A chuva que caía sobre o Allianz Parque no último sábado (19) parecia apenas mais um elemento cênico proposital na apresentação do Scorpions. Como se os céus de São Paulo reconhecessem a magnitude do momento: encerrar a edição comemorativa de 30 anos do Monsters of Rock 2025 não era tarefa para qualquer banda, mas para verdadeiros veteranos de guerra – precisamente o que os alemães representam após seis décadas ininterruptas de heavy rock.
DA ALEMANHA PARA O MUNDO
Quando Rudolf Schenker fundou o Scorpions em Hannover, Alemanha, em 1965, o mundo vivia o auge da Guerra Fria, os Beatles ainda não haviam lançado “Sgt. Pepper’s”, e grande parte do público presente no Allianz sequer era nascida. Sessenta anos depois, o quinteto permanece como uma força vital da música pesada mundial, testemunha e sobrevivente de todas as transformações culturais, tecnológicas e políticas das últimas seis décadas.
A banda que encerrou o festival após seis performances anteriores não demonstrou o menor sinal de fadiga – ao contrário, parecia alimentar-se da energia que pairava no ar após um dia inteiro de celebração do rock pesado. Os alemães, veteranos de 5.000 shows, 27 turnês e passagens por 83 países (conforme destacado no vídeo introdutório exibido nos telões), sabiam exatamente como capitalizar esse momento.

A ANATOMIA DO ESCORPIÃO MODERNO
O Scorpions atual é uma interessante mistura de gerações, com o núcleo clássico representado por Klaus Meine (76, vocal), Rudolf Schenker (76, guitarra rítmica) e Matthias Jabs (69, guitarra solo), complementado pelos mais “jovens” Pawel Maciwoda (58, baixo) e Mikkey Dee (61, bateria).
Meine, apesar da inegável ação do tempo sobre seu instrumento vocal, segue impressionando pelo controle técnico e interpretação emocional. Onde não alcança mais as notas estratosféricas de décadas anteriores, compensa com presença cênica calculada e inteligência interpretativa – sua abordagem a “Send Me an Angel” foi particularmente comovente sob a chuva paulistana.

Rudolf Schenker, único membro original desde 1965, é o perpétuo motor energético da banda. Vestido com seu tradicional visual chamativo, o guitarrista percorreu cada centímetro do palco com a vitalidade de alguém que desconhece o conceito de aposentadoria. Ao seu lado, Matthias Jabs reafirmou sua condição de guitarrista injustamente subestimado no panteão do hard rock, entregando solos precisos e um timbre cristalino que cortava a noite chuvosa.
A seção rítmica contemporânea do Scorpions merece destaque próprio. Pawel Maciwoda, apesar de sua presença mais discreta, proporcionou a base sólida necessária para que os veteranos pudessem brilhar. Já Mikkey Dee, ex-Motörhead incorporado à formação após a morte de Lemmy Kilmister em 2015, foi uma verdadeira revelação para quem desconhecia seu trabalho prévio. Recuperado de uma grave infecção no pé que exigiu cirurgia no final de 2024, o baterista transformou seu solo em um dos pontos altos da apresentação, injetando energia renovada no conjunto.

UM REPERTÓRIO DE SEIS DÉCADAS
Os alemães construíram um setlist estrategicamente equilibrado entre faixas enérgicas e momentos de respiro, privilegiando os períodos de maior sucesso comercial, mas sem negligenciar completamente suas raízes. A abertura com “Coming Home” estabeleceu imediatamente a conexão com o público brasileiro, seguida pelo mais recente “Gas in the Tank”, demonstrando que o grupo não vive apenas de nostalgia.
Scorpions – Winds of Change no Monsters of Rock pic.twitter.com/i4JGfaXoy3
— Suco de Mangá (@sucodm) April 26, 2025
Uma das maiores virtudes da performance foi a economia nos momentos mais lentos – apenas três baladas em todo o show, permitindo que a energia permanecesse consistentemente elevada. O medley que revistou clássicos da fase com Uli Jon Roth (“Top of the Bill”, “Steamrock Fever”, “Speedy’s Coming” e “Catch Your Train”) foi recebido com entusiasmo pelos fãs mais antigos, enquanto o resgate de “Loving You Sunday Morning” após quase uma década de ausência dos palcos proporcionou um momento refrescante.
Scorpions – Still Loving You no Monsters of Rock pic.twitter.com/y7Lo9oOcx2
— Suco de Mangá (@sucodm) April 26, 2025
A sequência final foi simplesmente devastadora: “Big City Nights” elevou a temperatura, “Still Loving You” (ausente no show de Brasília dias antes) provocou um momento de comoção coletiva, e o bis com “Blackout” e “Rock You Like a Hurricane”, acompanhado pelo gigantesco escorpião inflável que dominou o cenário, encerrou a noite com a sensação de dever cumprido.

SEIS DÉCADAS DE IMORTALIDADE
A relação do Scorpions com o Brasil já dura quatro décadas, mas o carinho demonstrado pelo público presente no Allianz Parque sugeria um romance recém-iniciado. Talvez seja esse o maior trunfo da banda alemã: sua capacidade de renovação constante, conquistando novas gerações enquanto mantém a fidelidade dos fãs originais.
As múltiplas “turnês de despedida” anunciadas e posteriormente desmentidas pelos próprios músicos nas últimas décadas já se tornaram quase uma piada interna entre os admiradores. No entanto, a cada retorno, o quinteto prova que a decisão de permanecer na estrada foi acertada.

O Scorpions que encerrou o Monsters of Rock 2025 não é uma banda nostálgica vivendo de glórias passadas, mas um organismo musical vivo que, mesmo carregando seis décadas de história nas costas, segue olhando para o futuro. Se existe uma fórmula para a imortalidade no rock, os alemães parecem tê-la descoberto há muito tempo.
Scorpions – Rock You Like a Hurricane no Monsters of Rock pic.twitter.com/y50oNY3Xq4
— Suco de Mangá (@sucodm) April 26, 2025
Sob a chuva persistente de São Paulo, o Scorpions não apenas encerrou uma edição histórica do maior festival de rock do país – eles reafirmaram seu lugar no panteão das lendas vivas do gênero. E, conhecendo-os como conhecemos, provavelmente estarão de volta para fazer o mesmo daqui a alguns anos. Que venham mais seis décadas.

SETLIST: SCORPIONS NO MONSTERS OF ROCK 2025
- Coming Home
- Gas in the Tank
- Make It Real
- The Zoo
- Coast to Coast
- Top of the Bill / Steamrock Fever / Speedy’s Coming / Catch Your Train (medley)
- Bad Boys Running Wild
- Send Me an Angel
- Wind of Change
- Loving You Sunday Morning
- I’m Leaving You
- Solos de baixo e bateria
- Tease Me Please Me
- Big City Nights
- Still Loving You
- Blackout
- Rock You Like a Hurricane
COBERTURA MONSTERS OF ROCK 2025: STRATOVARIUS | OPETH | QUEENSRYCHE | SAVATAGE | EUROPE | JUDAS PRIEST