Em Hotel Íris, Yoko Ogawa, concede a narração à personagem Mari, uma adolescente de dezessete anos que trabalha na recepção do hotel que dá título ao livro. O estabelecimento fica em uma região litorânea e é um negócio de família, que tem como administradora a mãe da jovem, uma mulher linha-dura e viúva.
No entanto, o cotidiano muda completamente quando, certa noite, irrompe uma discussão entre uma prostituta e um homem misterioso, hóspedes no quarto 202.
Então, após o escândalo, Mari sente-se atraída pelo homem. Ele, por sua vez, conta cerca de sessenta anos, está às voltas com a tradução de um romance russo e tem um passado suspeito quanto à morte de sua esposa.
Assim, os dois iniciam um relacionamento para lá de controverso, com uma busca pelo prazer por meios degradantes, humilhantes e violentos.
Com excelente controle narrativo, Ogawa demonstra em Hotel Íris como a memória, tema recorrente em suas ficções, pode adquirir formas diferentes e nada óbvias. Por exemplo, certo desejo que parece estranho demais e até inexplicável — como pode alguém querer isso?, perguntamos —, à luz de uma lembrança torna-se compreensível e confere sofisticação à história, pois se revela uma associação inesperada na trama.
Mari, a despeito da pouca idade e dos absurdos a que se submete, possui sabedoria o suficiente para questionar as recordações pessoais e alheias. Além disso, percebe que nem ela, nem ninguém, se livra tão fácil de traumas graves.
Assim, observando seu próprio caso, ela pode afirmar que “expôs o lado mais abjeto de um ser humano”.

Autora de Hotel Íris
Yoko Ogawa nasceu em Okayama, em 1962. Sua vocação leitora surgiu precocemente por clássicos infantis, graças a um sistema de assinatura de livros de que a família dispunha.
Sendo assim, gosta de citar O diário de Anne Frank como uma referência decisiva para perceber a escrita como via possível e necessária de autoexpressão. Também, estudou escrita criativa e publicou diversos livros, entre ficção e não ficção. Atualmente, vive em Nishinomiya, província de Hyogo — nas proximidades de Kyoto.
Arrebatou todos os prêmios referenciais do meio literário japonês. No Brasil, a autora publicou O museu do silêncio (2016); A fórmula preferida do Professor (2017), obra que foi vertida para o cinema pelo diretor Takashi Koizumi, ex-assistente de Akira Kurosawa; A polícia da memória (2021), cuja tradução para o inglês foi finalista do International Booker Prize; e A piscina; Diário de gravidez; Dormitório: três novelas (2023). Todos os títulos foram publicados pela Estação Liberdade.
Trechos
“Tudo aconteceu quando eu me preparava para trancar a caixa registradora, apagar as luzes do saguão e ir para os fundos. Ouviu-se de súbito um som seco como o de um objeto pesado chocando-se contra o soalho, e logo a seguir ressoou o grito de uma mulher.” [p. 9]
“Pela janela vi o homem andando pelo píer e sendo tragado pela multidão. Apesar da estatura baixa, de terno ele se destacava entre os turistas. Em determinado momento ele se voltou para trás. Eu acenei, mesmo achando cômico fazê-lo para um homem sem relação comigo e de quem ignorava até o nome. Ele fez menção de erguer a mão para responder ao meu gesto, mas a enfiou no bolso, parecendo constrangido.” [p. 23]