Eriki
    Eriki
    Olá, sou o Eriki, redator do Suco de Mangá desde 2018, ex apresentador do Gole Otaku, programa semanal do Suco de Mangá sobre as estreias de animes da temporada, formado em História pela UFRJ e guitarrista da Matina Cafe, banda que se inspira no som do visual kei.

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    The Fire Hunter (Hikari no Ou) | Review

    O anime a seguir é um exemplo de que nem sempre a nota define qualidade. Ou, por outra, que nem sempre fugir à norma resultará em algo ruim. The Fire Hunter (daqui pra frente “Hikari no Ou”) foi uma estreia de 2023 dividida em duas partes. Sendo que a segunda terminou recentemente com outros animes que brilharam bem mais, como Frieren e Kusuriya no Hitorigoto.

    A intenção desse review não é dar uma de hipster e dizer que “’akshually’, Hikari no Ou foi o melhor anime da temporada”. Nada disso, este texto é sobretudo modesto. Ele é quase uma súplica. É tipo aquele seu amigo na balada que não é lá um galã de novela, mas é bom sujeito, assim você tenta convencer aquela amiga a dar uma chance para ele.

    Então, se minhas analogias conseguiram fazer algum sentido ao leitor e à leitura, tratemos de Hikari no Ou!

    Um mundo sem chamas

    Hikari no Ou se passa num mundo onde a humanidade está proibida de entrar em contato com o fogo. Algo aconteceu que fez com que as pessoas passassem a entrar em chamas ao chegar perto do fogo, num processo violento e contagioso de combustão espontânea.

    Ao mesmo tempo, bestas começaram a surgir pelo mundo, que quando mortas deixavam uma resina. Essa resina é capaz de gerar energia semelhante ao fogo, que agora os humanos não podem ter contato. Eles são os Demônios do Fogo.

    Neste novo mundo, a energia para as tarefas do dia a dia e a sobrevivência dos vilarejos ficou nas mãos de caçadores de bestas. Por sua vez, eles arriscam suas vidas para trazer o sustento do lar. São famosos como “Caçadores de Fogo” e sempre carregam uma foice à mão e um cão de caça para ajudá-los nas lutas do dia a dia.

    Nesse contexto, conhecemos Touko. Uma menina de um vilarejo em meio a tantos outros, isolados entre si, ligados por um vagão de trem que passa de tempos em tempos para trazer mantimentos e nutrir algum comércio entre territórios distantes.

    Assim, conhecemos Touko em meio ao perigo, por ter imprudentemente saído de seu vilarejo. Uma besta acaba perseguindo-a e um caçador interfere e salva sua vida, sacrificando-se no ato heróico. Então, quando ele morrer deixa sua foice e Kanata, seu cão de caça. Touko leva o animal de volta para sua casa, que insiste que ela viaje até a capital para devolver a foice à família do falecido caçador.

    Um anime em núcleos

    Nesse cenário, a narrativa de Hikari no Ou é multifacetada, como uma novela das nove dividida em vários blocos. Porém, entre alguns desvios, a história é dividida, a grosso modo, do ponto de vista de Touko, a menina salva pelo caçador, e Koushi, filho deste caçador que mora na capital.

    A capital é uma cidade distoante dos outros vilarejos, talvez por ser o único centro urbanizado que restou deste mundo aleijado pela ausência de fogo. Também, ela revela o lado mais distópico da trama, onde as pessoas tiram o seu ganha pão do chão insalubre das fábricas, que ceifa a saúde de seus habitantes pouco a pouco.

    Koushi, o segundo protagonista, é um garoto que vive à deriva na cidade após a ausência de seu pai e da morte de sua mãe doente. Junto de sua irmã Hinako, Koushi é acolhido na mansão da família Okibi, onde Yuoshichi, seu patriarca, oferece ao menino a oportunidade de uma vida mais confortável e um tratamento para sua irmã doente.

    Em troca, Koushi usa sua inteligência para um projeto que pretende usar os trovões como uma nova fonte de energia.

    Então, enquanto Koushi avança em sua pesquisa e descobre mais sobre os segredos da capital e seus soberanos, a viagem de Touko rumo a capital é uma saga à parte. Afinal, os Demônios do Fogo que habitam as florestas são uma ameaça à vida de todos que se aventuram para fora da segurança de seus vilarejos.

    Nesse caminho, a menina conhecerá pessoas que darão mais peso à trama e descobrirá seu próprio lugar na trama dos Caçadores de Fogo. Inclusive, lugar que ela mesma desconhecia.

    A primeira temporada segue esse ritmo até a chegada de Touko na capital e a eventual descoberta por trás da catástrofe que afetou pra sempre a humanidade.

    De deuses e Shinto: a originalidade de uma pobre produção

    Neste ponto do texto, vamos a uns leves SPOILERS. Falar do tema que move a história de Hikari no Ou já envolve um leve spoiler da trama.

    Eu aviso porque, apesar da animação esquisita, na melhor das hipóteses, e tosca na menos generosa das hipóteses, Hikari no Ou tira leite de pedra com uma ótima condução narrativa. Isso em grande parte graças ao trabalho em conjunto do diretor Junji Nishimura (Ranma 1/2) e de Mamoru Oshii, responsável pelos clássicos Tenshi no Tamago e Ghost in the Shell, que ficou encarregado dos scripts do anime.

    Assim, o resultado final consegue extrair o melhor da trama original de tal modo que as revelações dados pelo próprio anime não se comparam a uma explanação de um review. Por isso, volto a recomendar essa experiencia em primeira mão.

    Questionamentos e hipóteses

    Por trás do desastre que deixa a humanidade vulnerável ao fogo há um questionamento. E se a tecnologia destrutiva que a humanidade criou virar a razão de sua própria ruína?

    De certo modo, o motor da trama de Hikari no Ou não difere assim de uma preocupação com questões nucleares. Que, inclusive, foram a razão do nascimento de um dos clássicos do cinema, o Godzilla.

    E ao se exceder em seu próprio ímpeto destrutivo, a humanidade perdeu uma das razões de seu desenvolvimento como espécie: o fogo. Como ela viveria nessas circunstâncias?

    Desse cenário hipotético, Rieko Hinata — a autora da novel da qual se baseia o anime — dá asas à imaginação e faz girar a roda de sua trama distópica. Então, se pararmos para pensar bem, não é tão diferente assim de uma trama de j-rpg.

    De um vilarejo, uma menina embarca em uma jornada, em que no final se enfrentam deuses e seres místicos. Seu típico j-rpg numa casca de noz.

    Religiosidade

    No entanto, o diferencial em Hikari no Ou mora numa qualidade muito sutil. O quanto a trama absorve elemento do xintoísmo para a elaboração de suas divindades. Para citar dois exemplos, Tayurahime e Tokohanahime, as duas maiores divindades do universo da trama.

    A primeira e portadora da Chama Cintilante, que rege sobre todas as coisas e dá ao Caçador que a obtiver o título de Rei dos Caçadores de Fogo (literalmente, Hikari no Ou).

    A segunda, com o seu sacrifício no fogo, forja a primeira foice que dá origem aos Caçadores de Fogo.

    Assim, a elaboração tanto de seus nomes como de seus mitos se muito assemelha às histórias contadas pelo Kojiki. Ou seja, o livro que funda o Japão no século VII e dá detalhes de seus mitos fundadores, de Izanagi e Izanami e sua descendência até a família imperial japonesa.

    As semelhanças estão lá, sutis, mas são bem elaboradas de tal modo que até a fraqueza principal desses deuses — o sangue humano — tem origem em um elemento xintoísta. Afinal, o sangue sempre foi visto como um elemento de impureza no xintoísmo, a ponto de em certos momentos da história japonesa, os filhos de um imperador não podiam nascer nas dependências do palácio imperial, mas num lugar à parte, apropriado para o parto.

    Então, dá pra dizer que a autora planejou essas inspirações de forma consciente? Seria presunçoso de minha parte dizer que sim. Porém, os elementos narrativos, a construção dessas divindades antagônicas e a estética de época incorporada nestes que usam vestes da nobreza Heian japonesa apertam demais os botões de quem convive e estuda apaixonadamente esses assuntos.

    Conclusão: um anime com começo, meio e fim

    Hikari no Ou foi serializado numa novel em quatro volumes. Isso permitiu que o anime pudesse fazer algo que pouquíssimos têm o luxo de fazer: ter começo, meio e fim.

    Claro que há motivos plausíveis da própria indústria de animes em querer que uma obra seja serializada ao infinito e além. Por exemplo, como Boku no Hero ou One Piece. Dá pra entender que existem histórias grandes demais para acabar, para o bem e para o mal.

    Contudo, é muito prazeroso poder ver uma história bem concluída como Hikari no Ou. Touko entra para esse rol de protagonistas femininas que, apesar da demanda, quando vem fica obscurecida. Inclusive pelas próprias pessoas que as demandam internet afora.

    Fato é que Hikari no Ou não é um anime para todo mundo. É preciso uma dose generosa de boa vontade para engolir sua animação. Você pode ate dizer que ele é um anime “mal animado”, o que seria mais um problema de orçamento do estúdio do que de competência. Porém, definitivamente não dá pra dizer que é um anime mal escrito.

    Quem der essa chance terá a oportunidade de assistir um enredo original que foge às formulas do romcom, slice-of-life, shounen de lutinha e do isekai. Sem demérito a nenhum deles, claro. Mas, convenhamos que originalidade em anime está em alta demanda e sempre é bem-vindo!

    Por isso, ficamos com 3 suquinhos para o anime. Seria 2, não fosse a história excelente e bastante original que carrega o anime nas costas!

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    SINOPSE

    Após a última Grande Guerra, o mundo é coberto por uma floresta negra habitada por demônios de fogo. Os sobreviventes da guerra, vivendo em pequenas áreas protegidas por barreiras, foram infectados por um patógeno que os faz entrar em combustão espontânea na presença de fogo comum. O único "fogo" seguro, a única fonte de luz e calor que podem usar, vem dos demônios capturados na floresta. E quando os caminhos de uma garota do campo e um jovem da capital se cruzam, um novo destino se abre para eles.
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    Olá, sou o Eriki, redator do Suco de Mangá desde 2018, ex apresentador do Gole Otaku, programa semanal do Suco de Mangá sobre as estreias de animes da temporada, formado em História pela UFRJ e guitarrista da Matina Cafe, banda que se inspira no som do visual kei.

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