quinta-feira, agosto 7, 2025
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Marcelo Rubens Paiva revela como Eunice se tornou sua protagonista

Na Bienal do Livro do Rio 2025, Marcelo Rubens Paiva compartilhou, em uma conversa emocionante no auditório Café Literário Pólen, ao lado dos roteiristas Heitor Lorega e Murilo Hauser, os bastidores do filme Ainda Estou Aqui, vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional deste ano. O autor relembrou sua mãe, Eunice Paiva, e explicou por que decidiu colocá-la como protagonista da narrativa. A escolha trouxe um novo ponto de vista à memória da ditadura militar: o olhar de uma mulher que, entre dores e descobertas, transformou sua trajetória pessoal em luta e resistência. Mais do que discutir linguagem cinematográfica, o encontro foi um tributo à força silenciosa de Eunice.

“O filme é o olhar da minha mãe. Inclusive, as pessoas reclamam que ele é despolitizado, porque não tem cena de tortura. Mas minha mãe não viu essas cenas. Ela viu aquilo que está no filme”, explicou o filho, com a voz embargada. “Ela era uma mulher que, de repente, foi obrigada a entender o que estava acontecendo no país. Uma dondoca, como eram tratadas as donas de casa no país patriarcal da época, onde até queriam trabalhar, mas os maridos não deixavam, que teve que se tornar a força da família.”

marcelo rubens paiva bienal 2025 (1)
Foto: @sucodm / Carol

Marcelo, conhecido por seu engajamento político e por abordar a ditadura a partir do drama pessoal, deixou claro que, desta vez, não queria repetir a lógica do herói masculino. “Meu pai morreu cedo, com a cabeça feita, mas quem viveu o Brasil real, quem sobreviveu e lutou até o fim, foi minha mãe. Ela atravessou todos os períodos da história recente: golpe, ditadura, abertura, Constituinte, Comissão da Verdade. E mais que isso: ela foi a pessoa que segurou a casa, os filhos, a memória.”

Segundo o autor, a decisão de não fazer do filme uma narrativa didática sobre política foi intencional. “Não queria que fosse um filme com cartilha, nem sobre bem contra o mal. Pedi que fosse sobre uma família. Sobre afeto, infância, cotidiano. Nosso modelo foi O Segredo dos Seus Olhos. Filmes em que a política está no pano de fundo, mas o foco é a relação entre as pessoas.”

marcelo rubens paiva bienal 2025 (1)
Foto: @sucodm / Carol

O roteirista Heitor Lorega contou que a escolha de dar centralidade a Eunice foi sendo construída de forma natural, conforme a equipe mergulhava na história da família. “A casa do Marcelo foi se abrindo para a gente. As lembranças das irmãs, dos filhos, tudo isso foi compondo uma imagem poderosa dessa mulher. E a câmera foi inevitavelmente se voltando pra ela”, disse. “O Walter Salles entendeu isso com muita sensibilidade. As atitudes da Eunice iam guiando a câmera, e a gente foi percebendo: ela é a história.”

Murilo Hauser reforçou a importância desse processo coletivo de escuta e construção da personagem. “A imagem que todos traçavam da Eunice era de alguém extremamente lúcida, concentrada, inteligente. Descobrimos não só a mãe, mas uma mulher com força política e emocional impressionante, alguém que se transformou em símbolo mesmo sem jamais ter buscado isso.”

Em meio aos relatos sobre o processo de criação do filme, Marcelo compartilhou momentos íntimos. Falou sobre o dia em que sua mãe, diagnosticada com Alzheimer, lhe pediu: “Quero que você seja meu curador”. E descreveu o peso e a ternura de ter cuidado dela até o fim. “Durante anos, eu fui minha mãe. Eu virei ela. E tudo o que eu estou fazendo agora, o livro, o filme, é continuar cuidando dela.”

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Foto: @sucodm / Carol

A plateia ouviu em silêncio. Muitos com lágrimas nos olhos. Em um evento marcado pela literatura, foi o afeto que ganhou o protagonismo.

“A gente achava que as pessoas tinham esquecido o que foi a ditadura. Mas não precisava ser com discurso, era só contar como foi. E eu descobri que o ponto de vista mais forte era o dela. Porque ela, como tantas mulheres, segurou o país dentro de casa, enquanto o país desmoronava lá fora.”

E foi assim que, na Bienal do Livro de 2025, Marcelo Rubens Paiva não apenas apresentou um filme, um roteiro, uma adaptação. Apresentou uma mulher que, mesmo ausente, segue aqui. Ainda.

Carol Freitas
Carol Freitas
Jornalista, copywriter, produtora cultural, criadora de conteúdo e fã girl. Uma carioca apaixonada pelos anos 2000, cinema, arte e cultura, que coleciona experiências em shows e eventos (e contando).

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