More Than Words é o resultado perfeito de uma representação sem igual da realidade vivida por pessoas LGBTs não apenas no Japão, mas também, no mundo inteiro.

Imagine a seguinte situação: um casal formado por dois homens, que pensando na lógica social da construção de uma família para herdar os negócios e afins, decidem ter um filho na intenção de formalizar a relação, já que o casamento homoafetivo é proibido no Japão.

Entretanto, dadas as dificuldades, eles acabam contando com a ajuda de uma amiga que, nesse caso, se ofereceu para gestar o filho deles. Infelizmente, com o decorrer do processo, a frustração e, principalmente o sentimento de não se ajustar ao protótipo de família criado com a ideia de ter um criança, faz com que haja uma ruptura no relacionamento desses jovens rapazes.

Fugindo dos padrões

Com base nessa história, More Than Words, de maneira quase radical, analisa e expõe as causas e consequências de tudo que cerca esse caso. Quem espera um romance alegre e solar, típico das adaptações japonesas, irá se deparar, na verdade, com um BL robusto, realista e, na maioria das vezes, repleto de angústia.

As problemáticas trazidas aqui vão muito além do que comumente é retratado em produções de temática LGBT no geral. Por permear a transição da adolescência para a fase adulta, More Than Words consegue acertar em cheio na demonstração da necessidade de pertencimento que os jovens, em sua totalidade, precisam para formular algumas características próprias e que serão definitivas no futuro. E como sabemos, a partir do momento que essa passagem é deturpada, os envolvidos nela poderão carregar traumas para o resto da vida. É exatamente isso que acontece aqui.

Preconceito em terras nipônicas

Além das aflições mentais, More Than Words ainda chama atenção para outro problema sério: o preconceito estruturado na sociedade e, sobretudo, no Estado. Nos últimos anos, o Japão tem sofrido duras críticas devido ao retrocesso em questões acerca dos diretos LGBTs. O país é o único inserido no G7 (grupo das sete nações mais industrializadas do mundo) a não reconhecer o casamento homoafetivo. Os efeitos dessa questão, por sua vez, estão presentes em todos os momentos do BL.

Veja, por exemplo, o fato dos personagens serem obrigados a optar por caminhos mais complicados para efetivar uma união estável, já que o casamento estava fora de cogitação. Embora a ideia de ter um filho tenha funcionando inicialmente, os embaraços fomentados pelos obstáculos encontrados por eles foram os grandes encarregados por minar a paixão existente no relacionamento dos mesmos.

Em um discurso feito no Summer Sonic Festival, no Japão, a cantora Rina Sawayama, que faz parte da comunidade LGBT, enfatizou: “Eu sou bissexual. Mas se eu quiser me casar aqui, com uma pessoa do mesmo sexo, eu não posso. Eu não posso porque o Japão não permite. Eu tenho orgulho de ser japonesa, mas isso é algo que realmente me deixa constrangida“. Das palavras da artista, para as telas cuja série foi exibida, More Than Words deixa claro todas as implicações que a negação de direitos pode causar.

Impressões finais

Uma das formas usadas para transparecer essa indagação está no ritmo que a obra se dá. Tudo começa de forma intensa, com jovens felizes descobrindo coisas novas, mas, do nada, a melancolia e a tristeza passam a dominar a atmosfera que muda de tom drasticamente, deixando todo mundo abalado pelos diversos acontecimentos tomados por cores frias e fotografia desregrada.

Entretanto, longe de ser um erro, essa mudança é quase uma semiótica do roteiro a fim de demonstrar como o preconceito, em todas as suas instâncias e em diferentes momentos, é capaz de atormentar a vida de alguém.

Com essa e outras jogadas inteligentes, More Than Words pode facilmente ser descrito pela complexidade de uma história muito bem articulada, ou pelos seus aspectos técnicos verdadeiramente exemplares. Além de, obviamente, atuações que se destacam a frente de tudo já feito em um BL japonês até hoje.

No final das contas, esse é um verdadeiro coming of age abastecido por realidades árduas demais para serem esquecidas. Considere assistir, mesmo sabendo que irá sofrer e se revoltar com os desfechos apresentados aqui. Afinal, não é sempre que temos algo tão condensador como esse, um dos melhores web dramas já feitos no Japão.

REVIEW
More Than Words
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Matheus José
Graduando em Letras, 23 anos. Crítico e redator, já passou por publicações nos sites Jornal 140/ VIUU, Suco de Mangá, BoysLove Hub e Aquele Tuim.
more-than-words-reviewA história gira em torno de dois melhores amigos, Mieko e Makio, que acabam trabalhando meio período no mesmo lugar. No novo emprego, eles conhecem um estudante universitário, Eiji, que acaba se apaixonando por Makio. Apesar de todos ao seu redor serem contra o relacionamento, Mieko decide cuidar deles enquanto eles crescem, e seus laços e relacionamentos mudam gradualmente.