Malorie (Josh Malerman) é o segundo livro da sequência Caixa de Pássaros, lançado em 2020, e que explora um mundo novo de terror e medo do desconhecido sob uma nova perspectiva. Enquanto em um jamais é lhe permitido tirar a venda, no outro ela se torna — ou pelo menos parece ser — símbolo de um passado covarde e aprisionador.
Agora, doze anos depois, Malorie ainda se prende a um simples objeto, à venda, como sua forma máxima de sobrevivência. No entanto, o mundo pode não parecer tão justo, e Malorie, que precisou lutar tanto pela sua sobrevivência e de seus filhos, se vê novamente enfrentando o desconhecido. Novamente, fora de uma zona de conforto que já não era confortável.
Um entediante e encorajador livro sobre esperança e confiança
Refletir, compreender e escrever sobre Malorie é uma tarefa fácil, mas, por mais incrível que pareça, ao mesmo tempo não. Tomemos como ponto de partida uma análise comparativa com o primeiro livro da sequência, Caixa de Pássaros.
Enquanto o primeiro se alicerça na escuridão do medo e do desconhecido, Malorie, por outro lado, se apoia no que podemos chamar de seus opostos, na luz da esperança e do conhecimento, se me permitem a metáfora já tão debatida. É inegável que essas dualidades, medo versus coragem, conhecido versus desconhecido, escuridão versus luz, sendo representadas em livros diferentes que, por sua vez, se separam por um espaço de tempo de 12 anos, é uma perspectiva muito interessante de se abordar.
Além disso, numa perspectiva mais geral, o livro parece mais um diário e, parando para pensar, será por isso que o nome do livro é “Malorie”? Porque é uma jornada pessoal, não só física, mas principalmente emocional da personagem? É, talvez.
De qualquer forma, nós recebemos uma quantidade excessiva de pensamentos e sentimentos, faltando espaço para a emoção da história em si. É contraditório sentir que a parte mais “morna” do livro foi muito melhor desenvolvida do que a parte final, que deveria realmente balançar as emoções do leitor, dados todos os acontecimentos. Fazendo um comparativo com o primeiro livro, que emociona pelo terror, pelo medo, pela morte, o segundo tenta (e consegue, não posso negar) trazer um enredo encorajador.
Pássaros Livres
Naturalmente, eu penso que, mesmo em situações muito drásticas, o ser humano não se aprisiona por muito tempo, porque simplesmente não consegue. Imagina só, nós passarmos 20 anos só tentando sobreviver? e não viver? Não sei para você, mas para mim, com certeza, é impensável.
A gente não se acomoda. Uma Caixa de Pássaros não consegue nos aprisionar. É mais do que óbvio que haveria pessoas tentando encontrar respostas e soluções. Essa é a nossa principal característica, acredito eu. Ser sujeito e objeto no processo de transformação, um conceito que o autor tenta passar de forma muito clara. E o passa. De uma forma pouco satisfatória, estranha, confusa e pouco palpável, mas o passa.
Sem sal nem tempero
Eu costumo acreditar que os melhores livros são aqueles capazes de tocar nosso íntimo de alguma maneira, de mexer com a nossa cabeça, efeito que não é causado por Malorie no leitor. O livro é morno, para não dizer morto, até mais da metade da história. A maré só vira com a grande descoberta sobre Gary. Quando Malorie é jogada do trem.
Nesse momento, um mundo de possibilidades é aberto aos nossos olhos: grandes reviravoltas tornam-se cada vez mais reais e a chance de um enredo eletrizante toma forma. Mas, bom, não é isso que acontece.
Aparentemente, jogar Malorie do trem foi uma alternativa rápida e simples para dizer “Olympia enxerga. Olympia é imune.” Há uma ausência de suspense, um encaixe sucessivo de peças que nos traz aquela sensação de “Agora eu entendi, agora TUDO faz sentido!”. Essa sensação faz muita falta dada a forma com que a descoberta é trazida.
Inconsistência
Além disso, outros núcleos da história também podem ser considerados interessantes, mas poucos convincentes, como é o caso da sedução de Tom por Gary para a “causa”. Por exemplo, é de se questionar como um adolescente de 16 anos, inteligente, perspicaz e corajoso (para não chamar apenas de rebelde), não foi capaz de perceber como Gary (para ele, Henry) fala de Malorie como uma velha conhecida. Ele [Gary] poderia sim formular arquétipos das pessoas que não aceitavam e que tinham medo das criaturas. Mas e então? Falar com toda aquela intimidade foi, no mínimo, suspeito, e Tom, mesmo deslumbrado, poderia, para não dizer deveria, ter percebido.
Outro núcleo pouco convincente é a própria perseguição de Gary com Malorie, que não chega nem a ser insensata, mas puramente inconsistente. Inclusive, usando o personagem como uma metonímia para todas as pessoas de Indian River, ele parece apenas alguém à beira da loucura. Com um ideal, sim, mas só louco.
Claro, essa é a percepção que temos de Malorie e, por isso, essa impressão de simples insanidade é a que fica. No entanto, ainda assim, Indian River e suas teorias e experimentos poderiam ser melhor explorados. Muito corrido e pouco sedutor. Fora isso, o próprio conceito das criaturas se torna um tanto… decepcionante, mas não porque não há uma caracterização física clara, mas porque faltou-lhes um propósito.
Considerações Finais
O autor nos leva a indagações e reflexões por dentro da mente dos próprios personagens, e traz essas criaturas como pivô da transformação de um mundo inteiro, literalmente. E é justamente aí que ficam as perguntas demais e as respostas de menos. Não sabemos se são más, boas ou simplesmente “são”. Se se comunicam entre si. Se há um propósito. Os porquês de suas ações. A razão de levarem as pessoas à loucura a ponto de se matarem.
Conduzir o leitor por meio desses mistérios, como se fôssemos pessoas ativas no “novo mundo” é uma estratégia interessante, mas que deixou tudo tão “no ar” que se tornou não emocionante, como deveria ser, mas persistentemente incômodo e insatisfatório.