Após o sucesso mundial de O Conto da Aia (Leia nosso REVIEW), em setembro de 2019 a autora Margaret Atwood publicou a continuação do livro, intitulado de Os Testamentos.
No Brasil, ambos os livros são comercializados pela Editora Rocco, em versão com capa dura e brindes inclusos.
Enquanto o primeiro livro é centrado em Offred, uma das Aias de Gilead e mostra seu cotidiano, traumas e angústias, o segundo livro segue três linhas narrativas.
Três Lados da Mesma Moeda
Os Testamentos tem um estilo muito diferente do seu antecessor em diversos aspectos. O mais notável é o ponto de vista em que a história é contada. Agora não temos somente um personagem nos mostrando como é a vida em Gilead, mas três histórias contadas simultaneamente que nos proporcionam isso.
Assim, somos apresentadas a três mulheres: Agnes, uma menina que nasceu naquela sociedade e vê tudo com normalidade; Tia Lydia, já apresentada no livro anterior, e um dos pilares que faz mantém e impulsiona o sistema; e Daisy, uma garota que vive no Canadá e observa a loucura de Gilead sem efetivamente se envolver nesta realidade.
Devo parabenizar Margaret por esta sacada, mostrar todos os pontos de vista de uma sociedade totalitarista. Inclusive em alguns momentos se torna cômico ver a diferença entre as duas garotas, uma devota à filosofia de sua pátria, agindo de acordo com seus costumes e outra que não consegue entender como tudo aquilo é possível.
Particularmente, eu tenho uma queda por histórias que aparentemente não se conversam, mas que aos poucos revelam como estão interligadas entre si, então sou suspeita para falar, mas vamos lá.
Força Feminina
Vamos passar um pouco pela história de cada uma delas.
Primeiro a Tia Lydia, uma figura já conhecida pelos leitores, que causou sua primeira impressão e, dispenso dizer, não foi nada boa. Somos introduzidos ao livro com a inauguração de uma estátua a esta mulher tão importante a Gilead, mas desde já uma especulação é plantada em nós: ela não parece tão contente assim com essa posição.
Assim, Tia Lydia se torna o pilar central da história, em suas mãos há um novelo emaranhado, e com muita ironia e certo carisma, ela o desembola para os leitores, desfazendo os nós de sua história e da história de Gilead.
Em seguida somos apresentados à doce Agnes, uma garota recém entrada na adolescência que vive nos padrões da sociedade em que está inserida com a naturalidade que nós mesmos vivemos. Ela é filha de um importante Comandante, vive com um alto padrão de vida e sua mãe é tão amável e carinhosa quanto poderia ser. No entanto, Agnes é curiosa, inteligente e cheia de perguntas, e depois de um infortúnio em sua vida, ela passa a questionar com veemência a sua origem e seu destino.
Por fim, conhecemos Daisy uma adolescente canadense com língua afiada e uma boa porção de rebeldia. Daisy vive com seus pais, donos de um brechó de roupas, que apesar de possuírem imenso carinho pela menina, aparentam ser mais distantes do que os demais pais. Assim, a garota vive uma vida normal à qual conhecemos, e se escandaliza com a realidade de Gilead, cheia de senso de justiça e vontade de fazer alguma coisa em relação a isso, apesar da superproteção dos adultos à sua volta.
A partir dessas apresentações, a trama se desenvolve e ganha forma, nos aproximando de cada uma delas e nos entretendo com suas histórias, que de uma forma ou de outra, acabam por se cruzar.
Uma Dura Realidade
Uma das diferenças que pude perceber entre Os Testamentos e O Conto da Aia foi a transparência da descrição das barbáries que acontecem ao longo da história. Como comentei, achei que O Conto da Aia seria mais pesado do que realmente é, pois em questão de violência ele não é muito descritivo, coisa que foi compensada em Os Testamentos.
O livro aborda não somente os mesmos temas de seu antecessor, como suicídio, estupro e as mais diversas violências, como também descreve brevemente algumas cenas de pedofília e deixa escancarado como tal barbárie é comum em Gilead. Por algumas vezes me senti tão incomodada com o que lia que tive que respirar antes de continuar a leitura, quando não tinha que esperar algumas horas para voltar ao livro.
Acho importante ressaltar que, mesmo que tal assunto seja de certa forma frequente ao longo da trama, fica explícito que a autora em si não compactua ou tampouco defende quaisquer tipos de crimes como esse.
De qualquer forma, se você for muito sensível a esse tipo de conteúdo, talvez este não seja o melhor livro para ler.
Perguntas Sem Respostas
Nem mesmo o melhor dos livros é perfeito em sua essência, e Os Testamentos infelizmente não é exceção à regra.
Senti falta de alguns aprofundamentos que não foram explorados, como o desdobramento da guerra, assim como sua influência direta no dia a dia de Gilead. Desde o primeiro livro somos lembrados que há o cuidado de não desperdiçar insumos, principalmente comida, em consequência do conflito, mas fora isso achei que faltou mais informações sobre o assunto.
Da mesma forma, o ápice do encontro final. Algumas explicações ficaram em aberto, ‘o que aconteceu, como aconteceu’, enfim, alguns “i’s” que ficaram sem ponto.
Também me desagradou um pouco a falta de desafios maiores para as personagens, tudo correu tão bem e tão perfeitamente como poderia correr. O livro é claramente um presente aos fãs que se questionaram como se deu o fim de Gilead, e não estou reclamando disso, porém em muitos aspectos foi somente a isso que ele se limitou.
Vale a Pena Ler ou Posso Ficar Somente com O Conto da Aia?
Agora terei de evocar um dos maiores tabus dos fãs de qualquer franquia: particularmente, eu gostei mais do segundo livro do que do primeiro.
Talvez sejam meus gostos pessoais pelo estilo da história, como falei anteriormente, talvez seja a evolução como escritora de Margaret, ou algum outro motivo, mas Os Testamentos me entreteve e conquistou mais do que seu antecessor.
Para aqueles que desejam saber mais a fundo sobre Gilead, que não se satisfizeram apenas com um livro, então é uma boa leitura na certa! Contudo, sinto-me na obrigação de alertar mais uma vez: o livro aborda assuntos sensíveis, portanto deve ser lido com muita consciência, e talvez evitado para pessoas mais vulneráveis.
Resumindo, além da história em si valer a pena, há também o bônus de um cartão e marcador de páginas com artes maravilhosas, junto com a qualidade do livro que o fazem valer cada centavo.