Bloodborne
From Software/SCE Japan Studio
PS4
RPG de Ação
Março, 2015
A primeira coisa que me veio à cabeça quando comecei a escrever essa análise foi uma cena do filme “O Conselheiro do Crime” (2013), onde o personagem vivido pelo ator Michael Fassbender procura um vendedor de diamantes, que lhe fala que os diamantes, na verdade, são medidos por suas falhas.
Assim como o diamante em uma bela joia, Bloodborne tem suas falhas, mas elas não diminuem o seu brilho e valor. Afinal, tal como os diamantes, quais jogos, por melhores que sejam, não tem suas falhas?
Produzido pela mesma parceria entre From Software e Japan Studios da Sony, que trouxe Demon’s Souls ao Playstation 3, Bloodborne é o novo jogo de Hidetaka Miyazaki e pode ser considerado um sucessor espiritual do aclamado Dark Souls.
Horror em Yharnam
Fugindo do clima de fantasia medieval de Demon’s e Dark Souls, Bloodborne apresenta uma ambientação gótica vitoriana, mas não menos sombria que seus antecessores.
Muito embora se trate de um RPG de ação, concordo com Jim Sterling ao afirmar que Bloodborne possa ser facilmente encaixado no conceito de survival horror. O clima é sempre tenso, os inimigos são assustadores e te pegam de surpresa, seu personagem é frágil, e a história segue uma linha de horror.
Tudo isso faz com o que o jogador fique sempre tenso e apreensivo, nervoso para continuar em frente, pois nunca sabe o que espera em cada esquina e cada batalha é uma luta pela sobrevivência, já que até o menor dos inimigos pode acabar com seu personagem com poucos golpes.
O jogo se passa na cidade de Yharnam, um lugar famoso por um antigo remédio, para onde peregrinos viajam em busca de cura para uma doença.
Em Bloodborne, o jogador controla um caçador, que é criado e customizado por ele no começo do jogo. O sistema de customização do jogo é bem complexo, no qual o jogador pode, além de escolher o sexo e a classe, modificar completamente a aparência do personagem.
Embora o sistema de customização seja extremamente complexo (detalhado), há alguns modelos predefinidos e o jogador pode escolher uma base e modificar apenas alguns dos elementos mais básicos, como cabelo, barba e óculos.
Assim como os demais jogos “souls”, após a criação do personagem o jogador é lançado no mundo hostil de Yharnam sem qualquer direção ou explicação.
Porém, o design do jogo é inteligente, e o seu começo é mais linear, tranquilo e pode ser levado como um tutorial, mas sem telas de comando e alguém te dizendo o que fazer: um tutorial onde o jogador aprende sozinho, apenas jogando.
Em relação à história, o jogo também segue a forma de narrativa indireta dos jogos “souls”, porém, em Bloodborne, é um pouco mais direta que em seus antecessores, com a inclusão de algumas poucas cutscenes, mas ainda são poucos NPCs, cujos diálogos são, na maioria das vezes, enigmáticos e não muito explicativos.
A grande fonte de informações do mundo em que o jogador se encontra são os itens, cujas descrições fornecem dicas e informações sobre a história do jogo.
Apesar de que, à primeira vista, esse tipo de narrativa possa parecer vazia e confusa, é na verdade uma decisão de design muito interessante, que faz o jogador preencher os vazios e ligar a história.
Isso tudo leva a comunidade do jogo a discussões interessantíssimas na internet, com troca de informações a respeito de personagens, chefes e sobre o mundo em volta de Yharnam. É sempre gostoso participar desses tópicos e descobrir novas visões sobre o jogo. É uma sensação de conquista a parte quando o jogador descobre a ligação de um chefe com o lugar em que ele se encontra, e a posição dele na história do jogo.
É interessante também que a história, por volta da metade do jogo, vai por um caminho bem diferente do que eu imaginava pelo material de divulgação, tomando um rumo muito interessante em direção a um dos clássicos do horror, (que não vou falar para evitar spoilers), mas que me agradou muito e combinou com o clima de terror do jogo.
Sangue, Sangue em todo lugar
Em relação à mecânica de jogo, Bloodborne não foge muito ao estilo de seus antecessores, mas apresenta algumas novas mudanças que acabam alterando significativamente a forma de jogar.
O básico continua o mesmo: é um RPG de ação no qual o jogador tem controle do personagem, usa armas brancas como forma principal de ataque, cada arma tem dois tipos de ataque, forte e fraco, é possível se esquivar dos ataques através de um botão que faz seu personagem saltar para trás ou para os lados, ou rolar no chão.
Porém, em Bloodborne não há armaduras pesadas e nem escudos, de forma que o combate passa a ser mais ativo e agressivo que os jogos da série “souls”. Contribui para a dinâmica de combate o novo sistema de regeneração – ao perder vida, o jogador tem uma janela de tempo no qual cada golpe que acerta no adversário recupera parte do dano recebido.
Outra novidade é a adição de armas de fogo. Elas funcionam como uma arma secundária e tem como objetivo controlar os inimigos e não causar danos. Acertando o tiro, o inimigo fica atordoado, acertando o tiro quando o inimigo está prestes a atacar permite iniciar o chamado “ataque visceral” que funciona como o riposte do Dark Souls, onde o jogador causa uma quantidade massiva de dano ao adversário.
As armas em Bloodborne são mais escassas e aparecem em menor quantidade. Em contrapartida, cada arma é única, e possui dois modos distintos que podem ser alterados ao apertar um botão, inclusive formando combos no meio do combate.
Em boa parte das armas, as diferenças são basicamente na velocidade do ataque e no alcance. O cutelo serrado, por exemplo, funciona como uma pequena serra que tem um alcance curto, mas uma velocidade rápida de ataque. Ao apertar L1, ele se transforma em uma lâmina com haste que aumenta o alcance, porém os ataques se tornam mais lentos.
Há também algumas armas que possuem funções diferentes, como uma que, ao se transformar, o ataque rápido é substituído por um tiro de arma de fogo, ou outra arma que não se transforma, mas que ao apertar o botão ela recebe um buff de dano e o jogador passa a perder vida com o tempo.
Muito embora um número menor de armas perca um pouco a graça de busca por loot, a forma única de cada arma compensa o número e torna agradável a experimentação para encontrar a que lhe agrada mais.
Com isso, o combate de Bloodborne é extremamente satisfatório e recompensador. A agilidade no combate e as armas dinâmicas, bem como a possibilidade de uso das armas de fogo, fazem de Bloodborne um jogo muito agradável de se jogar, ainda mais que os seus predecessores.
As mecânicas de RPG também permanecem em Bloodborne. Porém, os atributos foram reduzidos e estão bem mais enxutos. Embora menos complexo, a redução dos atributos é bem vinda e torna mais simples a progressão do personagem, diferentemente de Dark Souls II, que possuía atributos demais, sendo que alguns ficavam de fora de todas as builds.
Igualmente, as almas foram substituídas pelos ecos de sangue, mas apenas na nomenclatura. Os ecos de sangue continuam servindo como moeda de troca e como experiência do personagem. Ao morrer, todos os ecos de sangue são perdidos pelo personagem e ficam em uma poça de sangue no chão, tal como em Demon’s e Dark Souls.
Após a morte, o jogador tem uma chance de recuperar os ecos perdidos, chegando ao local da morte e encontrar sua poça de sangue. A novidade em Bloodborne é que os ecos de sangue podem ser capturados por um inimigo, que fica com os olhos brilhando. Para recuperar os ecos perdidos, o jogador deve derrotar aquele inimigo.
Porém, caso o jogador morra novamente no caminho, os ecos deixados são perdidos para sempre. A mecânica pode parecer intimidadora a uma primeira análise, e, de fato, adiciona mais um grau de tensão ao jogo, porém ecos de sangue podem ser facilmente obtidos ao matar inimigos. Com um pouco de calma é possível recuperar a experiência perdida matando inimigos, de forma em que a morte, de forma alguma, impedirá o jogador de progredir, ou o deixará sub-evoluído pelo resto do jogo.
Por fim, Bloodborne também traz como novidade as Masmorras dos Cálices. Elas são dungeons geradas aleatoriamente através de programação procedural. Ao conseguir cálices no jogo principal, o jogador poderá utilizá-lo para fazer um ritual e gerar uma masmorra. A cada ritual é criada uma masmorra diferente, que podem ser compartilhados com outros jogadores através de um código chamado de “glifos”.
Por serem aleatórias, é de se esperar que as Masmorras dos Cálices tragam um maior fator replay ao jogo, porém, pela minha experiência, essas dungeons acabam muito parecidas umas com as outras, utilizando sempre a mesma estrutura, o que acaba sendo cansativo.
Mas por serem opcionais, a semelhança entre elas não estraga o jogo. É interessante para caso o jogador queira procurar algum item, ou buscar um novo motivo para matar as criaturas sombrias do jogo, mas caso o jogador resolva deixar de lado e prosseguir apenas na campanha principal, não irá perder muita coisa.
Os únicos problemas de verdade com o jogo são as quedas de frames e as telas de loading. Em relação às quedas de frames, elas existem sim, mas não são tão frequentes. Mas o que me surpreendeu foi ver vídeos de análises de outros sites que mostram uma queda de frames constantes. Isso não ocorreu durante meu tempo com o jogo.
Talvez porque, no momento da análise da mídia, ainda não tivesse saído o patch de correção que já existia quando joguei. Isso seria uma explicação plausível para o ocorrido, mas de qualquer forma, durante todo meu tempo com o jogo, os slowdowns não foram constantes e nem um problema significativo.
Já as telas de loading, infelizmente, são um problema mais frequente. Não há carregamento entre as áreas, e uma vez que o jogador começa a jogar, não há telas de carregamento até que ele morra ou se teletransporte para o Sonho do Caçador. Nesses casos, há uma tela de loading longa, que passa dos 30 segundos cada, no qual aparece apenas a logo do jogo.
O problema é que as mortes são constantes, e o tempo de espera até voltar à ação pode quebrar um pouco o clima. Isso também é um problema na hora de “farmar” itens ou ecos de sangue. Os inimigos somente dão respawn quando o jogador morre, ou volta para o Sonho do Caçador. Caso o jogador não deseje morrer, ele deve caminhar até uma lanterna, voltar para o HUB do jogo, passando por uma tela de loading, e voltar para a lanterna desejada, passando por outra tela de carregamento.
Tais problemas não chegam a tirar o brilho do jogo, mas podem incomodar alguns jogadores mais exigentes. A notícia boa é que a empresa já se pronunciou sobre o assunto e está preparando um patch para diminuir o tempo de carregamento e melhorar a performance. É possível que isso deixe, inclusive, de ser um problema em um futuro próximo.
Apenas vá lá matar algumas bestas,
é o que os caçadores fazem
Provavelmente o que mais me atraiu na série “souls”, quando joguei Demon’s Souls pela primeira vez, em 2009, foi o sistema de combate. Os personagens eram frágeis, sim, o mundo era cruel e cheio de armadilhas, mas o jogador habilidoso poderia se esquivar de todos os golpes, e com bastante atenção, era possível desviar das armadilhas.
Bloodborne segue na mesma linha. Ele é cruel e opressivo, mas o jogador sempre tem as ferramentas para sobreviver. Em troca, o jogo exige do jogador comprometimento e perseverança para dominar o sistema de combate e continuar tentando quando parece impossível continuar.
Por conta disso, Bloodborne não pode ser considerado um jogo para todos.
Porém, os que se entregarem completamente ao jogo serão recompensados com uma das mais satisfatórias experiências em um videogame. Irão encontrar uma atmosfera densa, um clima de horror e um mundo inóspito que irá te matar inúmeras vezes. Mas que cada desafio superado será recompensado com um sorriso no rosto e uma sensação sem igual de satisfação.
No fim, se Bloodborne superou Dark Souls ou não, é uma questão pessoal, mas uma coisa é certa: Bloodborne é, finalmente, o jogo que faz valer a pena a compra de um Playstation 4.