Desde que se tem notícia, filmes e séries de temática LGBTQIA+ sempre tiveram algumas representações construídas com base em estereótipos narrativos dos quais, em sua grande maioria, remontam preconceitos de uma indústria dominada por produções majoritariamente destinadas ao público hétero.

Em muitos casos, a tragédia tornou-se a base em que muitos dramas foram desenvolvidos, sempre partindo de relacionamentos conturbados ou que nunca parecessem dar certo. Se olharmos para alguns títulos LGBTs lançados nas últimas décadas, como O Segredo de Brokeback Mountain (Ang Lee, 2005) e Me Chame Pelo Seu Nome (Luca Guadagnino, 2017) veremos que as suas narrativas não possuem um final feliz, ou então a conclusão sempre fica aberta para interpretação de quem assiste.

Felizmente, existem os casos que fogem dessa cruel realidade na qual ótimas produções de temática queer foram criadas e adaptadas. Moonlight: Sob a Luz do Luar (Barry Jenkins, 2017) é um dos ótimos exemplos, além, é claro, das séries em formato compactado que passaram a ocupar grande espaço na internet, como Love, Victor (2020).

Heartstopper, o novo romance LGBT+ da Netflix surge como uma das produções mais encantadoras e apaixonantes dos últimos anos. A história — com um final feliz — ganhou a sua primeira temporada e estreou como um fenômeno nas redes sociais. É possível dizer que toda essa empolgação deve-se ao fato de que depois de muito tempo, finalmente uma produção de notória importância ganhou o reconhecimento que merecia.

Quando Charlie (Joe Locke) começa a estreitar laços com Nick (Kit Connor), vemos surgir um romance entre duas pessoas totalmente diferentes, mas que se amam de forma igual. Enquanto dois personagens vão se relacionando, questões como o bullying, sexualidade e aceitação passam a dividir espaço entre a paixão e o descobrimento.

Pautada em um dos períodos mais importantes na vida de todo mundo, Heartstopper acompanha a história de dois adolescentes inseridos em contextos opostos um do outro. Charlie é um garoto gay assumido que passou por diversas situações de agressão por conta da sua sexualidade. Nick, por outro lado, é um atleta popular e que nunca imaginou sofrer algum tipo de preconceito, pois, até então, ele se entendia como um rapaz hetero.

O cenário que temos aqui é um típico colegial que explora o desabrochar de novos sentimentos. Entretanto, não há simplicidade nenhuma na construção da atmosfera, que mesmo em cenas mais sensíveis, não deixa de lado a leveza pela qual toda a história é apresentada. O que parece bobo muitas vezes, na verdade, é uma demonstração de sucesso por parte do roteiro, que ganha pontos estendendo os acontecimentos dos quais felizmente não passam despercebidos em momento algum. Dessa forma, a direção de Euros Lyn, que já esteve à frente de Doctor Who (2005) e Sherlock (2010), acaba somando positivamente nesse processo de expandir o universo criado pela autora Alice Oseman nos quadrinhos.

Acontece que Euros Lyn possui uma linguagem muito própria no sentido de acrescentar aspectos recorrentes de seriados televisivos em suas produções. Assim, Heartstopper não funciona apenas no formato já conhecido dos dramas menos comerciais da Netflix, a série, apesar de curta, se encaixa perfeitamente em algo que veríamos ser transmitido em algum canal de TV.

Outra característica positiva que permeia Heartstopper como nenhuma outra adaptação da Netflix, são as atuações. Se de um lado já vimos adultos interpretando adolescentes e falhando vergonhosamente, aqui, os adolescentes são, de fato, adolescentes. Ter apostado em atores parecidos com os personagens da HQ, além de importante para uma adaptação fiel, ainda contribui para melhorar a experiência de quem leu e agora vê a sua história favorita ganhar vida. Essa atenção especial se dá pela participação e envolvimento da própria escritora da obra original no desenvolvimento do live action.

O mais interessante de tudo, é que mesmo se tratando de uma representação, Heartstopper, não deixa de mostrar as suas raízes. A todo instante vemos efeitos gráficos que remetem aos traços da HQ, como coraçõezinhos animados ou faíscas que surgem na tela em certas cenas de aquecer a alma. Da mesma maneira que vemos isso acontecer, também é possível notar o quão os personagens secundários se tornam peças importantes na narrativa. Em grande parte da série, as histórias em segundo plano não deixam de ser aprofundadas pelo roteiro, trazendo um ar de unidade para os demais arcos que se mostram importantíssimos para a trama principal, além de servirem como uma rede de apoio, os momentos de descobrimento e aceitação, acontece em todas as direções. Para realçar ainda mais essa representatividade explorada, os atores que compõem o elenco convidado tornam-se indispensáveis.

Joe Locke e Kit Connor conseguem construir uma química incrível e representar perfeitamente os seus personagens juntos; Olivia Colman, interpretando a mãe de Nick, faz valer o seu Oscar de Melhor Atriz, é fantástica em tudo que se propõe a fazer e isto não está aberto para discussões; William Gao, na pele de Tao Xu, o preocupado e melhor amigo de Charlie, também chama atenção e se destaca a todo momento; Yasmin Finney, como Elle Argent, é o grande acontecimento desta série. Além da representatividade, o talento nato da jovem artista pela atuação é algo único e extremamente necessário de se ver em uma produção como esta.

Da fotografia que exerce um papel significativo em relação ao modo que os sentimentos são representados, passando pela trilha sonora que é bem organizada e satisfatória de acompanhar ao longo dos episódios, tudo em Heartstopper soa justo e adequado ao que já era esperado desta obra. Mesmo replicando alguns clichês que todo romance costuma ter para causar diversas sensações em quem assiste, aqui, até o mais simples detalhe é desenvolvido de forma que contribua para o contexto geral.

Heartstopper
Imagem Divulgação

Indo na contramão do conjunto batido de histórias difíceis de acompanhar que ronda muitas séries de temática LGBT+, incluindo as do seu próprio catalogo, como Elite e Young Royals, a Netflix em Heartstopper apresenta um trabalho leve, acessível e extremamente cuidadoso com a história original. É assistir sabendo que vai chorar, sorrir e aguardar ansiosamente pela próxima temporada.

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REVIEW
Heartstopper
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Matheus José
Graduando em Letras, 22 anos. Crítico e redator, já passou por publicações nos sites Jornal 140/ VIUU, Suco de Mangá e BoysLove Hub.
heartstopper-reviewHeartstopper nos apresenta o romance vivido pelos jovens Charlie Spring e Nick Nelson. Charlie (Joe Locke) é um aluno muito dedicado, mas que tem sofrido bullying na escola de forma constante desde que se assumiu gay, o que resultou em uma personalidade bastante acanhada e insegura nos últimos tempos. Já Nick (Kit Connor), é super popular e querido por ser um excelente jogador de rugby. Quando os dois começam a sentar próximos todas as manhãs, eles desenvolvem uma amizade intensa e imprevisível, se aproximando mais a cada dia. Charlie logo percebe o que está sentindo por Nick, apesar de entender que se apaixonar por um amigo, ainda mais hétero, pode acabar sendo uma grande furada. No entanto, Nick também está em dúvida sobre como se sente a respeito de Charlie. Quem sabe talvez os dois garotos estejam prestes a descobrir que o amor pode funcionar de maneiras incríveis e surpreendentes.