Rimuru Tempest nos acompanhou por seis meses desde outubro e entrou de férias para voltar com uma segunda temporada já anunciada para 2020. That Time I Got Reincarnated as a Slime ou Tensura, como é abreviado em japonês, conquistou com o carisma de protagonista, amigos e inimigos igualmente.
Mas é possível que carisma por si só consiga carregar um anime inteiro nas costas? Não temos dúvida, Tensura foi um anime muito bom de se assistir, mesmo com seus cacoetes de roteiro que sempre se repetiam e mesmo com sua completa falta de conflito.
Mas essas ressalvas ainda estão engavetadas com muito cuidado, já que temos o benefício de uma continuação confirmada. Pode ser que em 2020 essas falhas possam ser consertadas, ou pode ser que não. De qualquer modo, vejam mais do que achamos desta primeira temporada de um dos animes mais populares lançados na Crunchyroll.
NO LUGAR CERTO E NA HORA CERTA
Por mais que a cena dos últimos suspiros de (velha) vida do nosso protagonista tenha sido uma cena bem feita, ela só serviu pra dar razão ao título: “Aquela vez em que eu ressuscitei como um slime”. Nem mesmo para dar alguma relevância ao seu encontro com Chizu, nada. Foi bonito, mas descartável. O que importa ao anime é o que vem depois, nosso slime brotando de dentro de uma caverna, sem saber ao certo o que é esse novo corpo sem sentidos humanos que ele agora habita.
O que dá pra ser dito a favor desse começo de trama é que você está tão no escuro quanto Rimuru, então a pessoa que assiste o anime descobre mais sobre o novo mundo junto com o slime. E é por acidente que você descobre junto com Rimuru a sorte única que ele tirou ao ressuscitar naquela caverna, de todos os outros lugares possíveis no mundo. No lar aonde adormecia um dragão autêntico (e um autêntico tsundere), o protagonista reencarnou em berço de ouro, com fontes absurdamente numerosas de recursos mágicos e onde um dos seres mais poderosos estava selado.
Outro golpe de sorte para Rimuru nasce de um acidente: um hábito banal no nosso mundo, como dar nome a alguém, nesse novo mundo significa dar a esse alguém uma individualidade e com isso, espaço para poder se distinguir dos seus demais anônimos. De certo modo, ao darmos um nome para alguém já fazemos isso de forma inconsciente, mas em Tensura essa possibilidade de crescimento ganha forma real, com poderes sendo ampliados e aparências sendo modificadas. Quando Rimuru forma seu novo nome com Veldora, tornando-se seu igual, ele também é um igual ao se tornar, por acidente, num dos seres mais poderosos que existem, os Tempest.
O SLIME DE RIO BRANCO
Desinteressado em conflito, Rimuru ganha mais e mais poderes com sua habilidade de Absorção, mas guarda seu poder destrutivo para si. Um grande benfeitor, prefere ajudar os necessitados. Assim, enquanto na mesma temporada todos nos apavorávamos ao sermos lembrados, para nossa surpresa e ultraje, com Goblin Slayer que monstros são… monstruosos, Tensura nos reconfortava na fantasia cosmopolita onde a única diferença de um goblin pra qualquer outro ser é apenas ter nascido verde. Os goblins da floresta de Jura, o elo mais fraco dentre todos os outros monstros guerreando entre si por terra, são os primeiros aliados de Rimuru. Estabelecida essa primeira aliança, começamos a ver a partir daí um padrão que se repete pelo anime inteiro e que cansa rápido.
O padrão é esse: ainda que se apresente como um inimigo, eventualmente todo mundo vai se tornar um amigo leal e inseparável de Rimuru, quase como uma versão slime do Barão de Rio Branco, buscando sempre a conciliação com tudo e todos. A coisa se apresenta já de maneira bem estranha quando o novo líder dos lobos, Ranga, passa a jurar lealdade incondicional a ele na mesma noite em que o próprio mata o pai em batalha. Talvez a desculpa de que fora por ter a vida poupada cole para alguns, mas para outros pode soar apenas isso: uma desculpa.
A coisa toda até que cola até o momento em que Rimuru consegue a liderança de toda a Floresta de Jura. E pra ser sincero, funcionou muito bem contra os orcs. Ali foi muito bem mostrada uma “solução” drástica para um povo vivendo à beira do colapso causado pela fome. Todos os outros povos, como os oni e os anões contribuíram para o grande jogo de Civilization que Rimuru joga com a chance. Mas o desgaste fica completamente evidente quando até com os Lordes Demônios são feitas aliança sem qualquer porquê aparente. A abertura tapeia o espectador à espera de que aquela Milim seja alguma antagonista à altura de Rimuru, mas nada disso. Ao invés disso, ganhamos mais uma amiga, a melhor amiga da temporada. Não sem uma dose mínima de sabedoria aí nessa decisão, pois até Rimuru reparou que as perdas ao enfrenta-la seriam maiores que os ganhos. Foi melhor dar doce para criança. Literalmente.
HABEMUS ANTAGONISMO?
Essas queixas podem parecer sede de sangue deste autor. Afinal, pra que reclamar de algo tão ideal? Por que procurar briga com todo mundo, quando podemos ser todos amigos? A ideia realmente não é má. O mesmo não pode ser dito de sua execução. O que tornam as coisas ainda mais frustrantes é que mesmo com tantos aliados, ao fim e ao cabo nenhum deles contribuem para suprir alguma falta ao Rimuru em combate. Rimuru entra como um Deux Ex Machina que chega para resolver todo o problema sem sofrer um arranhão sequer.
Como numa receita de bolo pronto, mesmo em situação de conflito, não existe conflito em Tensura. Alguma ameaça aparece, aparentemente pior que a anterior, mas o resultado final já é do conhecimento de todos. E no final serão todos amigos para sempre. Será que isso vai mudar em 2020, agora que vimos no último extra o que parece ser realmente o verdadeiro antagonista do anime depois de 24 episódios? Como esse review é sobre uma obra em aberto, ela com certeza não pode ser conclusiva. Pode ser que na próxima temporada haja algum desafio real para os personagens. Pode ser que alguns personagens possam ganhar um mínimo de desenvolvimento para além do “seremos amigos para sempre, porque sim”. Mas também pode ser que os receios de que haja um mais do mesmo se provem reais. Esperemos que não.
CONCLUSÕES
Apesar do tom de insatisfação, Tensura é um bom anime. Como dito no início, é um anime que esbanja carisma, mas carisma por si só não carrega um anime nas costas, infelizmente. É claro que ter um protagonista todo-poderoso não me impediu de gostar de Hellsing há uma década atrás, por exemplo, ou de One Punch Man, mais recentemente. Mas parece que o anime tenta abraçar o mundo inteiro de uma vez. Tantas raças e tantos personagens de uma vez acabou diluindo a relevância de todos e alguns parecem estar ali por estar, Gabiru que o diga. Alguns momentos foram marcantes, sem dúvida, como quando a Chizu revê sua terra natal anos a frente no futuro, um Japão reerguido depois da devastação da guerra. Isso foi muito lindo de se ver. Mas foram isso, momentos.
Resta a esperança. Se Tensura se pretende uma obra bem mais alongada, com mais uma terceira temporada, onde pontas soltas nesta temporada sejam aproveitadas no futuro (e elas existem!), com certeza poderemos esperar uma ótima saga no futuro. Mas tudo em moderação, até a esperança. Dito isso, este bom anime merece uma boa nota: 3 Suquinhos.