Natsu Jirushi é uma desenhista e ilustradora japonesa que cruzou o nosso caminho a partir de 2020.
Nessa época, eu vivia o auge da popularidade do jogo Fate: Grand Order e achei uma ótima fanart da Oda Nobunaga no Twitter. Como costuma acontecer, o criador ou a criadora da arte original tende a apreciar o elogio ou a republicação responsável, a fim de divulgar seu trabalho para os amigos. Então, foi isso o que aconteceu.
Recentemente, pudemos nos reencontrar nas redes sociais depois de um tempo afastados pelo algorítimo.
Nesse meio tempo, Natsu Jirushi tornou-se bastante crítica sobre a questão das inteligências artificais. Afinal, este é um problema de imensa relevância e bastante discutido também pelos artistas brasileiros.
Pensando nisso, veio a ideia desta entrevista. Queremos que o público brasileiro possa ver a perspectiva de uma profissional que também vive na pele a questão das AI’s. Ainda por cima, que vive num dos países mais frutíferos e inspiradores em arte atualmente.
Então, agradecemos imensamente à Natsu por topar esta entrevista e pela pronta atenção dada!
Com vocês, umas palavrinhas de apresentação da ilustradora!
Olá amigos otakus, prazer em conhecer! Me chamo Natsu Jirushi, uma ilustradora japonesa. Eu trabalho fazendo design de vtubers e desenhando fanarts de jogos mobile. Recentemente eu também venho feito trabalhos em uma faculdade de artes, ajudando artistas iniciantes com os seus primeiros passos, a fim de incentivá-los.
Você tem uma identidade visual bem única, facilmente reconhecível. Como você chegou até o seu estilo atual? Houve alguma inspiração em específico?
Eu fui bastante influenciada pelas ilustrações que o Izumi Sai-sensei fez com tema de luz de fundo. A expressão dos ilustradores chineses também me inspiram bastante. E eu admiro acima de tudo as ilustrações do Nemuri Okami-sensei. Fui influenciada por vários criadores e eu os respeito bastante.
Além disso, eu também fui bastante influenciada pelo Suehiro Maruo-sensei, uma figura bastante influente na cena underground. Seu estilo foi tão impactante em mim, que eu acabo colocando ementos dele, só que mil vezes mais suave. Se você estiver curioso pelo Suehiro Maruo-sensei, se prepare quando for pesquisá-lo.
(NOTA: Suehiro Maruo é uma grande referência do estilo eroguro, estilo popular no visual kei. Saiba mais aqui!)
Como alguém que já fez o design de uma vtuber, como é o sentimento de ser uma mãe de uma persona virtual?
Desde que me tornei uma mamãe virtual, passei a desejar que meus filhos possam ser ativos e sorridentes. Aliás, eu tenho um avatar masculino de um rapaz que parou de streamar depois de um mês. Será que alguém compraria seus direitos de uso? O iene tem estado bem barato, então é uma boa! *risos*
De qual trabalho seu você mais se orgulha?
Tem tantos que não consigo me decidir com apenas um! Mas para citar uns quatro… A Nobunaga com roupa de oiran que você mencionou antes.
A Kiyohime que desenhei e ganhou o Prêmio Type-Moon no Concurso Oficial de Ilustração do FGO de 2020.
A capa que desenhei para a novel HYBRID HEART, publicada pela Neon Hemlock Press em Washington (IMAGEM DE CAPA desta matéria).
As artes divulgadas para o Wa-compi2, um grupo de v-singers da gravadora Greater Records
Se você pudesse dar uma mensagem para si mesma quando começou a desenhar, qual mensagem seria?
As violações de copyright pelas AI’s e o plágio constante de trabalhos tem sido uma situação tão dolorosa, que eu não quero te contar muito sobre como estão as coisas hoje em dia. Se eu te disser, eu acho que você entraria em desespero e iria parar de tentar.
Você é bastante eloquente sobre a questão das AI na arte e eu queria saber a partir de que momento você começou a tomar consciência desse problema? A comunidade artística brasileira discute muito essa questão, então sinta-se à vontade para dizer o que pensa sobre o assunto.
Antes de mais nada, e isso vale antes mesmo sobre uso de AI’s, por favor não usem trabalhos que vocês não possuam os direitos de copyright.
Tirar uma screenshot de um anime e usá-la como uma foto de perfil sem permissão é um ato que falta com respeito ao seu criador. Se vocês checarem o site oficial da sua obra favorita, vocês podem achar algum ícone com uma nota de copyright autorizando seu livre uso para fãs.
Se você for um fã de uma obra, eu acredito que você deva usar o que foi devidamente licenciado pelo seu criador. As imagens são de propriedade dos seus criadores, então por favor leiam com cuidado as diretrizes de direitos autorais. E se um dia por acaso você acabar sendo advertido pelo trabalho oficial, ouça-a com atenção.
Agora, de volta à questão das AI’s.
Em maio desse ano um patrono meu postou nas redes sociais algo como “Removam os artistas de seus privilégios!”. Ele foi uma das pessoas que celebraram imensamente quando ganhei o Prêmio TYPE-MOON e quando menos me dei conta, ele havia se tornado um AI Bro. Me senti triste depois disso e passei a rejeitar seu apoio. Desde então passei a pesquisar sobre a geração de imagens por inteligências artificais.
Para o meu horror, descobri que cerca de 5,8 bilhões de fotografias de pessoas de todo o mundo estão sendo usadas sem permissão por datasets, incluindo fotos médicas privadas, fotografias de genocídios de guerra e até fotografias impróprias envolvendo menores.
Existem boas chances de que fotos de familiares e amigos das pessoas que estejam lendo isso aqui estejam sendo usadas neste exato momento. E as artes de pessoas pelo mundo todo estão sendo plagiadas sem permissão.
O stable difusion, que é atualmente o principal software usado para geração de imagens por AI, opera assumindo uma violação não só de direitos de uso, como também de direitos humanos de pessoas ao redor do mundo.
Eu amo poder expressar a beleza de moças sexys, mas eu não preciso de uma foto de uma vítima de um crime para isso. É como a verdade por detrás da Pedra Filosofal de Fullmetal Alchemist, um artefato todo-poderoso que nasce às custas de almas humanas.
Eu mesma sinto minha energia criativa sendo sugada quando penso nas artes que virão ao longo do tempo e que todas elas poderão ser roubadas.
Hoje em dia a moral e informação das pessoas estão sendo questionadas. Eu me sinto constrangida pela moral dos japoneses estar tão baixa. Tem um legislador do governo japonês tentando promover uma AI para gerações de imagens que rouba trabalhos de criadores de todo o mundo. Desse jeito o Japão vai acabar sendo tratado como um ladrão pelo mundo inteiro.
Mesmo sem ter como me mudar, eu penso em poder mudar onde eu anuncio meus trabalhos para o exterior. E quando isso acontecer, eu sinto que toda vez que eu for me apresentar eu terei que dizer algo como, “Eu sou japonesa, mas eu não uso AI! É sério, acredite em mim!”.
Na sua introdução, você mencionou sua colaboração numa faculdade de artes. Você pode nos dar detalhes sobre esse trabalho? Como foi que essa parceria começou?
Aconteceu durante a pandemia. Uma pessoa ligada à universidade entrou em contato comigo pelo twitter e passei a ministrar oficinas para um curso remoto. Fiquei responsável por avaliar testes para iniciantes no Clip Studio, uma ferramenta de criação bastante proeminente no Japão. É um pouco constrangedor, mas no ano passado eu queria usar o tempo para as avaliações para desenhar minhas próprias ilustrações. Já hoje em dia eu passei a amar ver os alunos escolhendo seus próprios pinceis para desenhar. Como forma de feedback, eu procuro dar palavras esperançosas para que eles continuem sentindo prazer em desenhar.
A estrutura exploratória das AI’s geradoras quebram os corações dos criadores em atividade. Eu temo que um dia essas pessoas interessadas em desenhar percam a motivação de estudarem e aprenderem por conta própria. É por isso que eu sinto a necessidade de proteger, cultivar e dar esperança a todos aqueles que deram o primeiro passo. Porque ainda que eles sejam inexperientes agora, alguns dali passarão a explorar novas formas de expressão no futuro, assim tornando-se os portadores do futuro do entretenimento.
Por último, qual é o seu anime ou mangá favorito da vida?
“Dragon Quest: The Adventure of Dai”! É uma obra da Jump de trinta anos atrás, mas houve um reboot do anime lançado em 2021. Pode até parecer algo para crianças, mas é uma obra que retrata um grande humanismo. Eu grito toda vez que leio o spin-off “Hero Avan and the Demon King of Hellfire”!
É uma pena que eu não posso desenhar fanarts como posso desenhar fanarts de Fate Grand Order ou de Blue Archive, porque as diretrizes para criações de segunda mão não são muito bem definidas.
(NOTA: Se você não está lembrado de Dragon Quest, este anime que nos acompanha na TV desde o SBT, veja lá no Gole Otaku tudo o que a Verinha falou e acompanhou sobre esse ícone dos RPG’s!)
Desejamos todo o sucesso à Natsu! E se você chegou até aqui, não se esqueça de dar uma força e seguir a artista nas redes sociais! Até a próxima!