O Suco de Mangá entrevistou a protagonista Ísis Valverde, o diretor Hugo Prata e a roteirista Duda Oliveira do filme Angela. O longa-metragem conta a história da socialite Ângela Diniz, vítima de feminícidio.

Então, confira agora um pouco da conversa com eles sobre os bastidores, preparação e expectativas para o filme.

Primeira pergunta vai para o Hugo. Como foi escolher contar a história de Ângela no cinema?

Hugo: Depois do Elis, eu senti que esse era um assunto urgente, necessário de continuar dando voz à histórias de mulheres brasileiras. Histórias significativas, histórias que tivessem elementos cinematográficos, óbvio.

No caso aqui, um louco amor com a virada para um crime e, ao mesmo tempo é curioso porque foi em 2016 que eu comecei a trabalhar nesse projeto e ainda não existia o Me Too. Eu senti que isso era latente e depois que começou o Me Too eu senti que perdi a chance. O filme era para estar pronto, me senti atrasado, mas infelizmente continua atual.

‘Angela’ fala sobre um assunto necessário e retrata parte da vida de uma figura proeminente dos anos 1970. Como foi adaptar esse trecho da vida de Ângela Diniz?

Ísis: Foi um grande desafio adaptar esse trecho e levar essa mulher para a tela do cinema. Ângela era muitas coisas, sabia disso e vivia todas as suas facetas. Ela era um mulher extremamente livre e desejante, em um momento onde as mulheres era ainda mais reprimidas.

Duda: Acho que adaptar não é bem a palavra. Estamos falando de pessoas reais, então nos ancoramos em dados de realidade, só que o recorte do filme fala justamente do que não é público. Ele fala justamente do que acontecia quando os dois estavam à sós.

Isso era algo que, por mais que estamos falando de pessoas reais, não tínhamos como saber exatamente o que que acontecia nesse foro mais íntimo deles. Então, foi um trabalho de partir da realidade para poder entender as coisas que estavam as coisas que estavam acontecendo na vida de Ângela naquele momento e como isso reverberava emocionalmente nela.

Ao mesmo tempo, tem uma construção ficcional da personagem para entender qual é o coração dessa personagem, as motivações dela e somar todas essas camadas para entender como essa personagem anda e fala.

Hugo, na sua cabeça a Ísis sempre foi a atriz para interpretar a Ângela, por quê?

Hugo: Eu conhecia e admirava o trabalho dela. Nos aproximamos e fiquei com muita vontade de fazer um trabalho com ela por ver uma potência dramaturgica e emocional imensa. Ela tem uma coragem de ir à buracos emocionais que eu e você não precisamos.

É preciso coragem para entrar naqueles lugares que ela entra e você vê que ela não precisa fazer nada, só vai e sai água dos olhos dela.

E outros elementos técnicos dela como atriz, physique du rôle para a personagem. Ela apareceu imediatamente para mim como opção e já logo consultei, ela topou. Em 2017 nos encontramos e sei lá, sempre foi dela.

Cada dia acho que deu mais certo.

Como foi o momento em que todo o elenco e equipe de produção sentou para ler o roteiro pela primeira vez?

Ísis: Emocionante. Dá um frio na barriga quando chegamos nesse momento depois de tanto conversar sobre o projeto. É a hora em que a ficha cai, sabe?! Do tipo: “nossa, está acontecendo mesmo.”

Duda: Esse momento aconteceu quando os atores já “tavam” em preparação, então já tinha caminhado um pouco. Eles já estavam bebendo desses personagens, então fizemos uma leitura com todos eles e comigo presente. A minha sensação foi uma sensação muito… caramba, já tava muito pronto. Eu senti que todos os atores já tinham conectado com os personagens de uma forma muito forte.

Eu fiquei impressionada com esse trabalho de mergulhar e como eles estavam muito entregues ao texto. Me senti muito honrada e falava “caramba, que incrível que isso tá acontecendo”.

Ao mesmo tempo, foi quando percebi os silêncios de ‘Angela’. Quando eu estava no processo de escrita, eu sabia que ele era um filme que tinha um tempo e outro, mas eu não tinha me atentado tanto aos silêncios. Nesse momento de leitura eu senti esses silêncios. Como esses silêncios são uma espécie de voz muito presente no filme, como eles são importantes.

Hugo: Foi muito legal. É um filme pequeno, só tem oito personagens no filme, então conseguimos ter o elenco inteiro na mesa. Isso é raro, às vezes não cabe todo mundo e você põe só os protagonistas.

Nesse dia me deu muita segurança na qualidade do texto da Duda. Fluiu a leitura e vi que as coisas estavam jogando uma na outra, todas fundamentais, nada sobra. Quando se tira uma cena e ela não faz falta, ela não volta.

Senti que estava muito bom, o arco dela é muito difícil, o arco dele é muito difícil e isso tudo estava fluindo muito bem. Nesse dia eu tirei uma preocupação das costas.

Duda, você conversou com amigas da Ângela para entender quem era ela. Após os relatos, como foi o seu processo para organizar as ideias e escrever o roteiro?

Duda: Tem informações que se repetem e elas tinham unidades muito claras. O fato da Ângela ser uma pessoa que sabia se divertir. É uma amiga que quando você quisesse se divertir, sair pela noite de Paris e dar boas risadas em um restaurante, uma boate, ela era essa amiga. De ser uma pessoa verdadeira, que falava a verdade, não tinha papas na língua. Essas informações se repetiam, então eu comecei a entender um padrão nesses relatos.

A maior descoberta que eu tive para entender Ângela realmente foi a coisa das amigas, ela tinha muitas amigas. Isso vai muito contra a imagem de femme fatale que era pintada dela. Sim, ela era uma mulher sedutora, com consciência do poder que ela exercia, mas ao mesmo tempo uma mulher muito leal às suas amigas.

Essa foi uma descoberta muito especial da personagem, muito grata da personagem.

Como foi voltar a trabalhar com o Hugo, Duda?

Duda: Foi muito legal. Na nossa primeira experiência estávamos fazendo uma série, com uma equipe mais robusta de pessoas. A gente já se entendia em alguns lugares de cena e certos momentos.

O Hugo gosta muito desses momentos de sugestão de cena e a gente se entendia muito bem no processo criativo da série. Como a gente já tinha trabalhado antes, ele me deu um voto de confiança muito grande com esse roteiro.

Ele realmente não interferiu, ele entendeu que esse era um filme feminino, de uma essência muito feminina e que ele tava ali como um condutor, mas que tinha que sair da minha mão aquilo.

Acho que foi a primeira vez que trabalhei com um diretor que colocou na tela o que realmente foi escrito, sem colocar a mão.

‘Angela’ é uma montanha-russa emocional. Como foi o preparo para cenas tão impactantes e que, ao mesmo tempo, são bastantes sensíveis para lidar com um tema tão intenso?

Hugo: Bom, isso tudo já estava no papel e tem muito da sensibilidade da Duda. Eu, sendo o agente provocador, mas ela como mulher e foi ao fundo da alma de todas elas, dos casos de feminícidio e dos abusadores e acho que o texto já trazia bastante disso.

Feliz escalação, porque como eu disse: a Ísis tem esse mergulho. Uma disponibilidade e preparação da Ísis. Ficamos trancados com a Fátima Toledo que é uma grande preparadora e ela faz isso, ela obriga a menina a mergulhar nessa emoção.

E uma disponibilidade incrível da Ísis. Não tinha dia, não tinha horário. Todo dia que eu entrava na sala ela tava lá de moletom, chorando no chão (risos). Então muita preparação.

Qual foi o momento mais desafiador da produção? Tanto em roteiro, direção e viver o personagem?

Ísis: As cenas de agressão. Ela movimentam muito a gente física e psicologicamente. Exercitamos isso na preparação com a Fátima Toledo e na hora de rodar tivemos o auxílio do designer de ação Daniel Hu. Ele nos ajudou muito também nas movimentações.

Hugo: Para mim, o mais difícil foram as cenas de violência. Eu ficava muito aflito, eu via a minha equipe, o impacto. Ela, entregue. Eu fiquei bastante chocado, acho que ali que eu tomei dimensão final da potência e do quão é importante a abordagem da violência.

Eu fiquei muito tocado, muito preocupado com ela, com a equipe.

Duda: ‘Angela’ segue uma estrutura em que até o meio é uma história de amor, mas do meio para o final é uma história de horror. Então, durante a primeira metade do filme, um desafio para mim foi o personagem do Raul.

Sendo uma pessoa real, ele escreveu uma biografia falando do assassinato e da vida. Eu li essa biografia porque precisava entender como ele concatenava as coisas na cabeça dele.

A personagem de Ângela tinha uma urgência de falar, então encontrar a voz dela foi mais rápido. Eu tava mais segura com a voz dela, mas essa mulher precisava se apaixonar por esse homem, então para mim foi muito difícil fazer essa relação. Fazer ela se apaixonar por esse homem que eu sabia do desfecho.

Eu li a biografia dele e achei de um narcisismo tremendo, então para mim foi “como que essa mulher tão incrível viu nesse cara?”. Mas eu consegui chegar nesse lugar, passei por esse obstáculo.

Aí, do meio para o final, cada página a mais era uma página a menos na vida de Ângela, então eu fui ficando muito ansiosa e angustiada. Eu escrevia cinco páginas por dia e cada sexta-feira eu entregava 25 páginas para ele.

Na semana final de escrita, eu perdi a minha voz. Eu tive uma coisa na garganta que eu fiquei sem voz, três dias assim. Essa história e esse roteiro exigiu uma fisicalidade, não só minha. Você vê a fisicalidade que ‘Angela’ exige da Ísis também.

Então, ele é um roteiro muito desafiador. Passar por esse processo de perder a voz e depois ver a voz voltar foi entender o quanto que me afetou.

Ísis, de todas as cenas qual foi a mais marcante para você?

Ísis: Foram muitas, mas uma das mais marcantes foi a cena em que Ângela está na praia com a Toia (Bianca Bin). Ela fala um texto tão cheio de angústia e tão significativo. Porque sempre querem nos colocar no lugar de objeto, mas quando veem que a gente não vai responder como esperam, há uma frustração. Ali ela dá vazão a isso. Achei poético e emocionante.

Qual a recepção que vocês esperam do público?

Ísis: Torço para que o público vá ao cinema, reflita e ajude a pensar e propor as mudanças que precisamos para que as mulheres estejam mais seguras na nossa sociedade.

Também espero que as mulheres que vão assistir e estejam passando por alguma situação de abuso consigam se ver ali e que elas busquem maneiras de sair desse lugar de abuso e violência. Que elas tenham esperança de que é possível sim viver de outra maneira.

Hugo: Nossa! Bom, que valha o ticket, né? Que cada segundo valha a pena, mas eu sinto que ‘Angela’ tem impactado muito as mulheres, primeiramente. E é engraçado porque muita gente vem falar com a gente e dizem “ah, eu vivi, minha mãe viveu” e é engraçado como estimula essa discussão.

E tem constrangido bastante os homens também, o que eu acho muito interessante. Essa provocação sobre uma relação abusiva, eu espero que a gente contribua para a discussão e que valha o entretenimento. Que você cresça um pouquinho e que a gente tenha conseguido, com a nossa mise-en-scène, segurar a peteca.

Duda: Eu espero que o filme gere diálogo. Esse diálogo que a gente propõe com Angela é um diálogo de situações muito incômodas para todos os gêneros. São tão incômodas que, socialmente, a gente não consegue lidar com elas.

Ísis, após viver a personagem, como você a definiria e qual a importância dela atualmente?

Ísis: Ângela não tem definição.Ela era ela: transbordante, turva, magnética, mãe, a alegria da festa, a melancolia em pessoa… Foi uma mulher que quis viver e sentir tudo o que desejava.

Diante de uma mulher dessa, eu acredito que é possível se empoderar para não aceitar menos do que merecemos, para exigirmos respeito e pensar que somos por todas. Nossa luta é coletiva, é por todas nós.

Agora um espaço para vocês darem as últimas palavras.

Hugo: Acho que tudo isso tem muito valor da Duda e dela (Ísis). Foi fundamental a visão da Duda, eu jamais teria chegado a esses lugares, e a performance dela ficou sublime. Quando começou era um pouco melhor do que eu pensava.

Duda: Estamos em 2023 e continuamos com taxas altíssimas de feminícidio, com relatos horríveis de relações abusivas. Independentemente do gênero, estou falando de homem e mulher, mas esses papéis podem estar trocados também.

Eu acho que ‘Angela’ toca em assuntos muito incômodos, mas que precisam ser falados. Não dá mais para olhar para o lado.


Angela

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Divulgação: Downtown Filmes

Sinopse: Angela é uma cinebiografia nacional que conta a história da vida e morte da socialite Ângela Diniz, que ficou conhecida após seu assassinato que chocou o país. Na trama, Angela (Isis Valverde) acaba de sair de um divórcio no qual teve que abrir mão dos filhos, e quando conhece Raul (Gabriel Braga Nunes) ela acredita ter encontrado alguém que ama seu espírito livre tanto quanto ela. A atração avassaladora faz o casal largar tudo e viver o sonho de reconstruir suas vidas na praia, mas a relação declina rapidamente para o abuso e violência, terminando em um dos crimes mais marcantes do Brasil.

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