Uma das pioneiras no ramo de mangás no Brasil está de volta! A Editora Conrad voltou depois de um período de hiato com uma publicação pra quem curte contos de fada e folclore. Sendo assim, hoje vamos falar de A Noite da Princesa Uriko, A Manhã da Cinderela e outros contos reimaginados neste review.
Quem escreveu a obra foi Daijiro Morohoshi, no ano de 2016 e ela chegou quentinha em solo brasileiro. Assim, a proposta da publicação é mostrar contos que nós já conhecemos pela perspectiva do autor, com histórias inéditas e cheias de criaturas fantásticas.
Então, sem mais delongas, vamos ao que interessa!
Princesa Uriko e Amanojaku
A primeira história do mangá mostra a vida de Uriko, uma miko — um tipo de sacerdotisa que fala sobre o futuro da colheita — de uma mansão. Certa noite, Amanojaku — um espírito levado da floresta — invade a casa de Uriko e os dois se conhecem.
Ambos curiosos com a presença do outro, Amanojaku concorda em levar Uriko até a floresta, onde a garota tenta ouvir as histórias dos espíritos que lá habitam. No entanto, por ser filha de humanos, eles se recusam a falar perto dela, fazendo com que Uriko volte todas as noites para ouvir o que eles têm a dizer.
A verdade, porém, é que Uriko busca informações sobre o tempo e a colheita para cumprir seu papel de miko. Afinal, o deus que a orientava já não está mais ao lado dela. Nesse contexto, Amanojaku se aproveita para pregar algumas peças na mansão e só assim percebe a verdadeira amizade que tem com Uriko.
Então, juntos eles tentam achar uma solução para o destino de Uriko, mesmo que isso quebre as regras dos humanos e dos espíritos.
Primeiro de tudo, falo como essa história é rica de informações sobre o folclore japonês. Diversas criaturas, espíritos e entidades aparecem nela, todas devidamente explicadas com as notas que a Conrad deixou para os leitores.
Em relação ao enredo, achei que o final terminou em aberto, mas não precisamos pensar muito para deduzir o que aconteceu. Como um todo, a história é envolvente e tem um toque de humor peculiar, uma boa escolha para abrir o mangá.
O quarto proíbido
Agora, com um enredo bem menor, essa história levanta uma suspeita comum no folclore japonês: seria tudo uma peça pregada por uma raposa?
Pois bem, em O quarto proíbido, um homem simples chamado Yohei é casado com uma mulher exuberante e perfeita dona de casa. Com ela, Yohei não precisa cozinhar, arrumar, limpar. Ele apenas precisa sentar e beber seu chá enquanto ela cuida de tudo. Porém, há uma condição: Yohei não pode abrir a porta da despensa.
Até que, certo dia, ele volta mais cedo para casa e não encontra sua esposa. Sem saber o que fazer na falta dela e curioso com o mistério, ele abre a porta proíbida. Então, atingido por uma enxurrada ele vai parar em outra época, com outra casa, mas ainda com uma esposa linda e dedicada.
Estaria ele sonhando ou seria tudo obra de uma raposa?
Bom, como falei é uma história mais curtinha, mas bem interessante. Assim como na anterior, o final fica um pouco aberto a interpretações, sendo um tanto inesperado.
O sapato de Cinderela
Agora, esse conto nós conhecemos melhor, certo? Bem… sim e não. Como o próprio nome do mangá já diz, é A Noite da Princesa Uriko, A Manhã da Cinderela e outros contos reimaginados. Isso mesmo, reimaginados.
Então, nessa história a protagonista realmente é a Cinderela, perde seu sapatinho, tem duas irmãs, ela encontra um príncipe, mas é completamente diferente do conto de fadas que conhecemos.
Aqui, Cinderela percebe que perdeu seus sapatos — que não são de cristal — no dia anterior e volta ao castelo para procurá-lo. No entanto, ela trabalha no castelo como uma das secretárias do príncipe e precisa recuperar seus sapatos para não passar pela desonra de ficar descalça.
Assim, vasculhando o lugar inteiro e perguntando para algumas pessoas, ela pede a ajuda de um cavaleiro para ir até o achados e perdidos do castelo. De acordo com alguns boatos, lá tem um dragão escondido e eles terão que enfrentá-lo para conseguir procurar pelos sapatos. Porém, Cinderela e o cavaleiro vão descobrir que nem tudo é o que parece.
Sim, você leu tudo certo. O príncipe tem secretárias, existem jogos de computador e o castelo tem um achados e perdidos. Esse conto faz uma mistura diferente e curiosa entre o moderno e o clássico, resultando numa história engraçada e cheia de voltas.
Achei a Cinderela meio chatinha, mas os outros personagens compensam em carisma.
O parceiro fuliginoso do Diabo
Por sua vez, esse conto tem temas um pouco mais pesados, abordados de forma indireta. Aqui, uma garota conhece um viajante que diz ter vindo do inferno, procurando uma hospedaria. Não demora muito para os dois se aproximarem e criarem um vínculo de intimidade e amizade.
No entanto, depois de diversos abusos e uma tragédia, eles se reencontram no inferno, onde o viajante proibe a garota de olhar dentro da enorme caldeira que mantém aquecida. É claro que ela desobedece e acaba vendo coisas além do que pode acreditar e suportar.
Com isso, muda o rumo da sua história, mas acaba sendo expulsa do inferno.
Como eu falei, O parceiro fuliginoso do Diabo traz bastante violência — não necessariamente explícita — e assuntos sensíveis. Tem um toquezinho de romance, mas que fica quase escondido no meio de todo o resto. Enfim, uma mistura de chocante e intrigante, é uma história no clássico estilo dos Irmão Grimm.
Zhu Qing
No último conto do mangá temos uma história baseada na obra Contos Estranhos, do autor Pu Songling que viveu entre 1640 e 1715, durante a dinastia Qing.
Em Zhu Qing, conhecemos Yu Ke, um viajante que não consegue voltar pra casa e agora está quase morrendo de fome. Salvo pela misericórdia de criaturas misteriosas, o Rei Wu concede ao rapaz um lugar na Unidade de Trajes Negros. Assim, Yu Ke agora pode se transformar em corvo e agir a serviço do Rei.
Nessa função, ele conhece Zhu Qing, uma corva que busca a verdade sobre um terrível assassinato que ocorreu anos atrás. Começando a se aproximar dela e intrigado com a história, Yu Ke ajuda Zhu Qing a descobrir quem é o assassino. No entanto, a dedicação dele o leva para longe e ele não poderá poupar esforços para investigar a verdade e ver Zhu Qing novamente.
Também é um conto bem comprido, mas tem muito conteúdo pra entregar. Afinal, é uma história complexa sobre dever, família e justiça. Ainda, tem a sua dose de romance, mas foca no desenrolar dessa investigação e do desencontro dos dois corvos.
De todas elas, acredito que seja a única ambientada na China, o que trouxe uma boa gama cultural para o mangá. Além disso, acho que foi a história que teve o final mais feliz da publicação. Eu gostei e acho que ela por conta própria daria enredo suficiente pra um mangá inteiro.
A Noite da Princesa Uriko, A Manhã da Cinderela e outros contos reimaginados
Em relação ao mangá em si, a Conrad voltou com tudo. Não decepcionou na qualidade da impressão, das páginas e da tradução, assim como a riqueza das explicações ao longo das histórias.
O mangá tem sobrecapa colorida e capa num tom de azul maravilhoso, apostando numa pegada mais sóbria e acertando em cheio. Também, acompanha um marcador de páginas no mesmo estilo da capa.
Sobre a obra de Daijiro Morohoshi, ele não economiza personagens e mistura a cultura oriental com a ocidental. Alguns contos e personagens eu já conhecia, outros conheci por esse mangá. De qualquer forma, mesmo os conhecidos por mim ficaram inéditos quando contados por Morohoshi.
Algo que gostaria de pontuar é sobre o traço do mangaká. Ele é bem característico e diferente dos mangás mais populares que lemos. Além disso, Morohoshi também não economizou nas hachuras (conjunto de traços pra desenhar sombras). Particularmente (e deixo isso bem claro), não sou tão fã assim desse estilo, mas é uma opinião pessoal.
Ainda, no final do mangá tem uma nota do autor, falando um pouco sobre o processo de criação da obra.
Conclusão
Creio que a Conrad acertou quando escolheu essa publicação para fazer o seu retorno. Afinal, ela é indispensável pra quem gosta de mangás e quer conhecer mais sobre o folclore japonês.
Além disso, eu gostei da ideia de reescrever contos ocidentais com uma visão oriental, resultando na mistura incrível de Cinderela. Enfim, é um mangá relativamente pequeno, fácil e gostoso de ler, então não deixe de conferir A Noite da Princesa Uriko, A Manhã da Cinderela e outros contos reimaginados.