Vocês conseguem imaginar um meme, repetido à exaustão, convencer uma pessoa a assistir um anime? Lógico que já, não vou fingir que vivi uma experiência única. É isso mesmo o que aconteceu. Alguém muito apaixonado por Aria resolveu criar um perfil onde todo dia temos uma Akari correndo atrapalhada em meio a “Awawa awa awawawawawa awa”.

INTERESSE POR OSMOSE

Memes nos ensinam duas coisas: a primeira é que alguma dose de repetição, ao contrário do que boa parte dos pedagogos querem, realmente ajuda a criar o hábito e o aprendizado. É como musculação ou treinar algum instrumento. A segunda coisa que ensina, é que o mundo é vasto como o oceano. São muitas piadas internas, muitos nichos e muitos mundinhos paralelos impossíveis de serem conhecidos totalmente em apenas uma vida.

É desse tipo de surpresa que digo quando fui ver do que tratava-se Aria the Animation. A princípio, um anime “velho” (2005, tenho que admitir, são 16 anos, tá velho). Até aí tudo bem. Isso, claro, até perceber que tinha mais duas temporadas, uma delas com 24 episódios, mais um OVA e um filme (!) estreado agora em 2021 (!!!) cujo poster inevitavelmente “””spoila””” o decorrer das coisas, ainda que você olhe de relance, mas aí já é culpa nossa que pegamos o bonde já quase no ponto final.

Aria foi um caso de “fui pelo meme, fiquei pela emoção”. Foi uma surpresa das mais positivas e, como já tem um bom tempo que não escrevo nada para cá, resolvi seguir uma dica. Afinal, quem escreve sabe bem do que falo, mas não é todo dia que se escreve uma página de texto, muito menos passando 12 horas por dia na rua trabalhando. A dica que venho seguindo é essa: escreva daquilo que o coração está cheio.

Setembro foi um mês com uma temática importante, mas não menos pesada. E escrever em meio a esse clima pode te jogar num buraco sem fundo. Então enquanto eu vou cauterizando o assunto na gavetinha pouco a pouco, vamos falar um pouquinho sobre Aria.

SOBRE A FRANQUIA

Apesar de Aria ter essa longevidade toda, a premissa da franquia é bem simples. Num futuro distante, onde a colonização espacial virou realidade, o planeta Aqua é lar de Neo Venezzia, uma reconstituição da Veneza do nosso planeta Terra (aqui chamada de Manhome). É nessa cidade onde as Undines trabalham; gondoleiras que transportam turistas pelas belas águas de Neo Venezzia, com paisagens e monumentos que muito lembram a cidade original.

É aí onde mora Akari, aprendiz de Undine pela Companhia Aria, treinada pela melhor gondoleira de Neo Venezzia, Alicia (dublada pela voz estupidamente bela de Sakura Obata, a Irisviel de Fate). A menina sempre sonhadora e sempre vislumbrada com as coisas ao seu redor treina com outras duas meninas, cada uma delas pertencente a uma empresa concorrente: Aika, da Companhia Himeya e Alice, da Orange Planet.

A ambientação é gigantesca mas também neste caso, Deus mora nos detalhes. Não esperem de Aria um sci-fi. As gondolas em planetas extraterrestres são apenas um pretexto (pelo menos para a primeira temporada) para valiosas lições de vida e momentos emocionantes, como o prazer de receber uma correspondência de um ente querido e os sentimentos nela contidos, ou o carinho de quem é duro com sua educação por te ter em alta estima ou mesmo sobre a beleza de praticar o bem mesmo sem ninguém perceber. Essa lista são resumos bastante indignos da sensação de paz que cada episódio te dá, com situações cômicas e uma deliciosa trilha sonora inspirada numa bossa nova ao estilo do bom e velho João Gilberto.

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Imagem Divulgação

A PRECIOSIDADE DO TEMPO PRESENTE

Mas para ficarmos na lição mais impactante do The Animation, a primeira temporada de 12 episódios de 2005, temos aqui a situação onde Akari, Aika e Alice estão ouvindo histórias de suas respectivas senpais. Da reminiscência do passado à percepção do momento presente, trabalhoso e com menos tempo para encontrar suas amizades, Alice se entristece ao notar que um dia chegará a vez delas três se tornarem Primas (Undines mais experientes) e que os dias de treinamento, divertidos à sua maneira, chegarão ao fim.

É com uma sabedoria ímpar que Alicia lembra às meninas que seria mais triste ainda perder de vista a diversão dos dias de hoje tendo somente as diversões de ontem em mente. Os momentos alegres vem e vão, mas o que está sempre presente é o agora, esse instante único que carrega consigo uma alegria a ser sucedida por outra, mesmo em dias onde estaremos tristes e chateados (que segundo a Avó, a maior de todas as Undines e fundadora da Companhia Aria, são o tempero que ajuda a vida a parecer mais agradável).

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Imagem Divulgação

Não sei se sou eu que ando mais emotivo às mensagens positivas de animes slice-of-life (Hanayamata foi outra joia que emocionou igual, mas dele falaremos em outra ocasião), mas pode ser que uma reflexão sobre o tempo e o jeito como incorporamos nossa experiência com o tempo seja mais íntimo e ressoe mais em mim mesmo, como graduado em História que sou. Afinal, mais do que uma decoreba de nomes, datas e fatos, um historiador bem prezado tem a todo o momento o problema do tempo em mente. Como nos enxergamos cronologicamente? Como o dividimos? O quanto vale o nosso passado, o quanto o enxergamos e qual a distância de futuro que habita o nosso horizonte?

Para além de questões mais… filosóficas por assim digamos (Filosofia do Tempo é algo real e é a matéria prima de todas essas discussões), essa lição em Aria impacta a nós mesmos, pessoas ora depressivas com excesso de passado (e, por consequência, excesso de arrependimentos), ora ansiosas com excesso de futuro (e excesso de preocupações).  Pois o que está sendo chamado para a nossa experiência cotidiana é a contemplação, por um segundo que seja, do agora vivido. A preciosidade do tempo presente é evocada, coisa difícil pois quase intangível.

Certas ideias são mais tangíveis do que outras. O passado é a somatória de todas as experiências e ontens vividos guardados, vividos e esquecidos pela memória. O futuro é a especulação de todas as possibilidades e amanhãs prováveis e improváveis. E no meio disso tudo? Temos a experiência presente, mais difícil de ser apreendida, porque pode perder-se numa expectativa de um futuro vindouro ou num transe nostálgico.

O que Aria (também) acaba fazendo e fazendo bem, é convidar a nós que saboreamos cada experiência vivida com a atenção e o carinho que lhe é devido. Para que sempre possamos falar “Aqueles também foram bons tempos”, ao invés de “Aqueles foram bons tempos”.

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Imagem Divulgação

Encerro aqui meu recorte. Ainda temos três temporadas e alguns longas de Aria pela frente, onde só então poderemos ter alguma real noção dessa joia que habita o tesouro do mundo dos animes. Até breve!