Maníaco do Parque, longa que retrata (ou pelo menos tenta) um dos casos criminais mais chocantes da história do Brasil, estreou na plataforma de streaming Prime Video na última sexta-feira (18), mas antes disso, foi exibido em uma sessão especial com presença do elenco e realizadores no Festival do Rio. A direção é por conta de Mauricio Eça, que também dirigiu a trilogia A Menina que Matou os Pais, sobre a assassina Suzane von Richthofen, e a diretora e roteirista Thaís Nunes.
Desta vez, Eça e Nunes optam por dar outro enfoque à história do crime, e contá-lo, aparentemente, pelo ponto de vista das vítimas, que são 23 mulheres que foram atacadas e violentadas pelo serial killer Francisco de Assis Pereira no Parque do Estado, em São Paulo, no ano de 1998, onde 11 delas vieram brutalmente a óbito. Mas, praticamente não vemos essas vítimas nem sabemos suas histórias. Em vez disso, para representá-las, foi criada uma protagonista fictícia, a jornalista Elena (Giovanna Grigio), que trabalha na redação extremamente machista do jornal paulista Notícias Populares (que existiu, de fato), onde tem seu trabalho frequentemente descredibilizado e descartado, mas que será responsável por investigar e encontrar a identidade do verdadeiro Maníaco do Parque, apelido esse que ela mesma inventou para Francisco.
Mesmo com a narrativa estabelecida, o filme tem dificuldade de firmar uma identidade, isso porque horas quer ser fiel à realidade, horas quer ser revolucionário, mas é, acima de tudo, muito receoso. O medo de se aprofundar em temas polêmicos para os dias atuais impede que a trama consiga transpassar a densidade que o acontecido teve. Assumir fazer uma obra sobre um assassino é entender que haverá sim o interesse pela história dele por parte de quem consome esse tipo de conteúdo. A trama nos apresenta o seu modus operandi, o fato dele guardava os pertences das mulheres após matá-las, onde ele trabalhava, mas não nos diz suas motivações. Já há tanta informação sobre ele com fácil acesso na internet, que não adianta muito esse extremo cuidado para não influenciar quem assiste. O pensamento crítico do público não pode ser subestimado ao realizar um projeto deste.
A partir daí, também podemos notar algumas contradições. É curioso querer proteger as vítimas, mas colocar em uma das cenas de abertura um efeito grotesco de sangue saindo dos patins de Francisco conforme ele descia a rua após cometer um assassinato, com um rock tocando de trilha sonora. Totalmente insensível. Ou pouco tempo depois ter uma cena de assassinato bem forte e um tanto explícita, mesmo que seja a única no filme inteiro. É possível sim contar uma história brutal com sensibilidade e respeito às vítimas e seus familiares, sem precisar esconder do público o que realmente aconteceu.
PERSONAGENS E INTERPRETAÇÕES
A escolha de inserir Elena na trama me soou bem intencionada, mas um tanto equivocada. Por mais que seja legal dar ao caso uma visão pelo viés feminino, a forma com que ela foi construída soa falsa. É difícil de acreditar que a moça existiria nos anos 90 e que permaneceria no ambiente machista que ocupa agindo da forma que age, muito menos que falaria algumas frases e tomaria certas atitudes sendo uma pessoa fruto de seu tempo. Muitas dessas frases e olhares parecem ter saído de 2024. É algo que comemoramos poder notar, pois nos mostra que hoje já temos essa percepção, mas que claramente não cabe a alguém que vivia naquele ano, por mais progressista que fosse. Um bom exemplo disso é quando vemos, em uma das cenas de programa de TV que representam o sensacionalismo da época, uma apresentadora usando as palavras “imagina: você está em casa e pede uma pizza, aí chega o entregador e é o Maníaco do Parque, e créu!”, e em seguida, caindo na gargalhada.
Nada disso teria problema se não estivéssemos falando de uma obra baseada em fatos reais. Já que escolheram utilizar a liberdade poética para recontar essa história, poderiam fazer um melhor uso dela retratando como seria se o caso acontecesse nos dias atuais, porque insistir no tom realista com a ambientação em 1998 fica tudo, menos real, tirando o sentido da proposta de ser um “true crime” brasileiro. Entendemos o ponto de fazer uma crítica à forma nojenta e desumana como tudo foi abordado no passado, mas há outras maneiras de fazer isso sem parecer forçado. Elena aparenta a todo instante já saber como se portar e o que falar. Seria mais interessante ver a jovem sentindo incômodos mais ingênuos, dada a gravidade da situação com suas semelhantes e o medo de ser uma próxima vítima. Medo esse que se instaurou nas meninas naquele ano. O ideal seria mostrar as reações que ela de fato teria, que com certeza também seriam de total repúdio, e que também seriam silenciadas. Ou melhor, dar esse protagonismo para os relatos das reais vítimas sobreviventes, que com certeza sabem descrever o que viveram e sentiram na pele.
Outra personagem que, sem receio nenhum posso afirmar que é péssima, é a da Mel Lisboa. Ela interpreta Martha, irmã de Elena, que, por coincidência, é psicóloga e sabe tudo sobre psicopatas. A mulher só aparece duas ou três vezes por menos de 5 minutos, em momentos oportunos, só para falar frases feitas que parecem ter sido tiradas do Wikipédia, para ajudar o andamento da investigação como num passe de magica. Nada natural.
Bruno Garcia e Marco Pigossi fazem dois jornalistas machistas também, com frases prontas, que vão infernizar a vida profissional de Elena. Estão bem, mas esses papéis, qualquer um poderia fazer. Xamã, que interpreta o patão de Francisco enquanto ele trabalhava como entregador, está ótimo e mostrando que está evoluindo como ator. Mas outro bom destaque é Talita Younan, que interpreta uma parente de uma das vítimas, transparecendo bem as emoções da moça diante do ocorrido.
Já Silvero Pereira faz aqui um papel excelente, pena que mal aproveitado. Se o filme focasse mais no seu protagonista, teríamos um show de interpretação, embora vezes caricata, claramente por conta da direção. Nas poucas cenas em que ele aparece agindo no modus operandi que o maníaco usava para abordar as vítimas, ficamos querendo ver mais. Mas, com isso, pudemos ver Giovanna Grigio brilhar no que considero o melhor trabalho de atuação da sua carreira, até agora.
ESTÉTICA
É perceptível que esse trabalho foi inspirado por obras de True Crime americanas que fizeram sucesso nos últimos anos, como a escolha do filtro azul para representar a forma como a cidade ficou fria e sem vida nesse período de terror, que me remeteu ao filtro amarelo usado na série Dahmer: Um Canibal Americano, que lá dava a sensação de claustrofobia, já que os crimes aconteciam dentro do apartamento velho do criminoso; ou o uso de trilhas sonoras agitadas em cenas de fuga ou adrenalina, que ajudam a moldar a personalidade da figura, como também foi feito no filme Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal.
O apartamento da jornalista tem uma enorme parede branca estratégia para que ela monte seu mural com fotos da investigação, formando uma teia, exatamente igual vemos nos filmes policiais americanos.
No mais, a ambientação da cidade no ano de 1998 está bem feita. Os figurinos também, afinal, quem já era nascido na época com certeza já viu o pai ou algum familiar usando uma camisa com a estampas das que Silvero usava.
CONCLUSÃO
Maníaco do Parque é ambicioso, mas sem alma. É bom de assistir apenas como um thriller, por quem não tiver nenhum envolvimento emocional com o crime, afinal, é normal terminar de assistir assistir um filme sobre uma história real e ir no Google pesquisar mais a respeito dela para saber mais detalhes, mas é decepcionante PRECISAR fazer essa pesquisa, já que o que foi posto em tela foi, na maior parte, ficcional, a ponto de mudá-la.