Tivemos ótimas estrelas brilhando na Temporada de Inverno 2019. Dororo, Jojo, Shield Hero e The Promised Neverland são alguns que brilharam a ponto de ofuscar alguns projetos um tanto interessantes nesse último trimestre.
Não queremos desmerecer nenhuma dessas estrelas, pois seu destaque é muito merecido; além disso, entendo que esses animes(?) não são nada convencionais e podem muito bem serem classificadas como uma bela porcaria.
Tudo bem. Pode ser que é por um motivo razoável que eles tenham sido os esquecidos da Temporada de Inverno 2019, mas também é por algum motivo razoável que “Virtual-san Looking” e “Rinshi: Ekoda-chan” chamaram a minha atenção. Por isso vale a pena saber ao menos do que se trata cada um desses projetos.
Lembrando que ambos podem ser assistidos na Crunchyroll, então, sem mais delongas!
RINSHI: EKODA-CHAN: BASTIDORES DE UM ANIME
“Um guia para os homens, uma bíblia para as mulheres”. Calma, não me atirem pedras (ainda). A frase é de um dos diretores de um dos episódios de “Rinshi: Ekoda-chan”, mangá yonkoma escrito por Yukari Takinami. Ele não é muito antigo, pois começou em 2005 terminando em 2014, mas o envolvimento das doze dubladoras da protagonista mostra que esses nove anos causaram impacto.
A história segue o cotidiano de Ekoda, uma jovem de 24 anos (coincidentemente a mesma idade da autora quando lançara o mangá) que tem uma mente acelerada de auto-questionamentos e pensamentos aleatórios.
O que fez de Ekoda-chan um hit no Japão, além do humor típico do gênero yonkoma (do mesmo estilo de Pop Team Epic), é o fato de termos uma mulher sem papas na língua, o que no Japão é um acontecimento histórico. Isso no nível das aparências pelo menos. O que minha declaração bastante dramatizada esconde é outro lado da moeda que faz de Ekoda-chan um sucesso: as ansiedades, queixas e questionamentos de Ekoda, são língua franca para o íntimo de muitas japonesas que se identificaram com a personagem de Takinami. Boa parte das dubladoras de cada episódio deram testemunho dessa identificação com Ekoda.
Mas como assim os diretores e as dubladoras? A premissa da adaptação de Ekoda-chan seguiu um ditado japonês: ???? (jyuunin jyuuiro ou “dez pessoas enxergam dez cores”). É uma maneira de dizer que cada pessoa enxerga ou interpreta algo de sua própria maneira. Doze diretores foram convidados a fazer cada um seu próprio episódio para o anime no formato de um curta com três minutos de duração. E cada um destes diretores escolheria uma dubladora para interpretar a Ekoda. O resultado disso foi um verdadeiro caleidoscópio de episódios radicalmente diferentes um do outro; cada semana era uma novidade.
Além dos seus três minutos, cada episódio tinha mais uns vinte minutos de bate-papo com o produtor do anime mais o diretor e a dubladora de cada episódio. Essa espécie de making-of foi o maior ponto negativo de muitos que tentaram dar uma chance, pois viram nisso uma forma de enche-linguiça pra passar o tempo. Do lado de cá, porém, isso foi uma adição. Às vezes passamos por animes muito mais bem feitos e me impressiona como são poucas as oportunidades de se ver os bastidores dessas produções. Certas falas em comédias te dão uma vontade enorme de ser uma mosquinha para ver a dubladora gravando aquela cena e o estúdio inteiro caindo na gargalhada, como nas “salsichas” de Kaguya-sama. O caso mais extremo foi Violet Evergarden, onde a qualidade única da produção rendeu vídeos e mais vídeos no youtube de como se deu aquela produção. Mas e quanto aos filmes de Fate Heaven’s Feel? Não faltam casos onde um extra como o de Ekoda-chan seria muito bem vindo, com as opiniões da direção, dos técnicos de animação e dos dubladores. Essa adição muitas vezes permitiu que o episódio ganhasse uma nova luz que não teríamos como perceber por conta própria.
Sim, os diálogos às vezes foram arrastados. Às vezes eram muito particulares, então alguém de fora não conseguiria captar exatamente o que estava sendo dito. Alguns diretores eram tão reservados a ponto de um deles ter faltado ao bate papo por ficar completamente nervoso diante das câmeras. Até para os interessados nos bastidores isso pode ser uma experiência meio tediosa, então é possível entender perfeitamente Rinshi: Ekoda-chan ter sido um esquecido desta Temporada de Inverno 2019.
VIRTUAL-SAN LOOKING: PARÓDIAS ENTRE YOUTUBERS
Virtual-san Looking é algo que com certeza só teria como dar certo no Japão, pois lida com uma moda que por enquanto está contido entre os japoneses, que é o surgimento das youtubers virtuais. O fenômeno surgiu em 2016 com a estreia de Kizuna Ai no YouTube, mas mais do que isso fica para o meu artigo que explica mais sobre a febre. Sobre o anime em si, seu ambiente de fato lembra muito o VR Chat, que explodiu o meme do Uganda Knuckles. E é nesse ambiente de realidade virtual rústica que o programa monta várias esquetes cômicas com várias e vários v-tubers.
São cinco protagonistas. Nenhuma delas é a Kizuna Ai, para a nossa surpresa. São outras v-tubers que ganharam espaço nessa esfera: Mirai Akari e Shiro-chan são as duas mais populares, enquanto Nekomiya Hinata é mais famosa pelos seus streams de jogos de tiro como PUGB e Fortnite. Hime e Hina são a dupla que alternam entre o humor nonsense de um lado e clipes musicais inesperadamente bem feitos, quase como uma forma de kpop para otakus.
Enquanto as cinco abrem e encerram o programa, outras esquetes são compartilhadas com outros youtubers. A “Vovó Virtual” Sachiko Kobayashi, inspirada na cantora de enka que leva o mesmo nome, conta uma expressão de época diferente a cada semana. Virtual Wars conta as peripécias do Game Club Project em sua tentativa de conquistar a galáxia. E “Kerin Slayer” estreia Yamimumo Kerin numa paródia escancarada de Goblin Slayer. Um quadro em específico é muito interessante: ele passa uma curta introdução a youtubers amadores que criaram seus próprios avatares virtuais (esse detalhe e a sua importância é mais bem comentada no nosso artigo sobre o fenômeno v-tuber).
A comédia de Virtual-san Looking é de um nonsense tipicamente da comédia japonesa, com algumas gírias que nos podem passar despercebida e que com certeza não rende muito para boa parte da audiência de cá. Além disso, o anime… pode ser chamado de um anime? Ele com certeza é um experimento que estica as nossas noções, como ocorreu com a animação de Castlevania. Um experimento inédito que captou uma moda ainda muito forte no YouTube e fez disso um programa semanal.
Funcionou? Veremos mais disso no futuro? Pessoalmente, não acharia uma má ideia, uma vez que essa tecnologia, assim como todas as outras, tende a melhorar. A qualidade rústica desse experimento pode, como uma semente, gerar frutos para uma animação em 3D alternativa à animação em CGI. Aguardemos!