Longlegs – Vínculo Mortal estreia nos cinemas brasileiros dia 28 de agosto, sob grandes expectativas do público, por dois motivos. Primeiro, por ter direção de Oz Perkins, que é ninguém menos que filho de Anthony Perkins, intérprete de Norman Bates na versão original de Psicose, um dos maiores clássicos do terror mundial. Segundo, é que já está sendo divulgado como o melhor filme de terror do ano.
Porém, o maior mérito do longa é ter conseguido algo que nem o Motoqueiro Fantasma conseguiu: fazer o Nicolas Cage parecer assustador.
Vamos com calma. Este definitivamente não se trata de um filme ruim. Tem estética própria, é meio cool e tenta ser organizado, sendo dividido em PARTE 1, PARTE 2 e PARTE 3.
Contudo, não faz jus a todo o buzz que está recebendo. Afinal, ao assistir, nos passa o tempo todo a impressão de que poderia ter sido mais. Mais assustador, mais expositivo, melhor elaborado, mais instigante e, principalmente, mais inovador. Ao mesmo tempo, peca por querer ser demais, incluindo todos os elementos clássicos do terror de uma vez só, sem se aprofundar neles.
Porém, se tem algo em que este filme poderia ter sido MAIS mesmo, é no cuidado com que trata a presunção da descrença do espectador.
Enredo
A protagonista Lee Harker (Maika Monroe) é uma jovem agente do FBI que foi designada para investigar um caso de assassinatos em série que estão acontecendo com famílias da cidade. Nesses casos, há um padrão peculiar: o pai sempre assassina a esposa e as filhas.
No entanto, ela não é uma profissional como qualquer outra! Ela tem uma capacidade gigantesca de decifrar enigmas por meio da intuição, conseguindo até mesmo saber onde um criminoso está usando a adivinhação. Com isso, tem uma vantagem muito maior nas buscas por um culpado.
O único problema é que chega a ser risível o quão longe ela consegue ir na trama sem que seu chefe e demais colegas de trabalho desconfiem que ela tenha algum vínculo (ora ora, se não é o título do filme, não é mesmo?) com o principal suspeito, o nosso querido vilão, Longlegs.
Contudo, o fato dela ter essa ligação com ele não é algo que o espectador precisa adivinhar, já que é mostrado com clareza nas primeiras cenas da PARTE 1. Aqui, o suspense principal foca em descobrir como se deu este vínculo. Assim, o desenvolvimento desta parte foi bem confuso e pouco instigante.
Mistério
As investigações de Lee não eram do tipo que o público consegue ir juntando as peças com ela à medida que vai encontrando mais pistas. Na verdade, é uma charada que parece não fazer o menor sentido, mas que sabemos que é maligno por formar figuras características do terror, como triângulos e cruzes. Ou seja, pouco criativo.
Seria “ok” se essa parte fosse rápida e introduzida apenas para dar o contexto que a investigação precisa. No entanto, em vez disso, gasta muito tempo de tela com esse enfoque e sem resoluções que ajudem na nossa imersão. A trama não anda.
Sabemos que tem um mistério envolvendo cartas deixadas na cena do crime, o número 14 e aniversários. Mesmo assim, ganhamos tão pouca informação sobre o que isso pode significar que não dá nem para tentarmos adivinhar. Isso tira um pouco da graça da experiência que é assistir um suspense.
Boa parte é Harker e seu chefe, William J. Carter (Blair Underwood), discutindo sobre o que isso quer dizer, sempre com ele a questionando sem sucesso.
Personagens e atuação
Sobre Lee Harker, em específico, entendemos que a personagem precisa ser apática à vida, por conta de um trauma que sofreu na infância. Porém, não precisava ser desinteressante também. Maika Monroe interpreta com pouca emoção. Criamos pouco apego pela moça e torcemos mais para saber logo a resolução do caso, independentemente dela se dar bem com isso ou não.
Enquanto isso, Blair Underwood, que dá vida ao delegado chefe do FBI, está ótimo. Natural e carismático na medida certa, ele eleva a personagem de Harker quando contracenam. Fez muito com o texto às vezes limitado e repetitivo que recebeu.
A breve participação de Kiernan Shipka interpretando a menina amaldiçoada, Carrie Anne, já foi suficiente para nos mostrar suas habilidades artísticas. Afinal, com o pouco que tinha para fazer, fez muito bem, a ponto de demorarmos para reconhecê-la também. Ela encarna perfeitamente uma pessoa atormentada pelo maligno, sem ficar caricata.
Alicia Witt também está bem. Suas cenas são no momento mais crucial do filme, quando tudo se revela, inclusive sua identidade. Este momento é nas cenas finais da PARTE 3, então a vemos pouco, porém suficiente para notar que ela fez um bom trabalho. Não muito impressionante, mas o bastante para que os jovens tirem print de seus frames e espalhem em edits pelas redes sociais com legendas que dizem algo como “icônica”, para hypar o filme.
Nicolas Cage
Agora, chegamos nele, a grande estrela do filme, Nicolas Cage! O ator, que é famoso por ter seu rosto estampado em diversos memes, está irreconhecível e nada engraçado aqui.
Na verdade, ele pode te fazer rir em algumas cenas, como foi o meu caso, ou sentir um frio na espinha. Afinal, com uma caracterização que inclui próteses de nariz, cara pintada de branco, cabelos longos e pálidos, misturada a risadas estridentes e uma voz perturbadoramente fina, não se distancia da figura de um palhaço, por exemplo, que é o pesadelo de muitas pessoas.
Contudo, o melhor aqui foi a sutileza. A princípio, ele parece um homem idoso meio esquisito, excêntrico, mas ainda assim, um homem, não uma figura demoníaca como, por exemplo, o Bughuul do filme A Entidade.
Então, podemos dar o benefício da dúvida dele ser apenas um senhor inofensivo com disturbios mentais. Contudo, à medida que ele vai mostrando sua personalidade, os elementos que poderiam passar batido, como a voz, as mudanças repentinas de humor, o deboche e o olhar vago, podem se tornar assustadoras, dependendo do nível de imersão do espectador.
Mesmo assim, nada disso seria possível se Nicolas não soubesse acertar o tom exato da interpretação que Longlegs exigia. Ele deu um show e mostrou mais uma vez a sua versatilidade como ator nesse papel.
Pontos Fortes
Apesar de parado durante uma grande parte, o filme sabe criar bons momentos de tensão a partir disso. Ele não entrega muitos jumpscares, mas cria uma atmosfera para que possamos esperá-los. Por exemplo, planos abertos em ambientes grandes e com muitos cômodos, que te fazem ficar olhando a toda hora para algum canto esperando aparecer alguma coisa.
Outro exemplo é o efeito dos olhos das bonecas reluzindo sobre o véu escuro, que é simples, mas efetivo. Consegue te arrepiar e também vai servir bem para o material de divulgação.
Pontos Fracos
A divisão em PARTE 1, PARTE 2 e PARTE 3 acaba não sendo muito efetiva, já que a trama corre normalmente como em um filme comum. Fica claro que foi uma decisão puramente estética, mas nisso, realmente pode ter sido efetivo, dada as preferências de quem assistir.
Ainda falando em estética, algumas escolhas me pareceram deslocadas e inseridas em momentos ruins. Por exemplo, as figuras em vermelho que apareciam do nada na tela como a logo da Jequiti aparece nos programas do SBT.
A intenção é criar um mistério, uma tensão, mas acaba só ficando desconexo mesmo, porque elas não representam muita coisa. A que mais aparece é a imagem de cobras, mas, além do som medonho do sibilar, em momento algum o filme revela uma ligação com cobras, além delas serem figuras presentes no ocultismo, ficando assim bem vago.
Mesmo assim, vai fazer muito sucesso no Tumblr e no Pinterest. Isso me incomodou também. Tinha vezes que parecia que o longa estava mais preocupado em criar takes para viralizar do que contar a história, de fato.
Dentro das uma hora e quarenta minutos de duração, vemos ocultismo, satanismo, espíritos, manipulação, serial killer, suspense, gore e tudo o que mais entendemos como sombrio só na última meia hora, tornando difícil fazer um paralelo entre todos sem ficar vago.
Longlegs – Conclusão
Longlegs tinha uma boa ideia e teve uma execução meio bagunçada. Apesar de não ser inovador, poderia ter aproveitado para mostrar a que veio desde o início e aproveitado ainda mais a figura de Cage. Que, no fim, passa o bastão para outra personagem.
Também dei uma leve virada de olhos quando descobri que a motivação de tudo vinha do ocultismo. Seria interessante ver que todo o mal era resultado de uma mente perturbada de uma figura exótica como Longlegs. Porém, aí já não é culpa do filme não atender minhas necessidades específicas.
Dito isto, não considero um filme ruim, tem muitos piores no gênero. Ele entretém e tem um bom vilão, mesmo que mal aproveitado, mas, com uma organização melhor, poderia ser mais, muito mais!