Na tarde do último sábado (21), a Bienal do Livro do Rio 2025 foi tomada por uma atmosfera intensa com o bate-papo “E.L.A.S: Novas Vozes Femininas do Thriller Internacional”, promovido pela DarkSide Books em seu estande. Três dessas principais vozes, as escritoras norte-americanas Kate Alice Marshall (O Que Está Lá Fora), Sam Holland (O Colecionador de Monstros) e Jess Lourey (Garotas na Escuridão) marcaram presença e emocionaram o público ao compartilharem histórias pessoais e os bastidores sombrios por trás de suas obras.
“Eu gosto de explorar profundamente pessoas destruídas por dentro”
A americana Kate Alice Marshall falou sobre sua relação pessoal com o gênero terror e sobre como sua obra é fruto de memórias de infância marcantes. “Foi passando por um processo de descoberta que eu percebi que o que eu gostava era de explorar profundamente pessoas totalmente, vamos dizer, destruídas por dentro”, contou. “E tinha um gênero que fazia isso, que era o terror. Então, a partir daí, depois que eu descobri esse gênero, o resto vocês já sabem.”
Ao ser perguntada sobre como transformou uma vivência pessoal em um livro, Kate compartilhou a origem mágica e inquietante de O Que Está Lá Fora. “Quando eu tinha 12 anos, eu tinha uma melhor amiga. Nós brincávamos de criar juntas um mundo mágico, com feitiços e monstros, de forma bem elaborada. A gente tinha um acordo: não acreditávamos naquilo, mas fingíamos que acreditávamos. Mas era tão forte que realmente parecia real às vezes.”
A escritora relembrou como essa fantasia evoluiu para um enredo sombrio. “Eu lembro de, às vezes, estar deitada na cama e pensar: ‘Se eu quiser mais um pouquinho, eu consigo manifestar esse negócio’. A gente fazia como se fosse real mesmo. Então eu pensei: quem são essas meninas 20 anos depois? E se elas estão guardando um segredo por tanto tempo, ele tem que ser algo realmente terrível.”
Ela imaginou um cenário sinistro: “E se essas garotas encontrassem um esqueleto? E ao invés de chamar a polícia, elas tirassem partes desse esqueleto e levassem pra casa? A história foi se formando a partir disso, misturando essa memória bonita com um desvio para algo bem mais sombrio.”
“Sempre amei a escuridão da vida”
Sam Holland revelou que sua obsessão pelo lado obscuro começou cedo. “Uma das primeiras obras que despertaram meu interesse foi algo como Popeye: o bebê foi sequestrado!”, brincou. “Eu sempre amei a escuridão da vida. Quando eu era jovem, curiosamente, meu pai me deu um livro sobre venenos, e isso manteve meu interesse em medicina e psicologia. Eu queria saber o motivo das pessoas fazerem o que elas fazem.”
Sam explicou como isso a levou a escrever thrillers psicológicos e livros sobre serial killers. “Quando eu penso nas histórias dos meus livros, eu penso: ‘o que eu quero saber sobre tal assunto?’ E, evidentemente, são sempre temas muito obscuros e perturbadores, mas fascinantes. Eu gosto muito de explorar os motivos por trás da mente das pessoas. Tem a ver com psicologia, com essa curiosidade profunda sobre o que leva alguém a cometer certos atos.”
Sobre seus processos criativos, ela foi direta: “Eu só sigo o que eu estou interessada e o que eu quero escrever: crime, thrillers e serial killers.”
“Foi poderoso encontrar justiça para essas garotas na ficção”
Jess Lourey trouxe uma das histórias mais tocantes da tarde. “Meu livro The Quarry Girls foi ambientado em 1974, em St. Cloud, Minnesota. Na época, a cidade tinha cerca de 40 mil habitantes. Eu tinha 4 anos e fui com minha irmã, de 6, a um restaurante. Roubamos algumas balas, e quando saímos, um carro da polícia parou. Os policiais mandaram a gente entrar no carro.”
Ela contou que acreditou estar sendo presa pelo pequeno furto, mas logo entendeu que a história era mais séria. “Na verdade, duas meninas da nossa idade haviam sido sequestradas. E por 30 dias, ninguém sabia onde elas estavam. Só duas semanas depois é que a polícia começou a procurar. Quando encontraram, estavam mortas em uma pedreira.”
O impacto daquele momento permaneceu com ela por décadas. “Eu guardei essa história até 2020, quando decidi investigar. Descobri que, naquele ano, havia dois serial killers atuando na cidade. E ninguém jamais descobriu quem matou aquelas meninas. Escrever esse livro foi minha forma de dar justiça para elas, mesmo que na ficção. Porque na vida real, seus pais nunca tiveram justiça.”
Leituras que moldaram suas vozes
No fim do bate-papo, as autoras compartilharam recomendações para seus leitores e fãs que também querem começar a escrever. Jess sugeriu Meagan Abbott e a irlandesa Tana French: “Elas escrevem personagens complexos e thrillers profundos. Se vocês procurarem mulheres autoras de thriller, vão encontrar muitas histórias com profundidade e grandes modelos para se inspirar.”
Sam mencionou a escritora de biografias que escrevia com pseudônimo masculino James Tiptree Jr. “Ela teve uma infância difícil, uma vida intensa, e morreu num assassinato-suicídio. Isso me fez pensar sobre a complexidade das pessoas.”
Kate deu um conselho inusitado para quem quer escrever: “Mesmo que eu odiasse o livro, eu lia até o fim. Depois, eu anotava o que gostei e o que detestei. O que eu quero repetir e o que quero evitar. Isso me ajudou a entender que tipo de escritora eu queria ser.”
Encerrando a mesa, as autoras foram recebidas calorosamente pelos admiradores em uma sessão de autógrafos lotada. Entre selfies, abraços e livros assinados, ficou claro: histórias sombrias contadas por mulheres têm luz própria e um público cada vez mais fiel.