Sentar para jogar Spec Ops: The Line é uma coisa engraçada… Não, na verdade, não é.
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[AVISO] Este texto pode conter spoilers.
Admito que esteja mal acostumado, incrivelmente mal acostumado. Criado a base de leite com pera (Call of Duty) e ovomaltine (Battlefield), fui moldado a acreditar que, games de tiro não contém uma boa história, pelo menos, os shooters de guerra.
Isso já exclui da lista Portal e Half-Life, mas nenhum conseguiu me cativar, talvez o mais próximo tenha sido Modern Warfare, mas mesmo assim, a história é fraca, é irrelevante, é só mais um típico jogo aonde somos os mocinhos, combatendo qualquer tipo de mal que venha a se apresentar, ostentando qualquer bandeira que seja, ou nenhuma, são só rostos inexpressíveis, vidas que foram trilhadas para o meu divertimento puro.
Dito isso, posso te nortear onde meus pensamentos estavam na primeira vez que vi um lugar vazio no menu principal, mas que logo, ganharia alguém ali, mas por enquanto, era só um lugar vazio, em algum lugar com areia. Irrelevante.
Logo sou introduzido ao Coronel Joseph Konrad, um militar cuja missão humanitária e de seu esquadrão, os Damned 33rd, seria zelar por Dubai, uma das maiores e mais belas cidades do mundo, daquilo que viria a ser seu fim, provindo do deserto.
Uma tempestade de areia tão forte capaz de destruir prédios. A evacuação foi um fracasso, sabemos disso pelas palavras do próprio, revelando não estar morto e com isso, me vejo no papel do capitão Martin Walker, ao lado do tenente Adams, um afro-americano especialista em explosivos e o sargento Lugo, o grande comediante no grupo.
Tinha tudo para ser só mais um jogo sobre como os Estados Unidos e seu exército estão aqui para nos proteger da grande besta que é…
… Eles mesmos?
Em algum ponto da minha partida, conforme adentramos mais e mais adentro da decrépita Dubai, menos eu lutava contra rebeldes, e mais eu atirava em… Americanos. Dentro de Dubai, conforme a fome e a sede acossavam os sobreviventes, a Lei Marcial foi imposta.
Parte da Damned 33rd não aprovou, tornando-se assim, os Exilados, e Walker… Ou melhor, nós mesmos, estamos bem no meio dela, entretanto, assim como Walker, eu não me importava tanto, apenas queria finalizar aquele jogo, chegar ao objetivo nobre, que era salvar os civis, ser o herói, então, não fazia questão nenhuma de saber se eram americanos ou árabes, mas Adams e Lugo sim.
Quanto mais eu avançava, mais vidas eram tiradas, mais corpos pra trás eu deixava para trás. Até chegar ao ponto de eclosão, turning point.
Civis aparentemente estão sendo levados pelos cruéis americanos, a única forma de salvar eles é… Usando um composto químico altamente incendiário, conhecido como Fósforo Branco.
Não estou questionando, se é isso que deve ser feito, que seja, mas algo está errado e sou levado a ver que, dentre os soldados, que berram pelas suas vidas e um ousa a nos confrontar ‘’Por que? Nós somos os bons!’’, me deparo com uma cena retirada de Guernica de Pablo Picasso. São inocentes, mortos. Uma mãe com seu bebê nos braços.
Lugo me acusa de ter nos transformado em assassinos, mas isso foi obra do Konrad, ele nos obrigou. Nossa missão não é mais os civis, é assassinar Joseph Konrad, pelos seus crimes.
Algo mudou. Agora loadings, antes com dicas, agora, tinham mensagens confusas. ‘’Quantos americanos vocês mataram hoje?’’, ‘’Você se lembra do por que veio aqui?’’, ‘’Você continua uma boa pessoa’’. O que isso quer dizer?
O jogo avança, descobrimos as mentiras que a CIA pretendia ao matar todos os sobreviventes, para que o mundo não soubesse os crimes que os americanos cometeram contra vidas árabes, avançamos atrás da dor, do sofrimento, por mais que Adams e Lugo não aguentem mais, e quando achei que nada poderia piorar, junto com as alucinações de Walker, John Lugo é enforcado por civis revoltosos em resposta ao suprimento de água destruído… Por mim.
Escolhas binárias. Atirar neles ou assustá-los. Não, eu gostava de Lugo, havia se tornado a minha consciência, mesmo que Konrad estivesse cada vez mais nos pressionando, nos obrigando.
Eu escolhi matar cada um deles.
Horas se foram, Adams já não é mais o mesmo tenente fiel que acreditava em mim, o jogo já tinha deixado de ser divertido, já não havia mais graça em atirar, eu não me sentia mais um herói, aquilo já tinha ido longe demais, porém, um passo de cada vez, mesmo que a dor fosse algo palpável, continuamos através do fogo.
Naquele ponto, eu, o jogador, não estava mais confortável. Isso não é Call of Duty, não há glória, nem recompensas, então isso é a guerra? É isso que queriam me dizer?
Avançando, mesmo com Adams se sacrificando para que Walker pudesse terminar a missão, já não havia mais volta para nenhum de nós. Lugo estava morto, Adams também e Walker já não tinha mais sanidade capaz para discernir real de fantasia, mas chegamos a Konrad. Finalmente, vou atirar na cabeça dele, é isso, isso é o que me resta, é isso que eu tenho que fazer.
Mas não é isso que eu recebo. Konrad está pintando um quadro, eu e Walker conhecíamos bem. Eram os inocentes que matamos com o fósforo branco, são 47 deles… São 47 vidas que eu tirei. Joseph Konrad já não estava mais vivo quando cheguei, estava morto, apodrecido, então, era tudo a mente de Walker.
Precisamos culpar alguém pelos nossos atos, pela nossa própria selvageria e escolhemos um morto para isso, por mais que defendemos, Konrad é implacável em mostrar nossa culpa, e quando digo nossa, eu me incluo nisso. Cúmplice daquilo do momento aonde vi tudo acontecer e permaneci jogando.
‘’Precisa ser um homem forte para negar o que está bem a sua frente, e quando a verdade é inegável, você cria a sua própria. ’’
Konrad ataca a nós, jogadores, no ponto mais delicado nosso ego, dizendo que não somos. Heróis. Em algum ponto durante o colapso ao ver as mortes dos civis, algo dentro de Walker quebrou e nos trouxe até aqui.
E no final, eu entendi o que Spec Ops: The Line queria dizer, as perguntas que ele queria fazer a mim como jogador.
Por que é necessário matar pessoas? Você gosta de matar pessoas? Quantas pessoas precisam e devem morrer para se alcançar seu objetivo nobre?
Suas decisões, por mais que guiadas pela moral e bem intencionadas, valem a morte de inocentes? Eu não tinha respostas aquela perguntas. Nunca tive e ainda não as tenho.
Banalizamos a violência, glamorizamos sangue, morte e sofrimento, não olhamos de forma crítica esse mercado de videogames que se vendem pela proposta de matar pessoas, mesmo que elas não existam.
Fechamos os olhos para a violência do mundo real e somos hipócritas de repudia-la, mas quando temos o controle e somos munidos da desculpa de seremos salvadores, temos capacidade de cometer atrocidades.
Konrad me obriga a decidir, entre ‘’matar’’ ele, me deixar ser morto por ele ou me matar, mas caso opte pela morte do coronel, ele nos profere votos de certa esperança. Mesmo apesar de tudo, de todo o horror e toda a morte, ainda podemos voltar para casa.
Ainda posso desligar meu computador, jogar uma água no rosto e fingir que nunca conheci Martin Walker, mas isso é mentira. Martin Walker e eu, somos a mesma pessoa no momento onde estive no controle dele.
Matar Konrad lhe confere um epílogo, mas não antes, nos dar uma última mensagem, uma última tela de loading, de Martin Walker num rio de sangue, com a legenda embaixo: “To kill for yourself is murder. To kill for your government is heroic. To kill for entertainment is harmless.” (Matar por você mesmo, é assassinato. Matar pelo seu governo, é heroico. Matar por entretenimento é inofensivo.)
Depois da queda de Walker, Adams e Lugo, eu não me sinto mais um herói.
Spec Ops: The Line está disponível na STEAM, Playstation 3 e Xbox 360.
Texto por André Arrais