Dezesseis anos depois de sua primeira estreia em 2008, Spice and Wolf voltou para um remake digno da altura de seu material original. A light novel de Isuna Hasekura, que estreou em 2005, lançou seu 24º e último volume em janeiro de 2023.
Com uma história que, mesmo incompleta, nos deu um anime inesquecível em 2008, a mesma equipe de produção e os mesmos dubladores de dezesseis anos atrás voltaram para um novo e revigorado Spice and Wolf.
De cara nova
Praticamente não se viu burburinhos sobre os novos visuais do novo Spice and Wolf. O estilo dos anos 2000, agora nostálgico, jamais passou por menosprezos. Ainda mais se tratando de Holo, uma das protagonistas mais carismáticas possíveis.
Do modesto estilo imagine, o remake passou para as mãos do estúdio Passione, responsável por bons animes como Mieruko-chan, Ishuzoku Reviews, Hinako Note e Citrus. Além disso, a direção permaneceu nas mãos de Takeo Takahashi, que também trabalhou no primeiro anime de 2008.
Enquanto a cara do anime é nova, sua história segue não só idêntica, como ainda mais fiel ao original. Assim, esta versão é mais longa, com 25 episódios, enquanto a primeira versão se ateve a 13 episódios.
Com aproximadamente quatro arcos, a recomendação aqui é que a melhor hora para assistir Spice and Wolf é agora que acabou. Afinal, os cliffhangers constantes a cada episódio deixaram o anime um tanto difícil de assistir semanalmente. Na hora que o episódio engata, acaba. Resumindo, é ótimo para maratonar.
Mercadores, banqueiros e raposas da Idade Média
Spice and Wolf conta a história de Lawrence e sua companheira de viagem, Holo, a Loba Sábia. O cenário do anime está aparentemente saturado pelo tanto de animes, mangás e light novels, sejam isekai ou fantasias, que se passam em vilarejos medievais. Porém, ao invés do grupo de heróis, o rei demônio e a guilda de aventureiros, temos as carroças, os mercados e os dinheiros.
Lawrence é um vendedor itinerante. Indo de lá para cá, comprando e vendendo itens de acordo com a tendência da vez e a demanda de cada lugar, na mesma lógica do “comprar barato para vender caro”.
Numa visita à cidade de Pasloe, Lawrence e sua carroça cheia de peles conhecem a lenda do festival das colheitas de trigo, onde uma loba prometeu boas safras a um morador local. Uma lenda que no começou rendendo venerações à loba Holo, mas que com o passar dos tempos caiu ao relento, rebaixada a um mero festival anual, até eventualmente uma crendice.
Saindo de Pasloe, Lawrence é surpreendido pela visão de uma garota nua dormindo entre as peles; uma garota com rabo e orelhas de lobo. Ali Lawrence e Holo se conhecem. Um homem de negócios, mundano e uma loba sobrenatural, mas de uma astúcia lupina tipicamente humana, que casa bem com o cinismo típico de um homem de negócios.
Desse encontro inusitado nasce uma química bastante envolvente. Que agrada não só aos fãs compulsórios de casais, mas também àqueles poucos que se sentem bem em ver um laço humano se firmando de pouquinho em pouquinho.
As minúcias históricas
O subtítulo anterior foi uma menção ao livro do historiador francês Jacques Le Goff, “Mercaodores e Banqueiros da Idade Média”. O assunto foi uma paixão deste redator durante a faculdade e o escopo de Spice and Wolf cai como uma luva no escopo do livro do historiador.
Este não é um anime histórico. Antes, a obra escolhe algo ainda mais fascinante: usa a ficção como palco de práticas comerciais e crenças perfeitamente plausíveis nas cidades medievais.
Numa época em que as nações ainda não existiam e o mundo era dividido em vários reinados, o dinheiro era algo bem mais vasto e desordenado do que nos dias de hoje, quando as moedas são bem delineadas entre casas de câmbio espalhadas mundo afora.
Isso não quer dizer que as pessoas não usavam dinheiro. Apenas que o escambo, ou a troca de produtos por outros produtos, fosse algo mais comum do que hoje em dia. Essa é uma das realidades do dia a dia de Lawrence, que conta seu patrimônio não só pelo dinheiro que tem, mas pelo dinheiro que pode fazer com o que já tem.
Esse parágrafo pareceu chato? Pois o assunto é. E espanta como Spice and Wolf consegue fazer tanto sucesso com uma trama tão desinteressante: economia. A economia não é emocionante, não tira o ar dos pulmões, não te deixa em extase como quando um shipp está prestes a beijar.
Porém, talvez seja justamente o entrosamento tão único entre Holo e Lawrence e uma escolha de ritmo inteligente entre os momentos mercantis e o desenvolvimento da relação dos dois que faz com que Spice and Wolf tire leite de pedra.
Teoria dos Quatro Humores
Se é nos detalhes onde Spice and Wolf brilha como um anime histórico, esse fato fica ainda mais pujante num momento bastante banal e que passa facilmente desapercebido. Quando Holo pega uma gripe e Lawrence corre para os livros a fim de descobrir o melhor jeito de tratá-la.
Ali, o anime nos apresenta a sua versão da Teoria dos Quatro Humores, lindamente explicada por Erwin Panofsky em seu “Significado nas Artes Visuais”. Teoria essa que começa nos gregos e vira a principal noção dos medievais sobre psicologia e saúde humana.
Entre sanguíneos, melancólicos, fleumáticos e coléricos, os medievais acreditavam que as doenças vinham do desequilíbrios destes humores que habitam cada um de nós. Por isso Lawrence é tão meticuloso em escolher os ingredientes certos e a comida certa para alimenter o corpo quente de febre da Holo.
Conclusão
Claro, os detalhes históricos e seu interesse são bem nichados. Pouco importa como funciona o crédito no que parece ser um simulacro dos tempos provincianos da Itália Renascentista. Em Spice and Wolf, Holo é life. O charme, seus maneirismos, sua fala e seu comportamento imprevisível seguram os olhos de quem quer que assista. Assim era verdade em 2008, assim é verdade em 2024 e assim será verdade na segunda temporada, que já está confirmada!
Assim termino este review, com nota máxima. Porque seja na interpretação, seja nos visuais, seja nas músicas de gigantes como ClariS e Aimer, Spice and Wolf é um anime obrigatório na lista de quem quiser ver os melhores lançamentos de 2024!