo que o cineasta manifestou desejar ver para o Brasil: uma cena cinematográfica feita por mãos negras e com olhares negros. Assim como muitos sonhos mundo afora, a pandemia foi um freio busco para sua progressão. Nada que um encontro com um ídolo para ajudar a jogar combustível e ânimo para levar os projetos adiantes.

Por fim, Fernanda e Samara, duas alunas do projeto Cinema Nosso que co-protagonizou e mediou o evento principal, também se mostraram tremendamente satisfeitas com o painel. Fernanda ressaltou a genialidade de Spike Lee, a quem acompanhou atentamente seus trabalhos e mostrou-se entusiasmada pela oportunidade de ser uma ponta de lança, como cineasta, para a criação de obras que melhor representem a realidade racial negra no Brasil. De mesmo modo, Samara mostrou-se impressionada com a profundidade do diretor, os meandros de seu processo criativo e saiu do evento ainda mais admirada pela sua obra.

Por fim, resta reforçar os sentimentos de gratidão pelas pessoas que cederam um pouco de seu tempo para conversar depois da palestra e principalmente pelo Belga, nosso fera que proporcionou esta e todas as fotos pelo Suco da Rio Innovation Week, por registrar um tanto do que foi dito em áudio. O evento obedeceu um rígido programa de entrada e infelizmente nem tudo ocorre como planejamos. Mas para tudo dá-se um jeito. De um jeito ou de outro ouvimos mensagens importantes de Spike Lee, que permanece uma referência incontornável para uma multidão que lotou a Plenária R.I.W para encontra-lo e conhece-lo. E a causa do diretor também é a causa de vários simpatizantes e militantes do movimento negro. Esta é uma história que é tudo menos desconhecida. História esta da qual Spike Lee é personagem, testemunha e memorialista por meio de sua sólida produção cinematográfica.

spike lee rio innovation week 2022
Foto: @sucodm / @fotobelga

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