Já vou lançar logo de cara: eu GOSTEI do jogo. Anunciado pela primeira vez em 2020 como Project Athia, Forspoken vem com a promessa de ser o novo queridinho de mundo aberto ação/rpg revolucionário em suas mecânicas e claro, acompanhado de uma história atraente para o público ocidental.

Unindo um time de desenvolvimento asiático e ocidental, temos um jogo que mistura tantos elementos que acaba se perdendo na prática do play. Estruturalmente temos uma série da Netflix em um formato esquizofrênico de jogo, mas para entender, venha comigo neste REVIEW que fiz para a versão de PC. A chave foi cedida pela Square Enix e o texto a seguir está livre de spoilers.

Frey e sua vida bandida

Interpretada por Ella Balinska (Resident Evil), Alfre Holland, mais conhecida por Frey, é uma garota órfã que foi encontrada nos túneis de Nova Iorque quando recém-nascida. Vivendo em adoções problemáticas e depois independente quando adolescente, se envolveu com o mundo do crime, praticando pequenos furtos.

No início do jogo temos a personagem em Hell’s Kitchem, um bairro barra pesada e tomado por gangues. Na sequência, vamos para uma cena onde Frey está em um tribunal levando um baita esporro da juíza, esta, que parece ser bem íntima da personagem. Resumo da ópera: ela dá um ultimato para Frey dar um jeito em sua vida, pois se não, é cadeia!

Nisso, temos em tela a exposição de seus problemas internos, sociais e mentais, que após um momento de vida ou morte, desespero mesmo, VUSHHH! Ela acaba se teletransportando para um mundo mágico, um pouco medieval e totalmente tomado pela desgraça. É tistreza que chama?

Com uma personalidade quebrada e mentalidade inconsistente, a única forma viva que Frey realmente se dá bem é com sua gata Homero. Confesso que por ser pai de quatro gatos, me identifiquei em alguns momentos da play no jogo, e até aí, são dos momentos mais bonitinhos de Forspoken.

Seguindo uma linha de Harry Potter com Alice no País das Maravilhas, o isekai trabalha o protagonismo de Frey, a representatividade feminina, a consciência de classe (povo de Cipal) e a jornada do herói, tudo de forma exagerada, previsível e hora ali e aqui, funcional. Lembrando que é possível usar clichês de forma positiva e não há nada errado nisso.

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Imagem Divulgação / Square Enix

Algemas, Theias e a Ruptura

São muitas informações! E o codex da hub do jogo então? Fica lotadão. As duas primeiras horas de gameplay podem parecer confusas, de fato. Demorou um tanto para que depois das tantas cutscenes, pudéssemos nos aventurar de fato por Athia.

Funcionando mesmo como um episódio piloto de série, o trio de roteiristas Gary Whitta, Todd Stashwick e Allison Rymer trabalharam bem nos diálogos e conceito do mundo, e dividido em 12 capítulos, temos uma Jornada do Herói completa. Ou seja, dá mais ou menos para saber o que vai acontecer em cada um dos momentos – não que isto seja um demérito, já que é usualmente comum dentro de hollywood e nós gostamos.

Minha experiência geral com o game foi condizente com o que temos de evolução de protagonismo. Você goste ou não, temos ali um trabalho sendo feito para a construção de Frey em sua jornada. Um destes pilares é Algema, um avambraço mágico que nos dá poderes especiais e feitiços, mas é um tagarela danado que pode incomodar muito player; também temos Auden, uma espécie de curandeira e a “mentora” que nos dá dicas e explicações sobre o mundo.

Outro “personagem” que entra em cena é a Ruptura. Próximo do que vemos em tantos outros jogos e mais especificamente com Kena: Bridge of Spirits, a corrupção, corrosão e degeneração do mundo devastou cerca de 99% dos seres vivos e tudo o que restou são seres espirituais malignos e humanos transformados em uma espécie de zumbi. Parece que esta também é a causa da presença de Frey por lá…

Então, veja bem se você entendeu: para voltarmos para o mundo real, Nova Iorque, devemos acabar com a corrupção, só isso? Sim! Era o que parecia, já que obviamente, somos tomados pelos problemas dos outros – muitos, NPCs sem vida, sem carisma – e bem, não vamos ser egoísta, não é mesmo? Vamos resolver tudo e depois fazer nosso dever para voltar para casa.

Forspoken trabalha com uma linearidade explícita e não há subdivisões narrativas. Apesar de apresentar dois finais possíveis, é evidente que a trama vai te levar mais para o caminho do “final bom” ao “alternativo”, já que como num conto de fadas, depois da Cinderela se ferrar a vida toda, no fim, ela quer a vida de princesa.

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Imagem Divulgação / Square Enix

A Predita em sua solitude

Lembra no começo do texto que falei que gostei do jogo? Então, um dos fatores foi por conta da minha identificação com a cabeça caótica de Frey. Não tenho ideia se são conceitos colocados de forma objetiva, mas muitas ações são tomadas em detrimento de pensamentos egoístas; ora, outras com base da bondade genuína. Isto é o que nos faz Humano, acredito.

Uma das críticas da Indústria com Frey em Forspoken foi de como ela é uma personagem inconsistente. Esta, na verdade, foi a característica que me chamou a atenção. Na verdade, gosto de personagens quebrados, complexos e fora do padrão; aqui, neste último, sabemos que a representatividade foi objetiva, assim como muitos elementos narrativos do jogo.

Outra coisa que me “pegou” foi sobre a abordagem do povo preto e seu apagamento na sociedade. Temos um pouco disso quando jogamos em Nova Iorque e por conta da equipe de desenvolvedores consultar comunidades pretas, há um trabalho interessante feito. Dentro disso, questões como A Solidão da Mulher Preta, Maternidade, Matriarcado e Liderança são constantemente debatidos dentro da trama do jogo. Se são temas tratados de forma consistente e harmoniosa dentro da narrativa, aí posso dizer que nem sempre, mas vale o GOLE pelo holofote dado.

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Imagem Divulgação / Square Enix

Athia é cheio de missões, mas sem densidade

Uma das minhas provocações com os cenários extensos e mundo aberto dos games é com relação a sua densidade. Em Forspoken temos Athia, dividido em 4 reinos, cada qual com sua diversidade opaca de vegetação e ruínas bucólicas e inóspitas para os athienses.

Estas regiões são governadas por Theias, líderes poderosas e próximas do que podemos chamar de sacerdotisas. Cada uma delas representam um aspecto e seus poderes giram em torno deles, sendo: Amor, Guerra, Sabedoria e Justiça, sendo seus reinos respectivos também trazerem destes elementos para ambientação.

O problema é que por conta da tal Ruptura dizimar 99% da população mundial, só nos resta um cenário vazio cheio de hordas de monstros e animais endemoniados. Há uma lore carregada e cheia de arquivos para compor a Criação de Mundo, que de fato, é muito interessante, mas na prática do play, não é nada atraente andar sem ter uma surpresa a frente: apenas monstros, dungeons, itens e rochas para nosso parkour…

Aí você me pergunta: como assim? Há centenas de missões e sidequests! Exato! Mas por conta de que temos poucos NPCs bem trabalhados e POUCA interação com o resto do mundo, tudo parece vazio e não temos aquela motivação para ajudá-los. Faltou aquele elemento surpresa no cenário, já que por exemplo, não há passagem de Dia para Noite, o que dá uma sensação maior de repetição.

Há câmaras roguelikes; gatinhos para procurar; monumentos com recompensas e desafios contra o tempo, o que torna o replay ou o pós detonado com uma sobrevida, mas se você não se identificar com os athienses e sua problemática, duvido que você sentirá vontade de se arriscar por eles – e tudo certo. Considero uma gameplay de 15 horas algo justo para o que o jogo se propôs e algo além disso (o dobro, talvez), para a galera que busca grindar; o tal amante da repetição.

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Imagem Divulgação / Square Enix

Horizon Fantasy Creed Cry

Os desenvolvedores tentaram colocar TUDO o que existe dentro do universo de Ação/RPG/Mundo aberto e colocaram por aqui. Nem sempre de forma saudável ou bem empregada, as mecânicas são sim interessantes e achei o combate, quando não há cutscenes, bem empolgantes, principalmente contra os chefes principais e contra os monstros elite de mapa.

Identifiquei mecânicas próximas da franquia Horizon Zero Dawn, Final Fantasy XV, Assassin’s Creed e Devil May Cry, indo de árvores de feitiços, aplicações de combos e até mesmo uma nota na finalização do mob inimigo. Para exemplificar, temos três botões de ação, sendo o Feitiço de Ataque, o Feitiço de Suporte e a Ult, com cooldown e níveis para elevar.

Há uma complexidade mecânica, mas se você se habituar com um jeito de jogar, passará o jogo todo apertando os mesmos botões, já que Forspoken te obriga mais a desenvolver uma técnica de saltos e esquiva, do que propriamente de combos extensos, como em DmC 5, por exemplo.

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Imagem Divulgação / Square Enix

Performance

Sobre o maior problema de Forspoken, sua performance, não há muito o que dizer, infelizmente. Repetindo o que vimos em Final Fantasy XV, quem não está com um PC atualizado, pode esquecer: não passe nem perto do jogo. A otimização está bacana mesmo é no PlayStation 5, com três modos gráficos: Desempenho, Qualidade e Ray Tracing. Minha dica? É deixar sempre no Desempenho.

Voltando para o PC, temos um visual de qualidade, mas não é da atual geração. Sem bugs, temos quedas bruscas de quadros e seu desemprenho até mesmo em placas highend, como uma RTX 3070 está com problemas. Ainda não sabemos se este problema será resolvido, apesar de notar uma leve melhoria com o patch 1.02; vale lembrar que tenho uma RTX 2060 e tive que setar o jogo no Médio/Alto travado em 30 quadros por segundo. Tirou um pouco da agilidade em combate? Tirou, mas foi a melhor forma d’eu escapar dos stutterings.

Outra dica: não utilize Resolução Dinâmica e fique atento com o seu DLSS. Estas opções podem destruir cenários ao longe e até mesmo deformar NPCs em média distância na cidade, atrapalhando a imersão na jogatina.

Conclusão

Forspoken é um jogo que traz uma fantástica história de mundo e uma narrativa que pode lhe arrancar algumas lágrimas, principalmente em sua reta final. Bear McCreary retorna com seus arranjos fenomenais ao lado de Garry Schyman (Middle-earth: Shadow of Mordor, Bioshock), dando aquela gordura na massa sonora e dramática do game.

No mais, se você não se identificar nas primeiras horas com Frey, que acho aqui um fator determinante, tudo na questão técnica e mecânica poderá parecer maçante e cansativo. Blockbuster em sua concepção, Forspoken na verdade agradará poucos, assim como eu, uma exceção – ou seria predição?

Jogou Infamous Second Son? Tá aí, talvez um público carente e que procura tal nostalgia, no mais, o preço cheio de Forspoken não conversa com a realidade brasileira e fica difícil recomendá-lo. Com mais atualizações, uma DLC parruda e queda de uns 50% no preço, aí a jornada por Athia começa a ficar interessante. Agora, e esse celular da Frey que nunca descarrega? 

REVIEW
Forspoken
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BELLAN
O #BELLAN é um nerd assíduo e extremamente sistemático com o que assiste ou lê; ele vai querer terminar mesmo sendo a pior coisa do mundo. Bizarrices, experimentalismo e obras soturnas, é com ele mesmo.
forspoken-reviewForspoken coloca os jogadores no lugar de Frey Holland, uma jovem comum que deve aproveitar suas habilidades mágicas para sobreviver em uma terra fantástica e perigosa chamada Athia. Frey ocupa o centro do palco em Forspoken, explorando um mundo desconhecido e enfrentando provações traiçoeiras para desvendar o mistério por trás deste universo inóspito.