Nikolaj Arcel e a equipe de O Bastardo vagarosamente tecem uma teia narrativa que prende à ponta da cadeira. Obsessão, disputa de poder e um Mads Mikkelsen entregando tudo o que o que faz dele um ator amado.
Distribuído pela Pandora Filmes no Brasil, o filme flerta entre o western e o drama para entregar uma narrativa forte focada em nuances e construção vagarosa.
O guia de O Bastardo: Mads Mikkelsen
Era uma pena ver tanto potencial desperdiçado em roteiros fracos (cof! cof! estadunidense cof! cof!). Mads Mikkelsen é uma besta enjaulada que mostra todo seu talento como o Capitão Ludvig.
Disposto a fazer uma terra “morta” dobrar à vontade do homem, o orgulhoso capitão convence a Dinamarca a deixá-lo construir um assentamento onde ninguém conseguiu. Com esse plano de fundo, o filme transita entre jogos de poder, preconceito, obssessão e romance —em um roteiro assinado por Nikolaj Arcel e Anders Thomas Jensen.
Toda a armação de seda é guiada por Mikkelsen em seu auge, que transita entre contemplação, raiva, tristeza e outros sentimentos complexos com primor.
Contemplação e construção
Uma das principais características do western, a contemplação, está presente ao longo das mais de duas horas do longa. Entretanto, esse aspecto pode afastar quem busca um filme ativo.
Talvez não seja para todos, mas sua lenta construção dá espaço para os personagens brilharem, como a serena, porém forte Ann Barbara (Amanda Collin) e o perturbado antagonista Frederik De Schinchel (Simon Bennebjerg).
A fotografia transita entre planos abertos emprestados de um filme de John Wayne, a fim de mostrar a terra a ser domada, à contemplação em silêncio. Nada é por acaso e é preciso investimento para apreciar a obrar.
Vontade x Necessidade
Não é sempre que se pode escolher quem nos segue, mas fazemos o melhor conforme a necessidade. É nesse ponto em que a narrativa navega pelo preconceito contra ciganos. É verdade que é o plano de fundo e poucas vezes é comentado, mas está ali e abre espaço para discutir o racismo.
Ademais, Ludvig, Barbara e os outros integrantes do assentamento enfretam as interpéries da natureza, e da ganância humana — muitas vezes até mais poderosa — em busca de um ideal comum.
Por ter mais baixos que altos em busca do objetivo, o filme é capaz de colocar a audiência ao lado dos integrantes do assentamento. Seja em cenas felizes, como um simples jantar, ou ao testemunhar a loucura humana, quando De Schinchel mata um homem queimando-o com água.
Nada é fácil no filme.
Deonestidade
O ser humano é capaz de atrocidades horríveis em nome de causas benevolentes. Ao menos é isso o que Bennebjerg e seu personagem passam. As provações de Hércules pelo qual os personagens passam ao longo do filme beiram o desonesto.
Roubo, assassinato, tortura e esquemas políticos. Tudo é encontrado no filme e faz o público pensar: “caramba, a injustiça não tem término?”
No entanto, mesmo com tantos pontos negativos, o filme deixa claro que…
Sempre há uma esperança em O Bastardo
O amarelo representa o otimismo. Ao menos é um dos significados conforme a psicologia das cores diz. Em maior ou menor escala, ou em menor ou maior saturação, está ali.
Serve como um alerta sutil de que: mesmo em momentos sombrios, há motivo para esperar um futuro melhor. Esse é um dos pontos altos da fotografia e direção de arte do filme.
Há um que de obsessão no protagonista que, no fim, consegue se desvincilhar disso e foca no realmente importa: a conexão humana.
Veredito
O Bastardo não é para qualquer um. Sua construção lenta pode espantar muitas pessoas antes da primeira hora. Entretanto, se você é uma pessoa que aprecia a complexidade humana, jogo político e recompensas emocionais, este filme é um prato cheio.