Enfim, terminou a segunda temporada de Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu. A obra adaptada do mangá de Haruko Kumota (Madobe no Kimi) foi exibida em duas temporadas, totalizando 23 episódios, a partir da temporada de Inverno de 2016.
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Nesses meses, sofremos, choramos, tememos, rimos e vibramos com as experiências de três gerações de artistas de rakugo que carregaram o destino dessa arte japonesa nas costas. Não, não se trata pessoas reais; estou falando aqui dos personagens Sukeroku, Kikuhiko, Miyokichi, Yotaro e Konatsu, além de seus muitos parceiros e apoiadores, entre descendentes e colegas da família, que mesmo não existindo concretamente deram nova vida à arte do rakugo no Japão e divulgaram-na pra pessoas do mundo inteiro.
O que é rakugo?
Pra começar, o que é o rakugo? Trata-se de uma arte japonesa em que um artista senta-se em um palco, usando vestes específicas e segurando um leque e, sem tirar os joelhos da almofada sob si, representa uma história de comédia ensaiada previamente.
A arte existe há séculos no Japão, viu seu apogeu no começo do século XIX, e depois tornou a desaparecer. Mas existiam muitas pessoas que gostavam dessa arte, claro, e que dependiam dela até para sobreviver; os pequenos aprendizes que chegam na casa do Yakumo do começo do século XX, ainda antes da Segunda Guerra Mundial, certamente era dessas. Crianças que tem no rakugo uma tábua de salvação, e eventualmente uma maneira de auto-expressão e um fio que une e orienta suas vidas.
Desenvolvimento de personagens
Ao longo da primeira temporada do anime vimos os pequenos se tornarem jovens, e daí adultos; guiados por Yakumo, cada um desenvolve o seu estilo e se torna um artista de rakugo digno de transmitir a arte para as próximas gerações. De um lado, o expansivo Sukeroku; de outro, o conturbado Kikuhiko. Mas não só de trabalho se faz a vida – uma terceira, a gueixa Miyokichi, balança os sentimentos da família de artistas de rakugo.
Na segunda temporada, a descendente Konatsu já é adulta, bem como Yotaro, que pede para ser aprendiz do mestre e dar continuidade à arte. E então eles vão preenchendo as lacunas que ficaram na primeira temporada.
Profundidade na trama
Apesar de a história girar desde o princípio em torno da narrativa de um narrador-personagem tão duvidoso quanto um Bentinho, e apesar de sermos levados a pensar em um mistério digno de Capitu, não é só sobre essas coisas que trata a história da série. As questões abordadas são profundas. Que é, afinal, a vida? E a morte? Por que uns hão de morrer? E o amor, o que é? Existem vários tipos de amor e eventualmente eles se conflitam, por quê?
As respostas encontradas para as angústias da vida não são tão pretensiosas quanto a de um Death Parade, mas que assim seja – respostas originais são bem vindas. Muito mais alegórico, Rakugo Shinjuu faz jus ao seu status de anime sobre artistas e artes e demonstra os sentimentos e questões de maneira muito metafórico. Pequenos detalhes e símbolos – às vezes, um colorido diferente – podem representar emoções e até verdades que a narrativa ainda não nos contou.
Ainda assim, se a apresentação demonstra fantasia, o realismo psicológico da série é surpreendente. Há tempos não tínhamos um josei de tamanha profundidade, e Rakugo Shinjuu vem preencher a lacuna. Entre triângulos amorosos e amores conturbados, traições, agressões e até “suicídio” – não é um spoiler mas sim uma alusão ao título do anime! – Rakugo Shinjuu é essencialmente uma história que desnuda a insana roda-viva que são as afetividades humanas e as grandes tragédias que são capazes de causar. A teimosia, a vaidade e os impulsos nos levam por caminhos tortuosos que nem sempre queremos levar, e as vidas dos personagens de Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu provam isso.
Coesão excepcional
Como obra, é inegável a coesão de Shouwa Genroku Rakugo Shinjuu e não é à toa que foi muito premiada; por ser uma história capaz de contar a trajetória de quatro gerações de uma família, é de se esperar alguns furos de roteiro, mas esses furos não acontecem. Apesar de uma ou outra ponta em aberto, o anime – que segue fielmente o mangá – termina com uma coesão excepcional e conclui as maiores questões a que se propõe.
De resto, com uma apresentação muito bonita que nos lembrou o potencial do Studio DEEN () de fazer animações ótimas com trilhas sonoras digníssimas quando dá, é de aplaudir de pé. Sem dever em nada pra obras de diversos meios, é um anime que nos lembra por que anime não é só “coisa de criança” e que é recomendável pra adultos do mundo inteiro com o coração aberto a conhecer o rakugo.