Quando Death Note veio a público e mesmo depois de uma década, a discussão sobre quem tem as melhores pretensões se mantem viva e profundamente discutida. Seria Kira com sua justiça utilitarista o meio ideal para trazer luz a um mundo mergulhado em violência e trevas, necessitando de uma mão forte e poderosa trazendo paz, ou L e o time de polícia que deseja trazê-lo a justiça jurídica, onde ele será devidamente julgado pelo processo legal e aos olhos do público, desmascarando de sua face salvadora para o que ele realmente é: um genocida.

Textos de apoio:

Tanto o anime e o mangá traz essa discussão de forma imparcial, deixando ao público possa ver e analisar racionalmente a posição destes dois homens, mas até que ponto está falando de justiça de fato e não de outra coisa?

A Justiça em Death Note

Há muitos conceitos de justiça, pois sendo um conceito subjetivo, este se encontra em posição de ser questionado e interpretado mediante a moral, cultura e a ética, assim, para se discutir justiça em Death Note, é ideal que se chegue ao ponto onde possa despir o termo de qualquer preconcepção e chegar ao significado da palavra em si.

Em seu significado mais básico, é uma percepção do que é direito, a capacidade de avaliar o que é justo e em Death Note, tanto Light Yagami quanto L tem suas próprias interpretações do que é justiça e é isso que os coloca em rota de colisão, mas a ilusão de que ambos estão lutando pelo que consideram justo é mentirosa logo sendo demonstrado desde muito cedo e em seu primeiro embate quando ambos assumem não para o mundo, mas para si mesmos que são ‘’a justiça’’.

Justiça é um conceito, uma ideia, uns diriam ilusão, mas em nenhum Estado democrático tem a justiça delegada a uma entidade física e sim, uma instituição, não havendo como a personalidade e julgamento de uma pessoa possa interferir na igualdade e equidade, torna-a imparcial. Clamar a justiça para si é um ato arrogante e arrogância é só outro nome para orgulho.

Justiça em Death Note, interpretada pelo artista Campanita42

Kira <> Light

Orgulho é uma exaltação do ego, um conceito exagerado de si próprio, trazendo para si o egocentrismo e o egoísmo, com isso em vista, essa noção caí perfeitamente para Kira quando este não só toma para si o poder de julgar bom e mal, quem vive e quem morre, como se autoproclamar Deus, aplicando assim sua versão de justiça divina, castigando cada um conforme seu merecimento, no entanto, Light não é onipresente, sua vigilância é limitada, tampouco é onisciente, isso somente o reduz a um humano fazendo juízos de valores, entretanto, é seu orgulho em afirmar que por ser alguém ‘’exemplar’’, isso lhe tornaria apto.

Justiça, para Light, é a desculpa e o caminho que ele usa para afirmar seu poder ante seus semelhantes, além de lhe tornar um ídolo, afinal, quem traz a justiça só pode ser bom, mas isso é falácia, quando não, hipócrita a própria ideologia do mesmo quando pessoas tão bem intencionadas e honestas – ou seja, as pessoas das quais ele queria que vivessem em seu novo mundo – são mortas por simplesmente estarem no caminho da justiça, ou seja, ele mesmo, com isso, Raye Penber, Naomi Misora e tantos outros são executados por mero capricho ou necessidade.

Cena de Death Note, da Netflix (Imagem Divulgação)

Não faço isso por ‘senso de justiça’

Quanto a L, este torna aspectos ainda mais hipócritas quando logo em sua introdução é afirmado que ele só ‘’pega casos que lhe interessem’’. Como alguém que se proclamou detentor da justiça pode somente pegar casos que lhe convém? Justiça é conveniente? Não, justiça não se trata de conveniência ou vontade, mas o interesse sim. L afirma em Death Note One-Shot Special que: ‘’Não faço isso por ‘senso de justiça’, resolvo casos difíceis porque é um hobby. Pelos princípios das leis modernas, eu também cometi inúmeros crimes. […] Assim, eu só me envolvo em casos que me interessem pessoalmente. Isso não é justiça. Além disso, eu jamais me daria por vencido tentando resolvê-los. Eu odeio perder. ’’, isso é afirmado, segundo Near, pouco antes do caso Kira, comprovando que L não só tem consciência de que ele não pratica justiça, como se trata de um hobby.

Aceitar o caso Kira para começo de conversa foi porque soava a um dos casos mais difíceis que ele poderia resolver e depois que ele colocou seus olhos em Light, alguém que ele reconhece como semelhante e chamando de ‘’amigo’’, seus esforços não eram de trazer Light/Kira à justiça, mas ganhar dele intelectualmente. Nada mais, nada menos. Os próprios sucessores de L, Mello e Near, tem conhecimento disso. Mello deseja provar que é mais inteligente que Near e que está à altura de L sozinho, Near também deseja provar que está à altura de L, tendo em vista isso ambos estão focados em atingir esse título através do caso que ele não pode resolver.

Arte por Alex Malveda

Se Kira perder, ele é o mal, mas se ele vencer, ele é a justiça

Existe uma frase de Light que diz ‘’Se Kira perder, ele é o mal, mas se ele vencer, ele é a justiça’’, deixando implícito que justiça é definida através da vitória, se chega à justiça através do triunfo e não por ela, algo que visto em retrospecto, pontua perfeitamente a série. Não há pretensões corretas, somente no fim, onde o vencedor escreverá a história e poderá dizer que sua ideologia era ‘’justa’’, levando ao desfecho, onde ocorre o último embate de Light e Near, onde Light em um momento onde acreditava ter vencido ele proclama ‘’Eu venci’’, não ‘’A justiça prevalece’’, mas sim, a conquista, Kira não perdeu por estar errado, mas por ter cometido erros.

Death Note nunca foi sobre justiça, foi sobre egos, pessoas lutando por poder e para alimentar seus orgulhos, nunca de fato houve justiça para ninguém e talvez, o único personagem que detinha interesse em buscar justiça de fato era Matsuda.

Matsuda, durante todo o trajeto do caso Kira e mesmo depois questionava ambos os lados polos, trazia perguntas à mesa, estava no meio de campo constantemente e nele ao final reside o sentimento de que não houve justiça nenhuma. Light está morto, L está morto, o mundo vai voltar ao eixo mesmo que ele nunca mais seja o mesmo, só sobraram as pilhas de corpos para trás e o peso das consequências do embate desses homens sobre seus próprios egos travestido de ideologias polarizadas.

Muito se discutiu e se ainda discute sobre Death Note porque justiça é um assunto que nunca tornará algo concreto, certo e errado, moral e ética, tudo é questionável e passivo de falhas, mas aqui, dois homens se usam da “justiça’’ para seus próprios motivos, algo não muito diferente da realidade. Justiça, enquanto for feito por homens, está condenada a nunca ser perfeita.

Texto por André Arrais