A Ursa da Tundra, a Bastarda de Drakkar, Jarnsaxa Jotundóttir. Estes são alguns dos nomes pelos quais a protagonista de A Senhora da Tundra é conhecida. Este livro, escrito por Paola Giometti – autora que fez curso de storytelling pela Pixar – conduz o leitor pela trajetória de vingança e emancipação de Jarnsaxa.

Ainda em 2022 a editora Culturama publicou a obra que com certeza deveria se tornar um dos destaques do ano. Com suas 359 páginas de história, a gente fica com um gostinho de quero mais.

Ambientado numa era medieval nórdica e fictícia, A Senhora da Tundra conta a história de Jarnsaxa, a filha bastarda do rei Drakkar. Assim, constantemente em conflito com sua natureza draugr (espécie de demônio nórdico que se alimenta de carne humana), Saxa confronta o filho legítimo de Drakkar, um draugr “sangue puro”. Então, exilada de seu reino e sedenta por vingança, Jarnsaxa vai em busca do Invicto de Odin, a pessoa predestinada pelos deuses a acabar com a era de terror do rei draugr.

Uma mãozinha para os leigos

Bom, existem tantas coisas que quero falar deste livro que não sei bem como começar, mas tentarei me ater aos pontos principais sem dar spoilers. Primeiramente, para quem gosta de mitologia nórdica A Senhora da Tundra é uma história riquíssima, um verdadeiro prato cheio.

Inclusive, a autora Paola vive no norte da Noruega, então os elementos da história foram colhidos “direto da fonte”, vamos dizer assim. Desde os nomes, costumes, vestes, crenças, estilo de luta, tudo fará você reconhecer várias histórias vikings, com a vantagem desta ser uma fantasia sombria. Nesse contexto, sabendo da distância cultural que temos com os nórdicos, o livro dá uma boa de uma ajuda para os leitores.

Logo nas primeiras páginas um guia de pronúncia nos mostra algumas dicas de adaptação para o português. Por exemplo, nomes escandinavos com j possuem som de i. Portanto,  Jarnsaxa é lido como “Iarnsaksa” e, particularmente, essa simples página fez toda a diferença na minha leitura. Afinal, diferentemente de outros livros de fantasia, eu não simplesmente passava os olhos por cima de um nome diferente, sem realmente lê-los. Ao contrário, em A Senhora da Tundra buscava prestar atenção e pronunciá-los corretamente.

Juntamente com isso, um generoso glossário no final foi meu companheiro durante toda a história. Explicando origens de nomes, lendas nórdicas e alguns costumes, ele não deixou eu me perder no meio do caminho. Contudo, é claro que não possuía todas as coisas que procurava, o que me deixou na dúvida se meu conhecimento sobre tal cultura é realmente limitado, ou se eles escolheram dar uma economizada no papel.

A Senhora da Tundra
Divulgação: Suco de Mangá

Real Vholtor, uma Terra Média encolhida

Agora, meus amigos leitores, vamos falar do que realmente importa: a história em si. Primeiramente, vamos falar do começo, parte instigante, mas ao mesmo tempo muito atropelada.

Em relação à ambientação, meus comentários são positivos. A forma como a autora descreve o castelo dos draugar (plural de draugr), os costumes, caçadas aos humanos para formar os chamados rebanhos, a atmosfera sombria do início, é impecável.

No entanto, quando o assunto é explicar quem é Jarnsaxa, seu passado e a situação de crise que faz ela aceitar o ‘chamado à aventura’, pareceu ter sido escrito às pressas. Sendo assim, o confronto que ela teve com o filho legítimo do rei me pareceu um pouco difícil de aceitar como sendo momento de ruptura do mundo comum. Mas, de qualquer forma, não foi algo que comprometesse a história como um todo.

Ainda sobre isso, ao longo de todo o livro eu tive essa sensação de acelerar a velocidade dos acontecimentos. Por exemplo, as histórias contadas em volta da fogueira ao longo da jornada, informações sobre o passado dos personagens podiam ser muito mais desenvolvidos.

Com isso, vem a minha crítica que também é um elogio. A Senhora da Tundra é uma obra riquíssima em enredo, ambientação, personagens, enfim, ela pode ter a profundidade de um oceano que pareceu ter sido contido em uma grande piscina. Essas 359 páginas poderiam ter sido facilmente estendidas em umas mil, e não ficaria um livro cansativo ou maçante de ler, pois tem muito a oferecer.

Na orelha do livro está escrito que este universo poderia ser uma extensão da Terra Média, de Tolkien. Eu concordo, porém seria como resumir toda a trilogia em apenas um livro com menos de 400 páginas.

A Senhora da Tundra
Divulgação: Suco de Mangá

O Impecável Retumbar

Finalmente, agora irei apresentar os ovos dourados do livro, a cereja do bolo e a coroa de brilhantes que me conquistou. Se me obrigassem a dizer apenas um elogio à autora e nada mais do que isso, não precisaria pensar muito. Com certeza falaria da imersão, da forma que ela encanta o leitor quando descreve algumas passagens, principalmente a descrição dos cânticos xamanistas.

Eles me deixaram arrepiada e me fizeram desejar desesperadamente uma adaptação audiovisual, pois as cenas dos oráculos e sacerdotes entoando cânticos sombrios, com suas vestes características, invocando o poder dos deuses do submundo ou do Olimpo é surreal. É possível sentir a atmosfera mística, a magia fluindo e as vozes mântricas descritas.

Juntamente com isso, os poderosos tambores de guerra, ditando comandos e amedrontando exércitos são dignos de uma epopeia. A batalha final é perfeitamente escrita, fluída, ágil, angustiante, frenética e sangrenta, combinada com a descrição dos tambores e os cânticos é… indescritível.

Além disso, as ilustrações distribuídas ao longo do livro são deslumbrantes. Constantemente me pegava admirando alguma delas, pois são um bônus excepcional ao longo da leitura.

A Senhora da Tundra
Divulgação: Suco de Mangá

Considerações Finais

Como imagino que deu pra perceber, poderia passar mais um bom tempo falando sobre A Senhora da Tundra, mas vou me conter e pontuar os últimos tópicos.

Acredito que o que mais me fisgou e me afeiçoou ao livro foi ele ter sido escrito por uma mulher, sobre uma mulher, uma viking, uma guerreira. Jarnsaxa é poderosa, imponente e amedrontadora, mas ainda assim consegue ser gentil, sem perder sua feminilidade.

Não espere uma princesinha guerreira, pois não é isso que você vai encontrar aqui. Você encontrará uma viking feroz, agressiva e imperativa. Encontrará a Ursa da Tundra, uma mulher que prova constantemente sua capacidade de liderar exércitos e arrancar umas cabeças. Como mulher, é um livro que guardarei no meu coração e que farei questão de indicar.

Por fim, foi uma pena que a história tenha sido escrita em tão poucas páginas, mas espero que sua continuação nos traga mais do que ficou faltando aqui. Enfim, não precisa ter dúvidas pois A Senhora da Tundra te levará numa jornada viking regada a hidromel (e sangue de mundanos, para os adeptos) que você jamais vai esquecer.

A Senhora da Tundra
Divulgação: Suco de Mangá

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REVIEW
A Senhora da Tundra
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Jaqueline
Um pouco avoada, a doida das teorias da conspiração e leitora compulsiva do Nome do Vento. Adoro escrever sobre aleatoriedades, observar a natureza e ser engraçadinha em momentos impróprios, afinal esse é meu jeito ninja de ser.
a-senhora-da-tundra-reviewQuando a longa noite polar estendia seu manto de escuridão sobre o mundo, os nórdicos sabiam que seriam caçados, pois os draugar estavam vindo. Esses seres malditos, comedores de carne mundanos. Eles, que já foram humanos e deveriam estar sob a terra, mas na morte se entregaram a Grafvölludr-Gulon, a serpente devoradora de homens que lhes deu uma nova existência. Jarnsaxa é uma bastarda do rei Drakkar, que comanda todos os draugar. Atormentada por uma revelação do passado que envolve o seu rei, a Ursa da Tundra – como é conhecida – se torna uma desertora e inicia uma busca por vilarejos, montanhas e santuários à procura de um homem que dizem ser um enviado das Nornas e de Odin e que poderá matar Drakkar. A Senhora da Tundra se passa em um período obscuro da Era Viking, quando os escandinavos acreditavam que os deuses os haviam abandonado. A história é um convite para o leitor adentrar no folclore, na mitologia e na magia nórdicos, percorrendo cenários fantásticos e um enredo épico, repleto de cenas de batalha e personagens memoráveis.