A história de um garoto que, por estar na hora errada no lugar errado, foi de um filho gentil a um detento no reformatório, de astro do rock a líder de uma revolução. Essa é a história de Aaron, protagonista de Fire, uma das novidades da Pipoca & Nanquim.
Já fizemos o Primeiro Gole do mangá, no qual trouxe minhas primeiras impressões. Agora, no Review, darei minha opinião com um pouco mais de detalhes.
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- Leia também: Fire | Primeiro Gole
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Antes disso, lembramos que a obra foi escrita por Hideko Mizuno, um grande nome quando falamos de mangás shoujo. A autora foi uma das mulheres pioneiras no gênero e moldou sua forma até os dias de hoje.
Inclusive, quando ainda era muito jovem, Osamu Tezuka, o Deus do Mangá, reconheceu seu talento e elogiou seu trabalho.
Portanto, sabemos que sim, Fire é uma publicação importante, a autora tem um renome absurdo e nada muda isso. Reforço que nenhuma das minhas opiniões muda essa fato, nem tenta diminuir o renome de Mizuno.
Com isso em mente, vamos ao que interessa.
Enredo
Aaron é um adolescente estadunidense que, por um mal entendido, acaba indo para um reformatório. Nessa prisão para jovens delinquentes, ele encontra Fire Wolf, rapaz mais influente e com espírito livre do lugar.
Buscando sobreviver ao reformatório e encontrar consolo em sua situação, Aaron se aproxima de Wolf e da música. Assim, quando sai do lugar já mais velho, leva esses dois legados consigo.
Mudando de cidade, Aaron se encontra no meio musical noturno, onde conhece outros quatro rapazes perdidos na vida que acham um caminho juntos. Eles formam a banda Fire e se tornam um absoluto sucesso, ficando no topo das paradas.
No entanto, Aaron nunca se conforma com sua situação, pois não concorda com a ganância do mundo e da música. Tentando proteger seus ideais e encontrar a si próprio, ele entra em uma espiral auto destrutiva que afeta todos à sua volta.
Então, a Fire irá sobreviver a essa queda, ou será o fim do seu reinado?
Personagens
Primeiro, vamos falar de Aaron (o único personagem com um pouco de profundidade). Chato. Irritante. Birrento. Egoísta.
Ele é um garoto que pensa apenas em seu prórpio umbigo, mas vou te dizer, mesmo assim ele pensa pouco. Toma decisões impulsivas, não se importa com os colegas de banda, com suas namoradas, nem com a Fire em si. Defende a liberdade de agir e de expressão, a música pela paixão e não pelo dinheiro, a igualdade entre pessoas, mas faz isso de uma maneira tão estúpida que tudo sai pela culatra.
Se as coisas não saem como ele quer: briga, esperneia, bate, sai correndo. Tal como uma criança que teve um sorvete negado. Aaron não me cativou o mínimo de empatia. Na verdade, me peguei torcendo pra ele se dar mal.
O que, infelizmente, se tornou uma pena para a Fire, que tinha membros muito mais interessantes, simpáticos e amáveis do que ele. Gostaria de fazer mais uma seção deste review apenas para falar sobre eles. Porém, não há muito o que falar já que eles são pouco explorados como personagens independentes.
Mulheres
Mesmo assim, falarei apenas sobre as personagens femininas do mangá, porque é uma questão que realmente me pegou.
Elas vivem e morrem (literalmente!) pelo Aaron. São o retrato perfeito da dona de casa dos anos 60, doces, perfeitas, serventes, submissas e prestativas. Desatam noivados, abandonam carreiras, se submetem a humilhações pelo Aaron. Um desespero de ler.
A mais sensata é a Marina, que teve um final trágico, coitada. Todas as namoradas dele, inclusive as menores de idade (!!), são meio desmioladas e vivem para respirar o mesmo ar que o Aaron respira.
A mulher mais forte e dona de si é Marge, mas ainda está longe de ser um exemplo que nós ficaríamos felizes em ter.
Violência
Junto isso com algo que me incomodou profundamente no mangá: violência doméstica.
A quantidade de vezes que Aaron bate nas namoradas, que humilha, que as ve como posse é simplesmente errado. Inclusive, uma delas chega a falar “se ele me bater é porque eu mereci”, ou algo do tipo. Primeiro, não. Apenas não. O suprassumo do relacionamento tóxico.
Sim, a autora nasceu em 1939 e Fire foi publicado em 1971. Sabemos que são outros tempos, outro modo de pensar, de enxergar o casamento e a posição do homem e da mulher na sociedade, enfim.
Mesmo assim, não dá pra ver isso e fechar o olho fingindo que não incomoda, que não é um gatilho e um alerta vermelho. Compreendo a época em que foi escrita, mas como leitora atual, digo que envelheceu como um leite fora da geladeira.
Ponto positivo
Dito tudo isso, tem alguns pontos de Fire que eu gostei.
Ser uma história que aborda o movimento hippie e underground, a contracultura tão forte no fim dos anos 60 e anos 70, mostra uma perspectiva não tão comum nos mangás. Os questionamentos sobre o nosso sistema de sociedade, a sede desenfreada pela ganância, a certa perversidade que habita as pessoas, tudo isso são questões legais de refletir.
Também, o lado humano que existe em todos nós. Às vezes queremos jogar tudo pro alto e viver livre, mas quando a fome aperta com certeza voltaríamos pra rotina. Ou, até mesmo a birra de Aaron. Queremos que o mundo se dobre à nossa vontade e quando isso não acontece, parece o fim do mundo.
A luta contra o racismo, mostrando que todos devemos nos unir pra combater esse preconceito. Foi feito da melhor maneira possível? Não, mas está lá. Vamos e convenhamos, muito mais do que muito mangaká já pensou em fazer.
Além disso, o primeiro volume traz uma pequena história inspirada em Pink Floyd e o segundo de Keith Jarret, além de várias referências a bandas, músicos e festivais que realmente existiram.
Conclusão
Enfim, ficou claro que não gostei de Fire. Normalmente, eu amo muito os mangás que a Pipoca & Nanquim publica. As coletâneas do Junji Ito são meu xodós, a história de Musashi é incrível e Confins de um Sonho tem um lugar muito especial no meu coração. Porém, Fire não me ganhou.
Enfim, talvez eu fiquei tendenciosa pelo protagonista ter me incomodado tanto. Quem sabe você enxergue coisas que eu não vi, ou entenda mais do que eu as mensagens que Mizuno queria passar. Se você ler o mangá e discordar de tudo o que eu falei, te convido a comentar sua opinião. Afinal, Fire deixou sua marca na história dos shoujos e com certeza não será este review que irá mudar isso.
2.5 PONTUAÇÃO GERAL |
SINOPSEEstados Unidos, final da década de 1960. Preso injustamente em um reformatório, o jovem Aaron encontra refúgio na música e nas mensagens de liberdade de seu colega delinquente Fire Wolf. Após sair de lá e conhecer um grupo de músicos em Detroit, ele decide espalhar a palavra de Wolf pelo mundo, encantando a todos com sua voz e o violão herdado de seu amigo, enquanto alcança o estrelato e estoura nas paradas de sucesso com a banda de rock Fire! |