Kanae Minato é um dos maiores nomes contemporâneos da literatura japonesa. Seu primeiro lançamento, “Confissões”, chegou à marca dos 3 milhões de livros vendidos no mundo e foi adaptado para os cinemas em 2010. Em visita à Bienal nos dias 01 e 02 de setembro, ela falou sobre seu começo como escritora, sobre Confissões e respondeu algumas perguntas do público.

No primeiro dia, Kanae Minato participou de um painel compartilhado pelo escritor Raphael Montes e a escritora Eliana Alves Cruz, mediados pelas perguntas da professora Clarisse Fukelman. Algumas perguntas mais genéricas como “Quando você começou a escrever?”, “O que te inspirou?” ou “Que técnica ou que estilo você prefere pra escrever?” serviram para apresentar os escritores para as pessoas presentes no Café Literário.

Após um apagão que forçou o painel a ser encerrado mais cedo (veja abaixo), Kanae voltou ao Café Literário no dia seguinte para um painel exclusivo, onde ela contou sobre suas inspirações para se tornar uma escritora e em que circunstância seu primeiro livro foi escrito.

 

SEU LIVRO DE ESTREIA: CONFISSÕES

Vamos começar com um resumo de Confissões, já que por uma feliz coincidência, aconteceu de eu mesmo já ter assistido o filme anos atrás. Apesar dos overreactings corriqueiros na atuação japonesa, seu enredo é surpreendente! Não se preocupe, essa é uma sinopse sem spoilers:

Conta-se numa escola que uma professora, mãe solteira, perdeu sua filha única em um acidente. Enquanto acreditava-se que essa era o caso, a professora resolve fazer um anúncio diante de toda a turma: sua filha pequena não morreu num acidente, mas foi assassinada. Não só isso: a professora declara que os dois culpados estão naquela sala e que sua vingança já foi realizada.

E essa é a fonte do suspense! Como assim a vingança já aconteceu? Os culpados ficam tão tensos quanto o expectador em saber como vai acontecer essa vingança. Só que seu desenrolar é prismado. Até chegar na vingança em si, Kanae explora as vidas de todos os envolvidos no incidente. Como ela própria afirmou no Café Literário, é impossível entender as nuances de um crime sem que se entenda as circunstâncias das partes que compõe o todo.

O NASCIMENTO DAS CONFISSÕES

Sabemos do que se trata a obra. Sabemos que ela foi um sucesso. Quando olhamos para a carreira de Kanae Minato, vemos que ela lançou o primeiro livro aos 30 anos em meio a uma vida estável como professora, casada e com uma filha. Além disso, ela é formada em economia doméstica, disciplina que ela leciona para os seus alunos do fundamental. Aí vem a pergunta: por que o suspense? Onde isso se encaixa em sua experiência?

Havia em primeiro lugar na autora, um forte desejo de acrescentar algo a mais na sua vida, algo durável além da vida já estabelecida como professora e dona de casa. Em segundo lugar, pairava uma curiosidade: “O que eu faria se alguém machucasse uma pessoa importante para mim?”. Kanae Minato diz que uma boa maneira de escrever uma história, é imaginando situações ao redor do seu próprio cotidiano, criando a partir daí o extraordinário, aquilo que rende uma história. No seu caso, como professora, isso significou criar uma história que se passa numa escola.

Em terceiro e último lugar, a autora queria mostrar com seu romance como a vingança pode aflorar em meio ao desamparo. O luto isolado pela morte da filha, sem ter a quem recorrer, nem mesmo à justiça pois o criminoso é menor de idade e, assim, não pode ser julgado. Não é como se a autora dissesse que toda pessoa isolada e magoada é vingativa, mas que a vingança pode vir a ser a única alternativa além de simplesmente aceitar a tragédia e seguir em frente.

O INÍCIO DA VIDA COMO ESCRITORA

Kanae Minato vem de Awajishima, uma grande ilha entre Honshu e Shikoku, um pouco à oeste de Osaka, mas beeeeeem longe de Tokyo, a cidade onde se ganha a vida e se constroem os sonhos. Vivendo nesse lado do interior, a autora queria muito ir para o exterior tentar a vida fora. Uma alternativa foi a escrita, treinada pouco a pouco com pequenas poesias de três versos, o senryuu.

O senryuu é uma poesia do cotidiano, das pequenas coisas que geralmente passam despercebidas, como o conteúdo caótico da própria bolsa (que foi o exemplo que ela deu), ou a formiga flagrada passeando na beira do copo. De poesia em poesia, Kanae resolveu treinar escritas mais longas e assim ela começou a escrever e enviar roteiros de televisão.

Na terceira tentativa de um concurso anual, Kanae Minato foi teve seu trabalho escolhido e foi convidada por uma emissora para aprofundar algumas negociações. Negociações essas que não foram pra frente, pois a emissora fora muito vaga em sua entrevista e não chegou a perguntar pelo seu trabalho. Além disso, a emissora não via com bons olhos o fato dela morar numa distância de mais de cinco horas de viagem. A coisa ficou por isso mesmo.

Mas a boa notícia já havia sido dada aos alunos. E ela já possuía um trabalho extenso, escrevendo de noite e dormindo pelas manhãs, quando o marido e a filha saíam de casa. E seus estudantes já aguardavam aquele trabalho de sua professora. Tendo essa motivação nas costas, Kanae Minato transformou seu roteiro no primeiro capítulo de Confissões.
Desse primeiro capítulo até hoje, Confissões foi expandido para seis livros (o segundo, Penitencia, também foi traduzido para o português). Cada um explorando um ponto de vista de um personagem da saga.

Adaptação em live-action de Kokuhaku (Confissões)

FALANDO COM O PUBLICO

Por parte do público, principalmente o público feminino, o testemunhar de uma mulher que é ao mesmo tempo mãe, dona de casa, best-seller e professora de carreira causou um contraste provocador. Era a convergência de um estilo de vida “antiquado” para a mulher emancipada com o estilo de vida de uma autora de sucesso que viaja mundo afora, falando em painéis. Naturalmente, imagina-se uma relação de conflito nesse estilo de vida.

Mas quando questionada sobre isso, a maior preocupação de Kanae Minato era a possibilidade de os vizinhos pensarem que ela estava escrevendo um livro por ser infeliz no casamento, seja lá o que isso significa. Ela afirmou que a escola e a editora sabiam reconhece-la como professora e escritora e frisou a gratidão pela sua família que ajudou bastante depois do lançamento de Confissões.

A resposta não é muito “ocidental” da parte dela e os rostos confusos foram evidentes. Parece que o tipo de discriminação mais evidente foi por ela não ser da metrópole, mas do interior. É fato que os regionalismos no Japão são bem fortes, principalmente na cidade de Tokyo. Do outro lado do mundo, os problemas mais escancarados não são necessariamente os mesmos que os nossos, ao que parece.

Depois, o Suco conseguiu perguntar como foi imaginar um cenário de um crime cometido por um aluno menor de idade, impossível de ser levado aos tribunais. Mesmo num país pacífico como o Japão, ela diz que de sua própria experiência foi possível testemunhar casos de violência entre jovens. E ao priorizar trabalhar com vários pontos de vista de um crime, o objetivo de Kanae Minato com esse cenário foi imaginar quais situações da vida de um jovem o levariam a esse extremo. Ela prefere fugir aos estereótipos de mocinho versus bandido e criar situações plausíveis.

Por fim, quando perguntada sobre o cenário da literatura thriller no Japão, Kanae disse que o gênero é famoso, mas lamentou que os melhores títulos não estejam traduzidos para nenhuma língua. Do mesmo modo, ela lamentou que os autores brasileiros não são traduzidos para o japonês, pois o desejo dela é poder apresentar nossos autores e autoras para o Japão. O comentário rendeu fortes aplausos do público!

Com votos de incentivo à escrita, Kanae Minato visitou a Bienal do Livro nos dias 01 e 02 de setembro. Você conferiu aqui um apanhado resumido de sua fala nos dois dias.

Fiquem atentos para mais conteúdos de nossa cobertura da Bienal ao longo da semana!