Com uma enxurrada de bons lançamentos nos cinemas neste mês de Abril, a opção de assistir Os Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo ficou para meu lado mais “curioso” do que a da vontade real. Não me agradando pelos trailers, imagens e pelo rumo que a produção vinha tomando, confesso que aguardaria para assistir o filme em alguma plataforma de streaming. Bem, feriado prolongado, sem muita coisa pra fazer, fui dar uma chance…

Com a mente, coração e cosmos aberto para a bomba que seria, meu foco era ser entretido de alguma forma. Inerente ao material de divulgação, ao menos na questão técnica, eu sabia o que veria em quase 2 horas do longa produzido pela Sony em conjunto com a TOEI.

Minha relação pessoal e nostálgica com CDZ

Diferente do grande público consumidor de anime no Brasil, nunca fui um grande fã da franquia do Kurumada. Tive alguns bonecos da BANDAI na época, como o de Libra, Câncer e todos os de Bronze, mas como uma criança comum e corrente, era pra brincar (brigar) com meus Power Rangers e serem namorados das Barbie das amigas.

Em resumo, o que eu realmente gosto de Cavaleiros do Zodíaco são: a primeira fase da Saga de Hades, Lost Canvas e para o surto de muitos, Saint Seiya: Omega, que acho um roteiro direto, dinâmico e mais coeso que o da série clássica.

Dito isso, está claro que não sou o fanboy chato de CDZ e mudanças não me atingem tanto quanto num fã mais conservador.

O Chamado da Aventura

O longa trabalha com dois plots centrais, sendo o arco pessoal de Seiya (Mackenyu Arata) em encontrar sua irmã Seika e o de Guraad (Famke Janssen), esta a Vilã do filme e a que raptou Seika, irmã do protagonista, amarrando assim os dois núcleos do filme.

Em nenhum destes dois núcleos há a preocupação em trabalhar as motivações dos personagens, visto que flashbacks funcionam como melhor elemento narrativo para roteiros mal escritos. A relação de Seiya com sua irmã é tão pobre que as cenas se repetem a exaustão por pelo menos umas 3 ou 4 vezes; e é o mesmo do outro lado, com o despertar da Saori/Atena, que pode ser o “risco da humanidade”.

Outro exemplo é de como Alman Kido (Sean Bean), junto de sua filha Saori (Madison Iseman), convencem Seiya de que o futuro da humanidade está em perigo e ele precisa se unir como um Cavaleiro de Atena para lutar contra Guraad (ex-esposa de Kido). Primeiro ponto: tudo isto é discutido num café da manhã – tipo quando vai um BBB na Ana Mari Braga; segundo ponto: a relação de família é superficial e você não compra. Apesar de Bean e Jansen terem boas atuações (em outros filmes), o negócio aqui é mecânico e transparece cumprir o script sem nenhuma emoção.

Do lado Guraad, com uma corporação que lembra algo como Iron Man, onde o dinheiro é infinito, parte da premissa foi a utilização da armadura de um cavaleiro de ouro, sendo assim, possível produzir um time de andróides com super força, comandados pelo chefe do setor de TI, Ikki, de Fênix (Diego Tinoco). Parece brincadeira, mas em partes não é. 

Guraad tenta passar emoção em alguns momentos do filme, mas por conta de toda a superficialidade e falta de diálogos bem escritos, as lágrimas não convencem. Aquele clima de novela mexicana, dramalhão e sofrência, tão bem trabalhados da série clássica – a exaustão, diga-se de passagem – não são explorados por aqui por incompetência, preguiça ou dedo de muitos produtores.

Problemas de roteiro e a falta de argumentação

Como já dito um pouco anteriormente, os problemas do roteiro não ficam apenas na construção dos personagens, mas também em muitos diálogos de conexão. Não há cenas com grande quantidade de falas e a falta de argumentação faz com que os diálogos não sejam conclusivos. O que imagino é que o filme deve ter tido tanta mão de produtor, que acabou ficando cheio de entalhos, comprometendo então a montagem, que falaremos disso mais adiante.

Se temos um roteiro tão problemático, a harmonia entre as personagens fica superficial. Isto é justamente o que acontece entre a relação de Seiya e Saori. Ora, já no início, eles se odeiam sem nenhum motivo aparente. Logo depois, há brincadeiras e flertes que não conversam com o andar natural dos acontecimentos. Não há impacto e você não é convencido de que o Seiya realmente quer salvar a Saori. Entretanto, gostei da cena com ela dirigindo moto!

Com relação a montagem esquizofrênica, já que os roteiros e as relações estão comprometidas, o filme é uma aula de como NÃO se fazer uma edição. Tirando o início do longa e o treinamento com Marin (Caitlin Hutson), os demais atos se passam em apenas duas localidades; a ilha de Kido e o QG da Guraad. Com isso no bolo, não dá para o editor fazer milagre e trazer uma fluidez cinematográfica, que apesar do filme ter cortes rápidos e cheio de ação, se mostra repetitivo e sem plot de impacto. Não há plot twist, já que é tremendamente previsível – o que poderia surpreender o fã franquia.

Qualidade técnica baixíssima

Aqui uma questão que eu não ligo tanto, a questão técnica. Atrelado ao orçamento, a direção e produção deve se virar com o que tem. O problema de alguns longas é ter VERGONHA de ser o que são e querer passar uma verossimilhança (ou algo nesse sentido) que o espectador não liga em ver. Por exemplo, quando vemos Grogu em O Mandaloriano, SABEMOS que é um boneco e quando ele pula, meu deus, sabemos que é ALGUÉM movendo ele de um lugar para o outro. E porquê isso funciona? Pelo simples fato do conceito passar uma coesão da construção de mundo. Nós compramos este estilo Star Wars de ser.

Scott Pilgrim é fantástico e ao mesmo tempo absurdo, mas funcional, cumpre o que a estética daquele conceito quer passar. Recentemente tivemos o caso de Dungeons & Dragons, e é a mesma coisa. É um filme que não tem medo de ser o que é para ser, e tudo bem com isso. É fantástico, tem armaduras, poderes e funciona!

Já com Cavaleiros a coisa é diferente. Parece que a produção quer passar o ar mais realista, snyder acinzentado e adultão: mas tudo fica ridículo, pois não há orçamento para CGI de blockbuster de alto escalão, não há efeitos práticos e pasmem, como exemplo, há uma cena de perseguição de carro, que, além de ser em CGI, parece que não há mais ninguém na cidade que está vendo aquilo para complementar o impacto. Tudo fica plástico demais.

O filme falha em trabalhar com pouco. Um dos melhores momentos, em todos os sentidos e também na questão técnica, é no treinamento de Seiya com Marin. O que dá a entender é que, por ser uma cena com Começo, Meio e Fim, não houve muito dedo da produção, e ali fluiu de uma forma natural e gostosa de assistir. Por sinal, a Marin é a melhor personagem – rouba a cena, o que não foi difícil.

Referente as armaduras, achei o menor dos problemas. Mas ao assistir, descobri que elas serviram para maquiar o orçamento, principalmente na questão de Capacete Fechado (o do Ikki, que é risível de gigante), para assim poderem trabalhar melhor o CGI e ficar o menos “bonecão” possível. Seria essa a melhor escolha? Ou seria melhor armaduras mais abertas e trabalhar mais as lutas com os atores, que por sinal, as que não estão vestindo as armaduras, são as melhores no sentido de coreografia.

Mitologia e Falta de Identidade

E a parte que nos toca? Como ficou a mitologia e o trabalho do Cosmo? Resumido a uma conversa no café da manhã. A mitologia não foi construída e temos mais o tratamento do Cosmo como algo mais próximo de uma “centelha divina” espalhada por crianças no mundo inteiro. Não há nenhuma citação ao Santuário ou passagens históricas, o que dariam mais profundidade e construção de mundo. Isso se resolveria com alguns minutos de conversa, e não diálogos picotados em frases prontas.

Se em parte a escala de cinza era para agradar os marmanjões de 30 e 40 anos, qual o sentido de uma classificação indicativa de 12 anos? Não está claro para quem o filme foi apresentado, já que não vejo crianças sendo atraídas por um filme deste estilo, talvez uma estética mais próxima de um SS Omega seria mais indicado. Já voltado para os adultos, com os problemas apresentados acima, em especial com o roteiro, não há nenhuma complexidade ou profundidade para a criação de um vínculo. Um filme passivo, sem expressão e sem coração.

Voltando para a parte nostálgica: o que mais te faz lembrar da franquia? As músicas! Praticamente todas as produções animadas contavam com uma trilha sonora envolvente e marcante, e estávamos contando com isso, não é mesmo? Mas parece que a TOEI ou algum produtor não quis atrelar a nada feito no passado, já que tivemos pequenos resquícios de temas clássicos como Pegasus Fantasy; no mais, uma trilha esquecível e feita por virgulas sonoras genéricas.

Mais que uma Adaptação, uma Inspiração

Os Cavaleiros do Zodíaco – Saint Seiya: O Começo é um filme de ação que pode divertir. De fato, não me senti cansado nas quase duas horas, já que estava comprometido e curioso para tudo que era apresentado. No mais, o shonen de lutinha traz referências de Cavaleiros do Zodíaco, mas não veste a camisa, se é que me entendem. Não há a “alma”, não há mitologia, não há companheirismo, não há dramalhão e por mais que tenha esforço de alguns atores como Mark Dacascos (Mylock) e Mackenyu (que adoro em outros filmes), não é suficiente nem para se chamar de uma Adaptação.

Pode-se dizer que o filme tenha elementos da série clássica, de Omega e até da animação recentemente lançada pela Netflix (e que agora pertence a Crunchyroll), mas por questão de se ter uma incoerência criativa, sem um objetivo claro dos produtores, o live-action se torna uma caricatura de si mesmo, uma inspiração genérica como uma armadura sem corpo. Mas há algo inquestionável no ponto de vista positivo: é melhor que Dragon Ball Evolution!