Uma vez me disseram que a essência de uma boa história está no espaço entre duas palavras – no silêncio. O mesmo valia para a música, a ideia era que ela é, nada mais nada menos, do que fruto da relação intrínseca entre o som e o silêncio. Ela se forma em intervalos e o silêncio, aqui, constrói. Diante desse raciocínio, o que acontece entre um piscar de olhos? Nesse espaço entre a luz e a escuridão? É aí que está a proposta de Before Your Eyes, jogo lançado em 2021 e desenvolvido pela Goodbye World que ganhou o prêmio Bafta de “melhor jogo para além do entretenimento”. Atualmente, está disponível para PC e mobile na plataforma de games da Netflix.
Então, Before Your Eyes é um game narrado em primeira pessoa em que você, o protagonista chamado Benjamin Brinn – um garoto prodígio e inventivo – deve navegar em suas memórias após a morte. Ajudado por um barqueiro misterioso, Ben deve revelar os acontecimentos de sua vida, a fim construir uma história que o permita passar para o “outro lado”.
A grande questão é como essa história irá seguir. A gameplay gira em torno dos próprios olhos, já que uma piscada na vida real é o que determina o progresso no jogo. Para isso, os desenvolvedores utilizam uma tecnologia que, pela câmera do dispositivo, permite identificar quando o jogador fecha os olhos. Durante essa ação, podem se passar segundos, mas, também, podem se passar semanas e até anos.
A Experiência
Esse é um bom exemplo de uma experiência interativa de storytelling e é por isso que, apesar de haver opções de jogar sem a câmera, a imersão está, justamente, em usar os próprios olhos. Parte do conceito está na vontade de resistir ao desejo de piscar para ouvir um pouco mais da história ou permanecer em momentos agradáveis, por exemplo. Dessa forma, a história e a gameplay andam juntas e o aproveitamento é maior.
O jogador pode fazer escolhas que afetam algumas minúcias da narrativa – que é majoritariamente linear. Dito isso, escolhas não são um ponto forte da experiência. O ponto forte está na escrita e na interpretação dos diálogos – há algo muito sincero ali, o tipo de banalidade que só se encontra quando não há presunção de discursos grandiosos. Às vezes as grandes histórias estão por trás dos conceitos mais simples.
Voltando a simplicidade, a estética do jogo é linda e surreal. É como um sonho: cores vivas, cenários, por vezes, enevoados. A sonoridade é fascinante, os sons “se movimentam” e tornam o mundo mais vívido. A trilha sonora é discreta, mas eficiente. Não quero falar muito dos personagens, porque não quero deixar passar mais do que deveria, então, só assumo que me apeguei a todos – não só por serem carismáticos, mas porque eles me pareciam reais o suficiente. O jogo é curto, mas permite rejogabilidade.
Assim, Before your eyes é a grande reflexão do que acontecem nos espaços entre as palavras, naquilo que ninguém fala. A narrativa é relativamente simples, a grande virada surpreende, mas não é sobre isso. É sobre a brevidade da vida, sobre aquilo que se passa diante dos nossos olhos – é uma narrativa de silêncios que, no fim, compõem a música. Para aqueles que gostam de histórias, é uma viagem praticamente obrigatória.