Quando escrevi sobre a demo de Post Trauma no nosso Primeiro Gole, revivi com entusiasmo a nostalgia que o jogo trazia, advinda dos grandes clássicos do survival horror old-school. Foi uma pena instalar a versão terminada e completa do jogo na Steam, passar as sete a oito horas que levei platinando o jogo, e chegar à conclusão de que tal nostalgia, ainda que bem-vinda em muitos aspectos, também acaba por sufocar as partes mais inovadoras e interessantes.
Nós iniciamos a jornada de Post Trauma como o condutor de trens Roman, que acorda de repente dentro de um vagão sem muitas memórias de como foi parar lá. Esta premissa já evoca as ideias dos Silent Hill clássicos (digo, até o Silent Hill 4), com um protagonista sem memória acordando numa realidade alternativa. Passamos os primeiros momentos do jogo tentando descobrir um código através de símbolos que correspondem às linhas do metrô para sair deste trem, algo que achei bastante condizente com a proposta old-school do jogo na demo.
Quero neste momento tocar um pouco nos aspectos técnicos dos gráficos do jogo. Post Trauma utiliza a Unreal Engine 5, um dos motores gráficos de última geração mais prestigiosos, que alimenta o remake de Silent Hill 2, o novo Black Myth: Wukong, e muitos outros jogos atuais. Desta forma, ele dispõe de todos os truques técnicos modernos, como reflexos de espaço de tela, iluminação dinâmica impecável, escalonamento de resolução com DLSS e FSR, só faltou um raytracing para completar o combo todo. No entanto, a falta de recursos do pequeno desenvolvedor se torna clara assim que Roman começa a se mover em tela, sua animação parecendo robótica e dura, como se seus movimentos do tronco superior não acompanhassem suas pernas, e contrastando fortemente com o ambiente ao seu redor.

Essas inconsistências entre o brilho da Unreal Engine 5 e a realidade do desenvolvimento do jogo permeiam todos os seus aspectos. Ao explorarmos a estação de metrô do início do jogo, encontramos nossos primeiros inimigos, monstruosidades reminiscentes de filmes do John Carpenter que são realmente assustadoras. Mas controlar Roman com o analógico é uma tarefa difícil. Há uma opção para ligar os controles de tanque, assim como nos jogos clássicos, mas não há opção para mapear os controles ao direcional, restringindo o movimento ao analógico. Assim, mesmo com um sistema de mira tirado diretamente do Dark Souls, mover Roman para esquivar dos ataques inimigos enquanto acerta seus próprios ataques com um pé-de-cabra nunca fica satisfatório ou fácil, mesmo que a animação dos inimigos seja bem melhor trabalhada que a de Roman.
A outra surpresa que Post Trauma nos oferece, conforme chegamos em novos capítulos, é que este combate não é o centro das interações do jogo. De fato, acho que consigo contar no máximo uns 20 inimigos durante o jogo todo. Não, a maior parte do que fazemos neste jogo é resolver enigmas de lógica, o que pode ser incrível se você for um fã de jogos adventure da época da Sierra, mas talvez frustre o pessoal que espera algo mais próximo dos jogos de terror modernos. E são enigmas complexos, também: logo na sequência inicial, você tem que verificar que alguns códigos, como 3D, 1C, 2B e 3A estão escritos em diferentes paredes da estação de metrô, e aí lembrar deles para ligar um painel de energia. É o tipo de enigma que requer que você não esteja apenas com o seu controle, mas com um caderninho em mãos, anotando todas as pistas que você vê espalhadas pelo mapa. Confesso que em uma das últimas áreas, quando o jogo quis que eu procurasse por OITO lousas espalhadas por diferentes salas de aula de uma escola, com diagramas que eu precisava anotar e combinar para abrir uma porta, eu estava exausto e pronto pro jogo acabar.

A narrativa é onde acho que Post Trauma mais peca. Como eu disse, há coisas muito interessantes emaranhadas na nostalgia do jogo, mas tudo acaba ficando inconsistente. Eu adoro que todos os personagens jogáveis de Post Trauma parecem seres humanos plausíveis, e não super-herois como os protagonistas de Resident Evil. Roman é um senhor de idade, com cabelos brancos e uma barriga de chopp, que tem que parar pra respirar depois de dar um tiro com uma espingarda. Mais pra metade do jogo, conhecemos Freya, uma garotinha muda que se comunica através do aplicativo de texto-para-voz do seu celular. Respeito demais um jogo cujos personagens são fora da caixa de senso comum.
Porém, ao tentar resgatar o feeling da série Silent Hill, especialmente de Silent Hill 3, Post Trauma falha em capturar o que torna aqueles jogos dignos de análises literárias. As histórias de Silent Hill 2 e 3 são, sim, obtusas e complexas, repletas de simbolismo, mas são intensamente recompensantes àqueles que se dispõem a desbravar o simbolismo para mergulhar no espaço mental de seus protagonistas. Aqui, Roman também é um protagonista que se sente culpado por ter cometido algo terrível, e o maior espaço narrativo do jogo é dedicado a tentar entender porque os personagens estão presos dentro deste mundo de tortura psicológica, mas os eventos são tão confusos e espalhados, e ao mesmo tempo tão simplórios, que o jogador acaba prestando mais atenção em referências do que na narrativa (olha, tem personagens chamados Jill e Carlos! Eu também joguei Resident Evil 3!).

Agora, eu não quero concluir de forma tão negativa, dizendo que o jogo não vale a pena. Como eu disse, muitos aspectos dele são interessantes, é um jogo bem construído, com visuais ricos, e considerando como os jogos atuais estão com preços exorbitantes de 300 reais pra cima, um joguinho bom de 50 reais é uma barganha. Ainda assim, não posso dizer que, dentro desse revival independente do survival horror clássico, não temos outras opções que são mais competentes e consistentes nesse nicho.