Sob o céu paulistano do Allianz Parque, no último sábado (19), algo próximo de uma experiência religiosa aconteceu. Não houve milagres – apenas técnica impecável, décadas de maestria e uma demonstração visceral do que significa ser uma lenda viva do heavy metal. O Judas Priest, grupo que há 55 anos forja os fundamentos do metal, transformou sua apresentação no Monsters of Rock 2025 em um testamento sonoro de sua imortalidade.
A INFALIBILIDADE DE UM “DEUS”
Aos 73 anos, Rob Halford não pede licença para entrar – ele simplesmente domina o espaço como se o tempo fosse apenas um conceito abstrato para mortais comuns. Seu título de “Metal God” nunca pareceu tão apropriado. Com movimentos precisos, calculados para maximizar o impacto sem desperdiçar energia, Halford prova que envelhecer no rock não é vergonha – é privilégio.
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— Suco de Mangá (@sucodm) April 26, 2025
O vocalista abordou faixas tecnicamente desafiadoras como um artesão confiante, moldando notas que desafiam a lógica biológica. Durante “Painkiller”, música que os trouxe pela primeira vez ao Brasil no Rock in Rio de 1991, Halford não fugiu de suas responsabilidades vocais. O momento mais arrebatador, porém, veio com “Victim of Changes”, quando, após uma tocante homenagem visual a Glenn Tipton, ele atingiu agudos que fariam cantores de metade de sua idade tremerem de intimidação.

UMA LEGIÃO DE FERRO
O baixista Ian Hill, aos 74 anos, permanece como a única conexão direta com a formação inicial de 1970, além de Halford. Como guardião silencioso, Hill executa seu papel com uma dignidade estoica – ciente de que seu valor está precisamente em proporcionar a fundação sobre a qual os outros membros podem brilhar.
Os guitarristas representam um fascinante contraste geracional. Richie Faulkner, 45, transformou-se na segunda força motriz da banda desde a saída de K.K. Downing. O músico, que sobreviveu a um aneurisma de aorta em pleno palco em 2021 e posteriormente a múltiplos AVCs que, segundo ele próprio, causaram danos cerebrais, exibe no palco uma resiliência quase sobrenatural. Sua técnica agressiva e presença magnética consolidaram-no como pilar fundamental do Priest contemporâneo.
Judas Priest – Electric Eye no Monsters of Rock pic.twitter.com/opfVBnZdmZ
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Andy Sneap, 55, inicialmente trazido como substituto temporário para Glenn Tipton após o diagnóstico de Parkinson do guitarrista original, encontrou seu lugar na formação. Mais reservado que Faulkner, mas igualmente fundamental, o produtor-tornado-guitarrista demonstra crescente confiança a cada tour – expandindo seu repertório de solos, movimentando-se mais pelo palco e até cultivando uma juba na medida do possível.
Nos bastidores da potência sonora, Scott Travis, 63, mantém a máquina em funcionamento com a precisão de um metrônomo humano. O criador da icônica introdução de bateria de “Painkiller” executa seu instrumento com a energia juvenil que contrasta com sua posição veterana na banda.

ARSENAL DE CINCO DÉCADAS
O setlist atravessou dez álbuns da discografia, privilegiando o auge criativo das décadas de 70 e 80, mas sem negligenciar o presente. Do novo “Invincible Shield”, a faixa-título e “Crown of Horns” provaram que o Priest de 2025 não é apenas uma banda revival, enquanto “Panic Attack” teve a difícil missão de abrir o show enquanto o público ainda se aclimatava com a imponente estrutura cênica.
A sequência inicial foi avassaladora: “You’ve Got Another Thing Comin'”, “Rapid Fire” e “Breaking the Law” criaram uma tríade explosiva que estabeleceu o tom da noite. O bloco intermediário, com side-tracks menos óbvias como “Riding on the Wind”, “Devil’s Child” e “Sinner”, ofereceu um respiro estratégico que valorizou ainda mais o impacto dos hits que viriam a seguir.
O retorno de Halford em sua icônica Harley Davidson para “Hell Bent for Leather” foi recebido com reverência por uma plateia agradecida, enquanto “Living After Midnight” encerrou a apresentação como uma celebração coletiva do legado imortal da banda.

RESILIENTES POR DESIGN
A trajetória do Judas Priest nunca foi linear. A banda enfrentou uma década inicial de relativa obscuridade até alcançar o reconhecimento merecido; passou por múltiplas formações na bateria antes de encontrar estabilidade; flertou com sonoridades comerciais nos anos 80 que dividiram opiniões; perdeu seu vocalista no auge criativo pós-Painkiller; e até anunciou uma turnê de despedida apenas para voltar atrás posteriormente.
No entanto, em 2025, os britânicos culminam esse caminho tortuoso como possivelmente a banda de heavy metal mais respeitada em atividade. Em um mundo onde ícones do rock continuamente se aposentam, o Judas Priest permanece de pé – não como uma relíquia, mas como um organismo musical ainda capaz de surpresas e momentos transcendentais.
No Monsters of Rock de São Paulo, o grupo não apenas justificou seu lugar no Olimpo do metal, mas também reafirmou que imortalidade no rock não é sobre juventude eterna – é sobre adaptação, resiliência e uma conexão intergeracional que desafia explicações. Por uma noite, os deuses do metal caminharam entre nós, e São Paulo se prostrou diante de sua inegável glória.

SETLIST: JUDAS PRIEST NO MONSTERS OF ROCK 2025
- Panic Attack
- You’ve Got Another Thing Comin’
- Rapid Fire
- Breaking the Law
- Riding on the Wind
- Love Bites
- Devil’s Child
- Crown of Horns
- Sinner
- Turbo Lover
- Invincible Shield
- Victim of Changes
- The Green Manalishi (With the Two Prong Crown) (cover de Fleetwood Mac)
- Painkiller
- The Hellion + Electric Eye
- Hell Bent for Leather
- Living After Midnight
COBERTURA MONSTERS OF ROCK 2025: STRATOVARIUS | OPETH | QUEENSRYCHE | SAVATAGE | EUROPE | SCORPIONS