Hoje trazemos para vocês uma entrevista muy caliente com uma gigante da indústria dos mangás… de cultura! Pois é minha gente, Crimson pode não ser um nome muito conhecido nas bandas de cá do globo, mas a mangaká é uma veterana no mundo dos hentais (que no Japão é mais chamado de eromanga). Ela está ativa na cena desde pelo menos 2001; são vinte anos bem vividos de estrada e contando!

Para se aproximar um pouco de seu público, Crimson decidiu criar seu próprio canal no Youtube, não como pessoa física… mas como uma Vtuber (ou Virtual Mangaka, como ela se auto denomina)! Embarcando assim nessa sensação que foi o fenômeno de 2020, Crimson começou o canal com uma modesta expectativa de 10.000 inscritos. Hoje ela conta com mais de 160.000 inscritos, entre lives e pequenos vídeos com momentos com suas assistentes. Aliás, ela não é o único exemplo de uma mangaká que começa um canal do youtube como uma vtuber: temos a recém-casada autora de Himegoto, Tsukudani Norio, e a autora da série Ane Naru Mono, Pochi-sensei. Não é tão raro assim encontrar mulheres envolvidas com mangás interagindo de forma mais direta no Youtube.

crimson sensei logo
Logo do canal de Crimson (Imagem Divulgação)

Não é só pelo seu traço original, ou talento com anatomia ou mesmo sua voz absurdamente suave e de quebrar a compostura que ela chamou a atenção; o que realmente destaca a Crimson como autora é a total liberdade e despudor com que ela explora qualquer tema em seus mangás; temas que inclusive seriam motivo de ultraje aqui (e não, eu não falo entre as senhorinhas religiosas e recatadas). São histórias de deixar os cabelos em pé, se você não tiver a maturidade necessária para saber separar a ficção do real.

[NOTA DO EDITOR] Aqui na equipe do SUCO, acompanhamos o anime Aoi Sekai no Chuushin De (World War Blue), uma paródia da guerra dos consoles Sega vs Nintendo em três episódios, adaptados do mangá de Crimson. Um sentimento de nostalgia e felicidade foi tomado aqui em nosso QG!


É com essa admiração que entramos em contato com a Crimson convidando-a para uma curta entrevista e esta que você confere agora:

ENTREVISTA COM CRIMSON

Suco: Muitos dos seus eromangas contam histórias que envolvem episódios intensos. Prazer e medo parecem misturar-se, criando um ambiente ambivalente. Dito isso, queria saber mais sobre o seu processo criativo. O que te inspira a escrever as histórias que você escreve?

Crimson: Realmente esse é um padrão que existe até certo ponto, mas não é como se eu tivesse algum grande estímulo. Pois eu acredito que quando você vai construir uma história, você acumula pequenas coisas do dia-a-dia na hora de cria-la. Desde alguém com quem eu tenha encontrado, até algum programa ou comercial de TV completamente nada a ver, eu acabo sintetizando alguma coisa que eu tenha sentido delas para dali criar uma história.

Suco: Algumas amigas foram positivamente chocadas com a intensidade de suas histórias. Uma curiosidade que fica é: o que Crimson-sensei sente ao ler uma de suas próprias histórias? Você poderia falar mais sobre isso?

Crimson: Com certeza eu também gosto muito de ver o desenvolvimento da obra, mas não só disso como também da sensação erótica que ela passa. Acho que se eu lesse meu próprio trabalho e não conseguisse sentir essa sensação, eu não teria durado nisso esse tempo todo. Eu leio, me sinto motivada em continuar daquele jeito e é assim que a próxima obra acaba saindo.

crimson
Dona de um traço inconfundível, não só de boa anatomia vivem as protagonistas dos contos eróticos de Crimson; também é possível perceber que a mangaka tem um refinado senso estético, a julgar pela escolha nas roupas e seus detalhes

Suco: Outra dúvida que existe é sobre a participação feminina na produção e consumo de eromangas. Você poderia descrever suas impressões? Entre sua própria experiência, de suas assistentes e de demais conhecidas, como você descreveria a presença feminina no mundo dos eromangas?

Crimson: Eu acho que mangaka é uma profissão que tem pouco a ver com gênero. No final das contas, o que os fãs vão entrar em contato é com uma obra e com seus personagens. Mas daí se algum fã mais hardcore dessa história quiser imaginar que tipo de pessoa é esse mangaka, ou qual é seu gênero, tudo bem também. Eu também apareço no YouTube como um avatar de uma moça de cabelos negros, mas eu bem poderia ser na verdade uma loira russa de dois metros de altura, né?

Suco: Seu estilo é bem único, principalmente nas feições dos rostos. Pode nos contar um pouco sobre suas inspirações artísticas ao longo desses 20 anos em que você vem desenhando? Alguém ou algum estilo em especial lhe inspirou?

Crimson: Sobre a parte de desenhar rostos, eu já fiz vários doujinshis da Shonen Jump, então eu acho que acabei sendo influenciada pelos designs dessas obras mais famosas. Desses mangakas que mais me influenciaram, um deles seria o Nobuhiro Watsuki, de Rurounin Kenshin. Outra influência seria talvez Kentaro Yabuki, de To Love-Ru. Quanto a inspiração para desenhar no geral, eu costumo receber de vídeos adultos.

crimson
O currículo de paródias é extenso e já deu de tudo: Fire Emblem, Death Note, Final Fantasy, Fullmetal Alchemist, Bleach, Yu-Gi-Oh e outras pérolas ocultas de época como Eyeshield 21, Tales of the Abyss e Love Hina

Suco: “Cosplayer Kyousei Zecchou” (355108) foi um dos seus trabalhos que mais me impactou, porque mesmo sendo uma obra de ficção, você parece escrever face a face com uma realidade difícil de se falar sobre. Com ou sem um cosplay amaldiçoado, você ainda fala sobre o preço da fama sobre “ser uma presa do desejo dos homens”, sobre “se tornar um alvo do desejo”. Em resumo, sobre coisas “inevitáveis que talvez jamais mudarão”. Você já chegou a sentir algum receio em publicar algo com um conteúdo mais plausível? Como é escrever sobre assuntos complexos?

Crimson: Meu mangá é basicamente apenas um mangá erótico (eromanga), então eu não procuro colocar nenhuma mensagem social além do necessário. Claro, eu não vou me importar se alguém o ler de uma forma mais profunda, mas eu mesma não penso muito nessas coisas. Para mim o mais importante é o quanto o leitor conseguirá se excitar.

IMPRESSÕES FINAIS

Antes de fecharmos o artigo, uma palavrinha final, porque as respostas da sensei a merecem. Elas podem parecer um banho de água gelada para quem fosse esperar algo de tom mais ocidental. Pois este é o jeito como consumimos arte e cultura deste lado do globo: engajados, ultrajantes, afrontosos, cheios de dedos apontados e com tudo na ordem do dia em prioridade, menos a obra que está na nossa frente.

Mas é aí onde mora a riqueza das respostas da Crimson; não se trata apenas do seu Método Marta Suplicy para escrever e receber inspiração para desenhar (Relaxa e Goza!), mas na intenção pura, simples e direta de fazer o que quer porque é o que gosta de fazer. Não há nada de muito mirabolante ou revolucionário, nem há mesmo tal necessidade disso em primeiro lugar. Essa entrevista lembra que a vida é rica demais para ser resumida a uma bandeira.

to love ru crimson tomoe
As referências mencionadas anteriormente pela sensei. To Love-Ru, desenhado por Kentaro Yabuki e Rurounin Kenshin, de Nobuhiro Watsuki. Ao lado temos Tomoe, uma das personagens centrais na vida de Kenshin Hiruma. Agora, quem desenhou qual Tomoe? Vocês conseguem adivinhar?

Por último, um detalhe mais simples, mas não menos importante. Para meus chegados que mexem com arte ou para qualquer pessoa que esteja lendo isso aqui, meio desmotivada, a maior lição que você pode aproveitar das palavras da Crimson-sensei é essa: amar sua própria criação importa mais que tudo. Ser reconhecido faz bem para a nossa autoestima, sem dúvida, mas não é bom deixar que os números virem prioridade. É amando sua própria arte que você terá o combustível para continuar fazendo o que faz por mais de década.

O autor agradece profundamente ao incentivo dos amigos próximos para a realização dessa entrevista e principalmente à Srt.ª Chinatsu Yoshida que fez pacientemente a mediação dessa entrevista. E é lógico, meus mais calorosos agradecimentos à Crimson-sensei pelo seu tempo em responder às perguntas!