Todo ano tem a sua joia. Um anime que move não só uma fanbase, mas uma comunidade de entusiastas, profissionais, animadores, artistas, autores e diretores. A joia da vez para 2022 com certeza tem nome e seu nome é Bocchi The Rock.

Venha ver nesta REVIEW como é que um interesse isolado por animes com temática musical se viu engolido num furacão de hype que tomou conta das redes sociais semanas a fio até o seu indesejado fim nesta véspera de Natal, dia 24 de dezembro.

21TH CENTURY GIRL

Partindo de dentro para fora, do interesse pessoal deste redator até o fenômeno “Bocchi The Sweep”, comecemos pelo que imediatamente havia de mais atraente em Bocchi The Rock: um slice of life sobre um grupo de colegiais participando de uma banda, ou seja, um K-On para esta geração, mais de dez anos depois. Algumas semanas antes de sua estreia, seu teaser já dava fortes indícios de que a parte musical do anime seria fenomenal. São poucos segundos, mas com uma melodia de guitarra forte e criativa.

Mas antes que Bocchi The Rock pudesse atender às suas expectativas musicais, seus primeiros minutos entregaram maravilhosamente o que outros animes às vezes demoram episódios inteiros: uma personagem bastante carismática e relacionável, a guitarrista Hitori Gotou. Ela se inspira numa banda que está sendo entrevistada na televisão para aprender a tocar um instrumento e conseguir se expressar melhor e se conectar melhor com as pessoas. E quando você acha que irá acompanhar os primeiros passos penosos de uma pessoa aprendendo a tocar guitarra do zero, de repente o tempo passa, os anos passam e estamos diante de uma guitarrista profissional, tocando mais do que vários de nós jamais tocaremos e com um canal de covers no YouTube bastante popular.

O problema é que nada foi resolvido, porque talentos musicais à parte, Hitori ainda tem seríssimos problemas em se comunicar e em se relacionar. Andar com uma guitarra por aí na escola não ajuda em nada ao longo dos anos. Ela ainda é uma típica garota do século 21, ansiosa, solitária, que por acaso anda por aí carregando uma guitarra. A coisa toda só passará por alguma mudança com o encontro fatídico com Nijika Ichiji. A garota radiante feito um arco-íris (Niji, sacaram? Não? Okay…) implora para que Gotou substitua de última hora sua guitarrista que deu para trás e desistiu de tocar no show que estava marcado para daqui a alguns minutos. Do encontro com esta baterista, a baixista Ryou Yamada e, futuramente, a guitarrista fujona, Kita Ikuyo, Hitori Gotou começará a engatinhar os primeiros passos para fora de seu casulo de ansiedade social e revelar seus talentos para o mundo com sua primeira banda, a Kessoku Band.

AS DINÂMICAS DE UMA BANDA

Em termos de personagens, Bocchi The Rock segue uma fórmula básica, mas consistente. Nijika é a menina alegre que anima o rolê. Ryou é a senpai calada, do tipo descolada. Kita é a idol do grupo, o completo oposto de Bocchi, que é a exceção que confirma a regra, já que protagonistas ansiosas não são exatamente uma fórmula do gênero moe, sendo uma tendência mais recente, como em Hitori Bocchi no Marumaru Seikatsu. Voltarei à Hitori já já, porque ela é de fato um diferencial, mas por enquanto quero voltar a atenção de quem estiver lendo a um diferencial que acerta em cheio nesse anime: o trato musical.

Desde o momento em que você percebe que a animação da abertura toma o cuidado de casar os acordes tocados pela Hitori com as notas tocadas na abertura, até as pequenas curiosidades sobre performances ao vivo, Bocchi The Rock entrega e muito para todo mundo que já entrou em contato com a música. Logo de começo, vemos no primeiro episódio que todo aquele talento desenvolvido pela Hitori se mostrou inútil quando ela foi incapaz de entrar em sintonia com a Nijika e a Ryou. Música é harmonia, é melodia, mas é acima de tudo ritmo, sob pena de comprometer as duas primeiras coisas. Saber a hora de entrar e tocar sua parte, passar a vez para uma outra membra, tudo isso importa tanto quanto ou até mais do que tocar bem (porque sempre dá pra dar um improviso aqui e ali na hora da perdição). Não basta a Hitori tocar bem, mas aprender a estar e contar com outras pessoas, que é justamente o sentido todo de se estar numa banda.

Mas como todas as meninas do anime estão dando seus primeiros passos a sério numa banda, ajuda de gente mais cascuda é bem vinda. Nessa parte entram em cena as adultas da trama, a irmã mais velha de Nijika, Seika Ichiji, dona do “restaurante” onde tocam as bandas, sua amiga PA-san (que infelizmente contracenou pouco, logo a mais bonita) e a pinguça Kikuri Hiroi, que ensina muito para a Hitori, para o bem e para o mal. Tem toda a coisa da Seika ter uma postura rígida por fora e não poupar em nada as meninas e ser ao mesmo tempo um pudim apaixonado pela irmã por dentro, sim. Isso é um ponto fofo do anime e não quero diminuí-lo. Mas a Kikuri é o momento onde a adolescência dá lugar às amarguras da vida adulta e onde as pessoas já bem acima dos seus 20 e tantos anos de idade passa a se identificar mais do que gostaria. Seja na Espiral da Felicidade causada pelo álcool quanto pelas cenas cruéis que mostram o porquê da maior parte das pessoas beberem (e não é por diversão), Kikuri é um alívio cômico ainda mais puxado para o humor negro. Ao mesmo tempo, ela é uma veterana na cena musical e dá um suporte imensurável para que Hitori possa crescer como musicista, principalmente depois de dar uma mostra de sua própria performance num show, que lembra demais o estilo de um Number Girl.

Um pequeno parêntese: sabe o “restaurante”, em aspas? A curiosidade bacana aí é que é simplesmente um saco, juridicamente falando, obter uma licença para operar uma casa de shows no Japão. Então ao invés de casas de shows, temos na maior parte das vezes “restaurantes” que por um acaso recebe bandas para entreter os clientes, no maior espírito deixar de vender sorvete para vender “massa gelada” para evitar impostos, ainda que no final seja tudo a mesma coisa. Fim de parêntese.

Para fechar essa parte, quem tem os ouvidos afiados com certeza ficou de cabeça a mil com o trabalho nos detalhes musicais para fazer da trilha sonora de Bocchi The Rock parte do elemento narrativo do anime. Seja no último episódio com os improvisos da Kita e da Hitori quando a mizinha dela parte durante o show (a corda mais fina da guitarra) e o ritmo da guitarra base sustenta a performance para dar tempo da Hitori improvisar um solo com slide. Ou para puxar um pouco mais para trás, durante a audiência para o primeiro show da Kessoku Band, a direção foi longe a ponto de gravar uma das músicas da banda fora de ritmo para passar de propósito a sensação de que há algo errado com a banda naquele momento, para logo em seguida nossa Bocchi entrar com tudo com um dos solos mais arrebatadores da história dos animes. A mudança de ritmo da banda, da água para o vinho, se faz sentir mesmo nos detalhes na animação, mais vívida do que antes. E é de produção que falaremos agora.

ADAPTAÇÃO OVERPOWER

Vamos falar da produção de Bocchi The Rock, que foi o maior diferencial tanto da experiência de ter assistido o anime quanto de acompanhar o desenvolvimento da Bocchi. Comecemos por isto: a obra original já é um esculacho de competência. Aki Hamaji levou a sério seu hobby de ouvir bandas a ponto de aprender por si próprio a tocar instrumentos e estudar os locais onde as casas de shows ficam para poder criar um mangá sobre bandas que fosse o mais fidedigno possível. E não faltaram homenagens nesse meio tempo. Muitas homenagens mesmo! Tanto é que, assim como K-On pega o sobrenome de suas personagens emprestado da não tão conhecida banda P-Model, Bocchi The Rock simplesmente pega os sobrenomes de suas personagens emprestado dos membros do Asian Kung Fu Generation. Mas dá pra ver pelo vídeo marcado nesse parágrafo, que (tem continuação parte 2) que Aki Hamaji GOSTA de música. 

Em miúdos, a obra original já teria potencial o suficiente para ser um ótimo anime se sua adaptação seguisse o mangá à risca. Mas isto não foi uma opção para o time de monstros que decidiu fazer a adaptação mais overpower dos últimos anos. O nível de esforço e dedicação para florescer genuínos encantos em forma de animação é quase um milagre que só se vê de anos em anos, quando não de década em década, pois o exemplo mais imediato de animações espetaculares em cima de momentos prosaicos é Nichijou, de 2011. E que o final desta década não deixe esquecer o que vimos e sentimos com Bocchi The Rock em 2022, pois sua produção saía da zona de conforto a todo o momento e cada episódio era experimento atrás de experimento. Num momento você está assistindo um anime, de repente você está vendo um balão de verdade sendo estourado na mesma tela onde havia um frame de animação um instante atrás. Ou quando não uma animação em stop-motion (sim, stop-motion!) decide ilustrar o pânico de uma introvertida em ser obrigada a atender as atividades de educação física e sofrer a pressão do grupo. E por que não jogar a Bocchi num render 3D podre e jogá-la numa pilha de trecos, ou filmar na selva (vulgo, quintal) uma pelucinha da Bocchi em formato de polvo para explicar o modo de vida desta bichinha exótica?

O mais espetacular dessas excentricidades, que fruíram a muito custo, risco e suor é que elas narram como ninguém a jornada de Bocchi no emaranhado difuso e caótico de suas emoções ao longo desses 12 episódios, como se o trabalho exemplar de Yoshino Aoyama ao dublar nossa guitarrista ansiosa favorita não fosse o bastante, criando gritos agonizantes normalmente impossíveis para cordas vocais comuns.

UM PRESENTE DE NATAL E UMA TRISTE DESPEDIDA

Pode parecer presunçoso chamar Bocchi The Rock de O Anime do Ano, principalmente para os fãs de shounen de lutinha. Respeito a indignação. Inclusive, não negarei, estou amando o anime de Chainsaw Man. Sei muito bem que o futuro é pikachu. Sei disso tudo. Mas, como dito no começo, a experiência da comunidade otaku e de animação no geral com a estreia dos episódios de Bocchi The Rock foi algo simplesmente extraordinário, no sentido literal da palavra. Não tivemos coisa parecida durante o ano e não estou falando de algo tão whatever como “Ah, estas são as waifus da temporada”. Não. Estou falando do impacto de uma obra que num primeiro momento falou a ansiosos e introvertidos do mundo inteiro, falou a músicos num momento do mundo onde ser um rockstar já não faz tanto sentido do jeito como entendíamos um rockstar 20 ou 30 anos atrás (a palavra em si caiu muito em desuso) e que no momento de dizer adeus para até uma segunda temporada, absolutamente ninguém estava preparado para dizer tchau, tamanho o apego generalizado.

Por tudo isso e mais um pouco, teve gente atualizando top 10 melhores animes da vida, teve editor atualizando top 5 do ano, teve gente floodando a timeline do twitter com fanarts do anime (sim, culpado, perdoem-me), então motivos temos de sobra para dar os Cinco Suquinhos mais rápidos e sem pensar duas vezes que já se deu nesta coluna. E do lado de cá, sustento: Bocchi The Rock É sim, sem dúvidas, O Anime do Ano de 2022.

REVIEW
Bocchi The Rock!
Artigo anteriorRessaca Friends 2022 fecha o circuito de eventos com novidades!
Próximo artigoRomance Is a Bonus Book | Review
Eriki
Olá, sou o Eriki, redator do Suco de Mangá desde 2018, ex apresentador do Gole Otaku, programa semanal do Suco de Mangá sobre as estreias de animes da temporada, formado em História pela UFRJ e guitarrista da Matina Cafe, banda que se inspira no som do visual kei.
bocchi-the-rock-reviewA história gira em torno de Hitori Goto, apelidada de "Bocchi-chan", uma menina solitária do colégio que adora tocar violão e passa os dias tocando sozinha em casa. Por acaso, ela se junta à "Kessoku Band" liderada por sua baterista Nijika Ijichi. Ela não está acostumada a tocar na frente das pessoas, mas será que será capaz de se tornar uma grande membro da banda?