Kenzaburo Oe faleceu aos 88 anos no dia 3 de março, informação dada só hoje (13/3) por sua editora japonesa Kodansha. “Ele morreu de causas naturais na madrugada de 3 de março”, diz o comunicado da editora japonesa.
Kenzaburo Oe é considerado um dos principais romancistas contemporâneos do Japão. Seus livros são fortemente influenciados pela literatura e pela teoria literária francesa e ocidental de modo geral; tratam de questões políticas, sociais, filosóficas, éticas e estéticas. Recebeu os mais importantes prêmios literários do Japão, incluindo o Akutagawa, o Tanizaki e o Yomiuri; em 1994 foi premiado com o Nobel de Literatura.
“Kenzaburo Oe é um escritor que com força poética cria um mundo imaginado em que a vida e o mito se condensam para formar uma imagem desconcertante da atual condição humana.” (Academia sueca, na entrega do Prêmio Nobel ao autor em 1994)
Oe nasceu em 1935, num vilarejo chamado Ose e localizado nas florestas da menor das quatro principais ilhas do Japão. Hoje, o vilarejo não figura nomeadamente mais nos mapas, tendo sido incorporado pela cidade mais próxima.
Quando Kenzaburo Oe tinha seis anos, estourou a Segunda Guerra Mundial, durante a qual seu pai morreria. Uma de suas avós era contadora de histórias e carregava assim os mitos e as tradições do clã Oe, performance que o influenciou quando criança; ainda pequeno, ganhou de sua mãe livros de Mark Twain e Selma Lagerlöf, que o impactaram e, segundo ele mesmo, iriam com ele para o túmulo.
Com a derrota do Japão na Guerra, aconteceram enormes mudanças no país, inclusive no remoto vilarejo onde cresceu Kenzaburo Oe. Os alunos nas escolas passaram a receber uma educação diferente, aprendendo princípios democráticos no lugar dos absolutistas, por exemplo. Aos dezoito anos, pegou pela primeira vez o trem até a capital do país e, um ano depois, estudava literatura francesa na Universidade de Tóquio. Através da influência do realismo grotesco de Rabelais, passou a reinterpretar a história de seu povoado e a sua própria.
Começou a escrever em 1957. Compôs um poderoso ensaio sobre o bombardeamento atômico de Hiroshima e o terrível legado da catástrofe, além de uma extensa lista de ficção que se utiliza bastante do Japão pós-guerra para retratar amplamente a condição humana e particularmente uma geração marcada por tanta tragédia.
A vida e a carreira literária de Kenzaburo Oe entraram em crise com o nascimento de seu primeiro filho, Hikari, nascido com uma deformidade craniana que lhe resultou uma doença mental. Apesar disso e mesmo por causa disso, Kenzaburo Oe adquiriu novo fôlego e nova perspectiva sobre a vida e a escrita.
No Brasil, já foram publicadas as obras Uma questão pessoal (2003), Jovens de um tempo novo, despertai (2006), 14 contos de Kenzaburo Oe (2011) e Morte na água (2021), A substituição ou As regras do Tagame (2022) e, recém-lançado pela Estação Liberdade, Adeus, meu livro! (2023).
“A Estação Liberdade empreendeu grande esforço ao difundir a trilogia da idade madura de Kenzaburo Oe, um autor rebuscado, reflexivo e contemplativo. Nessa trilogia, da qual está no prelo ainda a derradeira componente, A criança com rosto melancólico, Oe faz balanço de seu métier literário, abordando tanto o ofício da escrita como a criação musical, a arquitetura, o cinema, a vida acadêmica, além de seu engajamento pela manutenção da constituição pacifista do Japão. Além de uma ode à amizade que transpõe o conjunto desses três singelos romances. A Estação lidou ainda com a dificuldade adicional de outras obras do autor terem sido publicadas por nossos colegas da Companhia das Letras, mas em que pese isto, publicar o mais importante autor japonês da atualidade era uma questão de honra para nós”, comenta Angel Bojadsen, diretor editorial da Estação Liberdade.
A partida de Kenzaburo Oe é uma perda enorme para os leitores de todo o mundo, mas fica sua magnífica contribuição para a humanidade, através de uma literatura preocupada em refinar o pensamento, aguçar o sentimento e mostrar caminhos para chegar à paz.