A história de um artista que se entregou de corpo e alma às suas pinturas, que, apenas com seu atlento, acabou um monopólio centenário. Sobre ele é Mandala de Fogo, mangá da Pipoca & Nanquim que protagoniza o review de hoje.
Sobre o mangá
A publicação é mais um jidaigeki da editora, com autoria de Chie Shimomoto, uma roteirista e desenhista que retrata com excelência a cultura japonesa da época.
Mandala de Fogo foi publicada originalmente entre 2015 e 2016, e chegou ao Brasil com uma edição desprovida de qualquer defeito pela Pipoca & Nanquim.
A sobrecapa tem cores fortes, verniz localizado até em pequeninos detalhes e uma arte chamativa de um momento muito marcante da história. Enquanto isso, a capa possui um brilho e uma cor tão linda que parece ser feita de cobre puro.
O traço de Shimomoto é macio (não sei como explicar isso), detalhista e encantador. Os personagens são distintos entre si, cada um com um design próprio, sem aquele “ctrl c ctrl v” de estilo que alguns autores acabam tendo.
A autora também consegue inserir pinceladas de humor ao longo do drama que deixam a história leve e gostosa de ler, sem cair no pastelão.
Também, essa é uma publicação mais curtinha — possui 221 páginas de história, e com o glossário e as obras referenciadas, totaliza 236 páginas. Portanto, é um mangá que pode ser lido facilmente em um dia.
Enredo
Mandala de Fogo conta a vida de Hasegawa Touhaku, um dos maiores pintores da história do Japão. Começando a partir dos seus, aproximadamente, trinta anos, acompanhamos o árduo trajeto que esse artista fez até conquistar seu lugar de reconhecimento.
Vemos Touhaku ser duramente rejeitado, se enfiar no meio de chamas e aceitar trabalhados “inferiores” até ganhar uma pequena oportunidade. Então, cheio de sentimentos controversos e incômodos psicológicos, ele ganha a atenção de personalidades marcantes do desenho, budismo e da política.
No geral, a história é bem dramática. Os conflitos com seu rival e inspiração Kanou Eitoku, chefe da Escola Kanou que há séculos trabalha para o governo, acende a chama dentro de si. Em paralelo, seu amigo e conselheiro Rikyu, o mestre e uma referência até hoje do wabicha e da filosofia wabi-sabi, balança suas verdades e o ajuda a encontrar seu caminho. Por fim, a relação com sua família, em especial seu filho, é tanto o vento em suas asas quanto sua âncora.
Nesse contexto, vemos os principais momentos da vida de Touhaku, seja as conquistas e suas pinturas mais marcantes — inclusive as que se tornaram tesouros nacionais japoneses —, seja as perdas e dores que o artista sofreu e transmitiu em suas pinturas.
Sensibilidade da Arte
Primeiro de tudo, preciso exaltar totalmente como Shimomoto conseguiu transmitir a grandiosidade e sentimentos das pinturas.
Ela transformou os traços em vida, deu a eles alma, movimento, presença e amplitude. A autora conseguiu nos mostrar o calor, o frio, a divindade e os sentimentos das pinturas. Já não é uma tarefa fácil fazer isso com desenhos de sua autoria, quem das obras de um dos maiores desenhistas do Japão.
Enfim, é uma riqueza de detalhes, uma percepção da intenção da obra e um domínio de traços que impressiona. Realmente, nunca vi outro mangá que transmitisse tão bem a intenção e o sentimento de obras de arte quanto Mandala de Fogo.
Inclusive, a última sessão do mangá é a lista de todas as obras (que realmente existem) que apareceram na história. Procurei todas elas, mas algumas foram difíceis de encontrar e outras eu nem achei. Minha vontade é fazer um tour pelo Japão apenas pra ver todas elas pessoalmente.
Drama e História
Além disso, como uma boa fã de tragédias, gostei da carga dramática que essa história tem. Touhaku perdeu pessoas importantes no caminho e o luto mudou a sua forma de ver e fazer suas pinturas.
Inclusive, em mais de uma parte eu realmente precisei segurar as lágrimas, pois fiquei emocionada. Aliado à história, a forma com que Shimomoto representa esses sentimentos com sua arte é lindo, precioso e único.
Por fim, como eu venho dizendo em todos os jidaigeki que estou lendo, eu AMO conhecer mais sobre a história, personalidades e cultura do Japão com mangás.
Mandala de Fogo aborda fortemente conceitos budistas, traz uma perspectiva política da época (meados de 1580) e, é claro, representa inúmeros artistas, monges e governantes que influenciaram a história do país.
Além disso, o glossário e as notas ao longo do mangá nos informam nuances e particularidades que enriquecem a profundidade da história.
Veredito
Serei honesta, quando vi que o mangá era sobre a história de um desenhista, fiquei meio desconfiada. Afinal, o que poderia sair de tão interessante nisso?
Bom, não sei se é a forma com que Shimomoto fez a obra, se é a vida de Touhaku que é realmente muito interessante ou as duas coisas juntas. Sei que funcionou muito e é um mangá incomparável.
O peso já vem com o nome que impressiona, o trabalho da capa e sobrecapa super marcantes e chamativos e os traços lisinhos da autora. Sendo assim, Mandala de Fogo diverte, emociona, ensina e encanta com a vida de um gênio da pintura japonesa. Como sempre, a Pipoca & Nanquim trouxe uma publicação que vale cada centavo, página, traço e palavra.
Recomendo totalmente, sem pensar duas vezes.