Aparentemente, o mundo do entretenimento audiovisual vive uma onda oriental. Inúmeras séries e filmes, especialmente coreanos e japoneses, têm arrebatado uma legião de fãs — e de prêmios, como provou o Oscar para Tudo em todo lugar ao mesmo tempo que, por sinal, foi mais um em uma longa pilha de láureas.
Na área do streaming, as séries têm se destacado, como Round 6, que foi coqueluche em 2022; Uma advogada extraordinária, seriado jurídico fofinho; ou ainda o quase-novelão As três irmãs, obra quase homônima a uma antiga novela (essa sim) da Globo. Mas para o mundo geek, o melhor seriado dos últimos tempos, vindo de terras do sol nascente, é a japonesa Alice in Borderland. Tanto que os fãs a catapultaram ao top 10 no Brasil logo após o lançamento, e o estúdio confirmou a segunda temporada apenas duas semanas após a estreia da primeira.
Baseada em um mangá lançado em 2010, e com edição brasileira a caminho, Alice in Borderland conta a história de Arisu (a transcrição nipônica de Alice), que de repente se vê em uma Tóquio distópica, na qual a maioria das pessoas desapareceu e as remanescentes devem participar de jogos perversos para ganhar o direito de sobreviver mais três dias.
Ao longo da história, Arisu encontra figuras-chave inspiradas na história original de Alice no País das Maravilhas, escrita por Lewis Carroll: o Chapeleiro Maluco, o Gato Risonho e outros que, no entanto, atendem por nomes japoneses. O personagem principal precisa então descobrir qual é o sentido daquele mundo, e encontrar um caminho de volta à sua realidade – tal como a Alice do livro.
Para conseguir isso, porém, ele deve encarar os jogos cruelmente elaborados por alguém (ou alguéns) misterioso. Cada game é identificado por uma carta de baralho, que indica a dificuldade (números baixos são mais fáceis, altos mais difíceis) e o tipo de jogo: espadas para os de força; paus para os de trabalho em equipe; ouros para os de raciocínio; e copas para os psicológicos. Mas embora haja a distinção dos naipes, na verdade, todos os desafios são, ao fim e ao cabo, mentais. E isso é que faz a série ser tão interessante.
Um mind game é um jogo que, além do conhecimento das regras em si, exige um trabalho mental paralelo para se conseguir sucesso. Quem sabe jogar poker conhece bem esse fato, já que na modalidade você pode vencer mesmo sem ter a melhor mão. Basta saber onde e quando pressionar, e onde e quando ficar quieto, usando a sua melhor “poker face”.
E Arisu, como protagonista, se prova um ótimo jogador de poker. Logo no primeiro jogo que disputa, ele resolve o enigma através de uma boa localização espacial e observação atenta. Exatamente como no poker, no qual o lugar em que você está sentado à mesa influencia a dinâmica da sua jogada. E, através da observação dos demais jogadores, você pode tomar uma decisão mais acertada.
Em uma das batalhas mais eletrizantes (literalmente) da série, Arisu tem que descobrir qual interruptor acende uma lâmpada, mas sem poder ver a lâmpada. E tem que fazer isso enquanto a sala inunda, com a água subindo rápido rumo a um pontalete eletrificado. Sem dar spoiler do como, ele consegue resolver o enigma através de uma análise de probabilidades e um certo tipo de blefe – novamente, os ensinamentos do poker se fizeram presentes.
Um terceiro e último exemplo de mind game é a prova em que Arisu e seus amigos têm que correr quilômetros dentro de um túnel, para fugir de algo desconhecido. A maioria dos jogadores encara o desafio como algo físico – correr, correr e correr – mas a melhor aposta, se voltamos à metáfora do poker, seria um call.
A conexão do baralho com os jogos mentais funciona muito bem. E – novamente sem spoiler – as cartas têm um papel importante no desenrolar da história. Talvez mais que na obra original de Carroll, na qual elas eram apenas soldados da rainha louca, a Dama de Copas. Em Alice in Borderland as cartas e seus naipes vão além, assumindo um papel revelador da psique subconsciente do protagonista. Algo que parece maluco, e é mesmo. E por isso é tão divertido assistir.