O Pro-Wrestling, como é mais popularmente conhecido, é um tipo de entretenimento esportivo, que mistura técnicas de combate com técnicas teatrais a fim de gerar interesse do público em combates que tem os resultados pré-determinados. Você pode até não reconhecer esse esporte por esse nome ou por sua descrição, mas provavelmente você já ouviu falar na WWE, que é a empresa dominante no mercado (mas que não é a única).
Neste esporte, seus competidores se enfrentam aplicando golpes plásticos e sobre-humanos em seus oponentes ao mesmo tempo que contam uma história com este combate, o que é o ponto chave para atrair o público e, este tipo de show ocorre em todas as partes do mundo sob diversos nomes diferentes: Luta Livre (não confundir com MMA) ou Telecatch no Brasil, Pro-Wrestling na América do Norte e Europa, Lucha Libre no México e Puroresu no Japão.
Apesar do estigma negativo gerado nesse esporte devido ao resultado pré-determinado desses combates, é um show que move milhões em dinheiro ao redor do mundo e não só gera fãs aficionados, mas também já foi responsável por mudar o humor de um país inteiro e criar lendas ao longo da história.
Nomes como The Rock e John Cena, que hoje estão marcados em Hollywood, são ícones desse esporte, mas por incrível que pareça existem nomes ainda mais relevantes quando se fala nessa prática. Ao longo da história, poucas pessoas conseguiram influenciar uma geração inteira ou toda uma cultura, isso em qualquer esporte ou área de entretenimento. Hulk Hogan, nos EUA, foi responsável pela febre da ‘Hulkamania’ e se tornou um marco da cultura americana e elevou o Pro-Wrestling a níveis colossais. Já El Santo no México, virou parte do folclore e cravou a Lucha Libre como cultura máxima do país. Comparado a eles, existiu um homem no oriente que não só virou um marco da cultura e elevou a prática do Puroresu no Japão, mas também foi o responsável por reerguer toda a moral da nação e hoje pouco é lembrado como um herói no próprio país que representou. Seu nome era Rikidozan.
O Pai do Puroresu
Após o término da Segunda Guerra Mundial, a moral do povo japonês estava totalmente baixa devido a derrota e rendição do país e os ataques às cidades de Hiroshima e Nagasaki. Com isso, qualquer forma de vitória de seus compatriotas era capaz de elevar a moral da sociedade e a busca por heróis acabava ficando cada vez mais evidente.
Décadas antes, no dia 14 de Novembro de 1924 nascia Kim Sin-rak, um garoto que estava predestinado a mudar para sempre o Japão. Curiosamente, Kim não era japonês, mas sim um coreano, que anos mais tarde depois de seu nascimento no norte da Coréia viria se mudar para a terra do sol nascente.
Kim desde jovem exibia um físico imponente e acima da média para a época, o que o levou a se tornar um ávido praticante de esportes, o que posteriormente lhe deu o desejo de praticar sumô e se mudar da Coréia, o que foi impedido de fazer por sua família, uma vez que era sua responsabilidade cuidar de seu pai adoecido. Em 1939, o pai de Kim veio a falecer e assim ele se mudou definitivamente para o Japão e buscou seu objetivo de se tornar um lutador de sumô.
É válido lembrar, que nesse período o Japão passava por uma grande tensão racial e não enxergava estrangeiros com “bons olhos”, especialmente coreanos como Kim. Apesar de seu status como lutador de sumô (algo muito valorizado na sociedade até os dias de hoje), o racismo sofrido devido sua nacionalidade era imenso, o que o obrigou a mudar de nome em 1940, utilizando o mesmo nome de seu treinador que o adotou e inventando uma história sobre suas origens. Assim, Kim Sin-rak nascido em Kankyou-nan, renascia como Mitsuhiro Momota, nascido na cidade de Omura, na província de Nagasaki.
Momota conseguiu certo sucesso no sumô e veio pouco a pouco adquirindo grande popularidade na época, o que acabou causando inveja nos lutadores veteranos e alimentando o ego de Momota, que acreditava que deveria receber mais apoio financeiro por parte dos líderes de seu grupo, o que constantemente ocasionava em discussões acaloradas. Todos esses pontos, somados a tensão racial, levaram Momota a discutir mais duramente com o treinador chefe de seu grupo e logo em seguida cortar seu próprio chonmage (o corte de cabelo característico designado a lutadores de sumô e samurais), assim se aposentando do esporte em 1950.
Nesse período, o Pro-Wrestling americano vinha ganhando força e ficando mais popular e em 1948, graças a uma empresa chamada NWA, este sucesso começou a se espalhar por todo o mundo e não tardou a chegar ao Japão. O agora aposentado, Momota acabou descobrindo que havia uma campanha de uma excursão ao redor do globo numa turnê de Pro-Wrestling que seria patrocinada por um grande empresário havaiano da época. Momota notou que o esporte tinha muita similaridade com o sumô e assim decidiu iniciar sua carreira como wrestler profissional.
Após pouco mais de um mês de treino, Momota fez a sua estreia como lutador e participou da turnê em vários combates, ainda com dificuldade devido a baixa resistência física que possuía para a prática na época. Isso o levou aos EUA em 1952, onde treinaria por mais alguns meses para adquirir mais habilidade dentro do esporte.
Dentro do Puroresu, Momota assumiu o nome de Rikidozan e a sua grande capacidade física começou a coloca-lo num lugar de destaque. Nessa época, era comum que os resultados dos combates não fossem pré-determinados e que de fato vencesse o mais qualificado. Em pouco tempo, Rikidozan se tornou a maior estrela japonesa do Pro-Wrestling e seus feitos vencendo americanos um atrás do outro foram ficando cada vez mais populares e seu nome ficando cada vez mais conhecido.
Dentro do Pro-Wrestling como um todo, existem os arquétipos de FACE (o herói) e o HEEL (o vilão) dentro dos combates e, assim como Hulk Hogan nos EUA e El Santo no México foram adorados por serem heróis honrados que venciam apesar de tudo, Rikidozan no Japão teve o mesmo papel.
Ele era posto a frente de vilões (na maioria das vezes americanos, é claro) que usavam de táticas sujas e nada honrosas para tentarem vencer o combate, mas Rikidozan os superava com sua força de vontade, honra e lealdade e vencia o combate para o delírio da plateia japonesa.
Nesse mesmo período, a televisão ganhava mais popularidade e não demorou para que shows de Puroresu começassem a passar na TV, tendo é claro, Rikidozan como a estrela máxima do esporte, pois vinha cada vez mais erguendo a moral do público japonês, que se alegrava ao ver um compatriota subjugar todos aqueles gaijins.
Em 1957, Rikidozan já era uma estrela internacional e era idolatrado pela nação japonesa. Mas todo grande herói precisa de um vilão à altura. Lou Thesz é tido como um dos maiores e mais duros lutadores de todos os tempos e, apesar do resultado dos combates serem pré-determinados, os lutadores sabiam entre si, que Thesz não costumava seguir esses roteiros e não costumava aceitar a derrota e o fato dele ser um lutador realmente muito bom em táticas reais, dificultava ainda mais o processo de vencê-lo, mas no dia 6 de outubro de 1957, Lou Thesz concordou em disputar o seu cinturão mundial contra Rikidozan, mesmo sabendo muito bem a fama do japonês de ser tão resistente e habilidoso quanto ele nos ringues, o que fez com que os dois nutrissem um respeito mútuo um pelo outro.
Este combate deve ser citado pois é um marco não só para o Puroresu (e o Pro-Wrestling como um todo), mas é também um ponto único na história da cultura japonesa. No momento da luta, é relatado que o canal que transmitiu a luta obteve um total de 87 pontos na televisão, o que significa basicamente que praticamente todos as televisões do país estavam sintonizadas no combate.
Relatos da época dizem que haviam multidões reunidas em bares e lojas de televisores, bem como em praças e até pessoas levando suas televisões para as ruas para que todos pudessem assistir o grandioso herói japonês colidir com o maior lutador americano, provando o quão grande era a fama de Rikidozan. O combate acabou após o tempo limite de 60 minutos se esgotar e os dois acabarem empatados, algo que não diminui nem um pouco a importância do momento.
Este combate marcou um recorde a televisão japonesa justamente pelo fato de praticamente todos os televisores do país estarem ligadas no combate, mas em 24 de maio de 1963, Rikidozan enfrentou o lutador The Destroyer, com o combate alcançando uma classificação de 67 pontos, o que apesar de ser um número menor do que o combate citado anteriormente, representa uma porcentagem maior de audiência já que haviam mais televisores em 63 e, essa é a maior audiência registrada na história da televisão japonesa e dificilmente será batida, sendo mais uma prova da relevância do lutador.
Devido a toda essa fama e ao fato de ter vencido Lous Thesz em 1958, Rikidozan se tornou um ícone do país e consequentemente ganhou muito dinheiro, o que o levou a adquirir hotéis, casas de jogo, bares e boates e o levou até mesmo a fundar a JWA (Japan Wrestling Alliance), a primeira empresa de Puroresu do país.
Rikidozan havia conquistado uma fama inalcançável e virou um dos homens mais poderosos e influentes do Japão, virando tema recorrentes das revistas e jornais do país com tudo o que fazia. Apesar de ser tido como um herói, Rikidozan tinha uma personalidade difícil e, apesar ser dito que deixava gorjetas altíssimas para os garçons quando estava de bom humor, em contrapartida quando algo lhe aborrecia ou não tinha um bom dia, brigas eram comum.
Em 1960 Rikidozan estava debilitado graças a prática do Puroresu e a sequência altíssima de combates desgastantes que fazia, o que o levava a tomar analgésicos constantemente e tomar estimulantes antes e depois de cada combate, o que também acabam por mexerem com seu ego, dificultando ainda mais a convivência com ele.
No dia 8 de dezembro de 1963, Rikidozan acabou causando uma de suas brigas corriqueiras co Katsushi Murata, um membro de baixo-escalão da Yakuza, alegando que ele havia pisado em seu pé. Rikidozan apesar de estar um pouco debilitado, ainda era um homem de força física superior e não costumava deixar situações como essas apenas como um simples ocorrido.
Rikidozan espancou Murata com diversos socos, até o ponto em que o Yakuza lhe esfaqueou no abdômen. Neste ponto existem algumas divergências sobre o ocorrido. A informação divulgada oficialmente, é que após a facada, ambos saíram da boate e Rikidozan foi ao médico, que lhe recomendou uma operação, apesar da baixa gravidade do ferimento. Depois da operação, Rikidozan não teria obedecido as ordens médicas, comendo em excesso e consumindo bebida alcóolica pouco depois do procedimento, o que gerou complicações que o levariam a uma segunda cirurgia algumas semanas depois, mas Rikidozan não resistiu acabou falecendo antes de realiza-la, devido a uma peritonite (uma inflamação), no dia 15 de dezembro de 1963, aos 39 anos.
Uma outra teoria sugere que a facada na realidade não foi produto de uma simples briga, mas sim de um plano premeditado e concluído por Murata. Como dito, Rikidozan havia virado um homem muito poderoso e adquirido diversos estabelecimentos , o que acabou fazendo com que ele estreitasse laços com a Yakuza. Outro ponto a ser lembrado, é que Rikidozan não se submetia a ninguém, muito pelo fato de saber que era um herói nacional amado pela população e por toda sua influência, além da condição física superior, o que por sua vez poderia ter acabado gerando desentendimentos maiores com a Yakuza.
Isso leva a crer que queriam acabar com a vida de Rikidozan. Mas assassinar o maior herói do momento do Japão iria gerar grandes consequências, então Murata, um membro de baixo nível havia sido designado para isso. É teorizado que Murata havia urinado na lâmina de sua faca pouco antes e gerado uma briga propositalmente com o intuito de esfaquear Rikidozan, o que justificaria inclusive a inflamação que levou a morte do lutador. Um dos pontos que justifica isso, é que Murata ficou preso por 9 anos por homicídio culposo, mas após isso alcançou um alto patamar dentro da Yakuza.
Apesar das teorias e de sua conhecida personalidade difícil, é inegável que Rikidozan havia se tornado um ícone do país e virou um herói em que a sociedade japonesa, com sua moral lá em baixo, poderia se apegar e depositar suas esperanças. Rikidozan ergueu a moral de um povo e deu motivos para que rissem e comemorassem novamente.
Rikidozan tem o apelido de “Pai do Puroresu” e não é para menos. Apesar de não ter sido efetivamente o primeiro wrestler japonês, foi ele quem o tornou popular no país e se tornou um dos maiores atletas do esporte no mundo em sua época. Não só isso, o pai do Puroresu ajudou diretamente a criar outras lendas que também causariam grande impacto na cultura (e muitas merecem um texto para si), como é o caso de seu mais notório pupilo, Antonio Inoki, que é tido como um dos maiores atletas de todos os tempos e um dos mais influentes políticos na sociedade japonesa na década de 90.
Apesar da fama do esporte ter diminuído em comparação a seus tempos de ouro de quando o Pai do Puroresu literalmente parava o país para suas exibições, o alcance mundial de hoje é absurdo e, o estilo dominante de Rikidozan pode ser visto nos combates de hoje e é tido como “o melhor Pro-Wrestling do mundo”.
Com toda essa influência e poder, é estranho se pensar que o nome de Rikidozan mal seja citado e muitos sequer o conhecem. O ponto, é que na metade dos anos 90, a Coréia do Norte tentou adotar Rikidozan (ou Rieykdosan, como o chamaram) como um herói nacional.
Durante muitos anos, Rikidozan lutou para esconder sua nacionalidade e, apesar de amar seu país de origem, odiava o regime político que o governava. Mas em 1989, anos depois da morte do lutador, foi lançado um livro chamado “Eu sou um coreano”, onde era dito que Rikidozan se tornou o grande lutador que foi graças aos calorosos cuidados do líder da então Coréia do Norte, Kim Il-Sung.
Depois disso inúmeras propagandas utilizando o rosto de Rikidozan foram feitas, com revistas e filmes a seu respeito sendo divulgados. Sua história foi distorcida para mostrar um lutador coreano que se tornou campeão derrotando japoneses e americanos, o que fez com que a memória do pai do Puroresu fosse pouco a pouco sendo apagada do Japão.
Rikidozan se tornou o ícone de um esporte como poucos conseguiram. Ele se tornou um dos maiores lutadores de todos os tempos e virou um herói no Japão, mas apesar de sua lembrança ser apenas uma memória já esquecida, ele estará marcado para sempre na história como o homem que ergueu a moral de um país.